Hiperconveniência, hiperpersonalização, experiências
imersivas, sustentabilidade, economia circular e economia do bem-estar são
algumas das tendências para criar conexão com o consumidor
Reter clientes nunca
foi uma tarefa fácil, mas as novas tecnologias, se bem utilizadas, podem ser um
caminho para melhorar a experiência do consumidor. Nesse contexto, a revolução
da inteligência artificial tem tudo para transformar o varejo, implicando em
mudanças nas estratégias das marcas e na forma como elas se relacionam com seu
público.
Alessandro Milagres,
Chief Metaverse Officer da Cidade Matarazzo, explica como a IA e o uso
estratégico de dados estão moldando este cenário. "É preciso entender o papel
do metaverso nas experiências do cliente. Se você não sabe o que é IA e dados,
você tende a levar a sua empresa a não existir mais nos próximos cinco anos.
Sabe por quê? Porque o seu concorrente já está fazendo isso ou pelo menos
estudando formas de como fazer."
Para ele, o
metaverso não é uma realidade distante, mas uma extensão da forma como as
pessoas interagem com os espaços e produtos no dia a dia. "O metaverso está
presente em todas as interações digitais que fazemos hoje, e as empresas que
souberem integrar essas duas realidades - a física e a digital - de forma
eficaz serão as vencedoras no futuro do varejo."
No entanto, as novas
tecnologias, por si só, não são suficientes para manter uma marca viva.
Cecília Rapassi,
sócia diretora da Gouvêa Fashion Business, traz uma abordagem analítica sobre
como as emoções dos consumidores influenciam suas decisões de compra e como o
varejo precisa se adaptar à crescente demanda por novas práticas na chamada
nova jornada dos clientes.
Hiperconveniência,
hiperpersonalização, experiências imersivas, economia circular e economia do
bem-estar são algumas das tendências para criar essa conexão com o consumidor.
Hiperconveniência
São diversos os
fatores que fazem com que a hiperconveniência do varejo esteja em alta. O
principal deles é a falta de tempo. Esse conceito cresceu muito por conta da
pandemia.
O consumidor não
quer mais um e-commerce cheio de produtos aleatórios que não são de seu
interesse. Ele quer que o lojista o conheça, saiba dos seus gostos e histórico
de compras e entenda suas necessidades para oferecer produtos ou serviços que
ele esteja realmente desejando.
"É como se fosse um
corredor cheio de itens aleatórios e ele demorasse a encontrar o que precisa.
Se você diz para seu cliente onde está o produto que ele quer, ele não
desperdiça tempo. É o que chamamos de hiperconveniência", conta Cecília.
Segundo a diretora,
o Amazon Go - um supermercado inteligente que não tem caixas e funciona sem
intervenção humana tanto na loja física quanto no site - é um exemplo. Essa
tecnologia chegou ao Brasil, em 2022, pelo Grupo Muffato, com a loja sem
funcionários Mgo, em Curitiba, no Paraná.
A tecnologia
utilizada é chamada de "Just Walk Out" (Apenas saia). No Amazon Go, o
cliente entra usando o aplicativo, escolhe os produtos e sai da loja. O sistema
identifica quando o cliente retira um produto da prateleira, adiciona o produto
ao carrinho virtual, identifica quando o cliente devolve um produto à
prateleira e fatura o valor da compra e envia o recibo para o smartphone via
cartão de crédito.
Hiperpersonalização
As empresas têm
investido para conseguir oferecer serviços mais precisos e eficazes de forma a
hiperpersonalizá-los. Isso se inicia com o uso de ferramentas digitais capazes
de identificar perfis e, a partir daí, exibir conteúdos mais relevantes para
cada um dos clientes. Por exemplo, mostrar ofertas de passagens aéreas apenas
para os locais que interessam a um consumidor de uma agência de viagens.
Milagres, da
Matarazzo, destaca a importância de entender profundamente o cliente e como
isso está intimamente ligado à personalização da experiência. Em um ambiente
tão competitivo, não basta oferecer produtos e serviços de qualidade. É
essencial criar uma conexão emocional com o consumidor, fazendo com que ele se
sinta parte da marca por meio de um produto ou serviço.
"Não importa se a
sua empresa é a melhor do mundo, a mais legal. Se o empresário não der a
experiência para o cliente, por meio de um profundo conhecimento do seu perfil,
de nada importa."
Este conceito,
segundo Milagres, é fundamental para que os clientes estejam dispostos a
compartilhar seus dados e, assim, se tornarem leais à marca.
"Temos 40 mil
clientes na nossa base de dados. Conseguimos rastrear seus hábitos por meio de
dados que eles nos fornecem de forma autorizada. Sei o caminho que ele fez no
dia em que foi até a Cidade Matarazzo. No caminho, posso personalizar as
ofertas para ele e, certamente, ele ficará feliz em não receber mensagens
quando não tiver um interesse específico", conta.
A Cidade Matarazzo
tem autorização de boa parte de seus clientes para fazer rastreamento via
aplicativo e realiza mapeamento da sua jornada digital com análise das redes
sociais. Também faz pesquisas por meio de entrevista com o próprio cliente,
cria comunidades criativas e utiliza dispositivos IoT (smartwatches, óculos
inteligentes, rastreadores de saúde etc.), que conectam objetos sem fio para
coletar, detectar e transferir dados.
Outro ponto
importante nesta nova jornada abordado por Milagres foi a transformação do
conceito de "Omnichannel" para "Unichannel", em que o cliente se conecta com a
marca por um único canal, mas de forma integrada e personalizada, seja no
ambiente digital ou físico. Ele reforça que a experiência do cliente deve ser
única e fluida, sem a frustração de ter que repetir informações em múltiplos
pontos de contato.
Cecília, da Gouvêa,
cita alguns cases para mostrar como a hiperpersonalização tem funcionado na
prática. A loja de tênis nova-iorquina Foot Locker tem uma tecnologia que
escaneia o pé do cliente, entende como ele pisa no chão ou se tem joanete. A
partir desses dados, indica qual calçado disponível na loja é mais indicado
para aquele pé.
Já a loja de
brinquedos FAO Scharwz possui uma linha de diversos produtos que o cliente pode
personalizar, entre opções de carrinhos, jogos, bonecas e outros itens.
No Brasil, a
Criamigos, criada em 2016, permite algo parecido, onde a criança dá vida a uma
pelúcia, customizando roupas, acessórios, calçados e, inclusive, cria uma
mensagem de voz exclusiva do bichinho. Cada produto é único.
Experiências
imersivas
Outra estratégia
importante para atrair o novo consumidor são as experiências imersivas, que
visam envolver o cliente em uma narrativa ou ambiente por meio da tecnologia e
dos sentidos. O objetivo é que o cliente se sinta parte da experiência, e não
apenas um espectador.
Esse tipo de
abordagem tem conquistado cada vez mais as marcas na busca por melhorar a
jornada do consumidor. Trata-se de uma combinação entre o uso avançado da
tecnologia e o apelo aos nossos cinco sentidos humanos para que o cliente tenha
a sensação de estar imerso em um mundo criado especialmente para ele.
Em dezembro do ano
passado, a Hering convidou o chef confeiteiro francês Cédric Grolet para uma
ação de Natal. Ele preparou panetones especiais e participou de uma master
class na pop-up store da Hering em São Paulo.
O Walmart é outro exemplo.
Eles criaram o Walmart Land dentro do jogo Roblox e seus 52 milhões de
usuários, de olho em uma parcela de consumidores mais jovens e dispostos a
estar presentes e gerando experiências dentro da gamificação.
No Roblox, o Walmart
tem suas ilhas, nas quais o jogador consegue viver uma experiência imersiva.
Essa é a capacidade de ir mais fundo, conhecer produtos e tirar esse consumidor
daquele contexto padrão.
A joalheria Tiffany
desenvolveu um NFT (Token não fungível) que podia ser trocado por um pingente
real, avaliado em cerca de R$ 47 mil. Um NFT é a representação de um item
exclusivo, que pode ser digital - como uma arte gráfica feita no computador -
ou física. Isso mostra como até o mercado de luxo precisa se conectar com esse
novo comportamento, com o consumidor mais jovem, e precisa reter atenção.
Sustentabilidade e
economia circular
A questão ambiental
também tem sido olhada com cuidado pelas marcas que focam em adotar práticas
mais sustentáveis e melhorar a jornada do cliente.
A crescente preocupação
com o meio ambiente exige que o varejo se reestruture, principalmente no setor
de moda, que tem um papel significativo na poluição global.
Cecília enfatiza que
as empresas precisam agir agora para minimizar os efeitos ambientais,
independentemente das políticas governamentais.
Um estudo feito no
fim de 2024 pela Koin, fintech especializada em "Buy Now, Pay Later" (BNPL),
uma modalidade alternativa de pagamentos parcelados, mostra que 87,5% dos consumidores
brasileiros preferem comprar roupas de marcas que adotam práticas sustentáveis.
O trabalho mostrou
que os principais fatores que influenciam na escolha dos consumidores por uma
marca de moda sustentável incluem o tecido (31,1%), a origem dos materiais
(18,6%), a forma de produção (12,4%), o apoio a causas sociais e ambientais
(11,2%) e práticas de reciclagem e logística reversa (4,3%).
Segundo a pesquisa,
89,1% dos entrevistados disseram doar peças que não usam mais. A prática
contribui para a economia circular, promovendo a reutilização e o prolongamento
da vida útil dos produtos.
"O Walmart criou
recentemente uma polêmica ao ter que tirar de circulação uma bolsa que era
muito parecida com uma Birkin, da Hermès. Dias depois, a rede fechou uma parceria
nos EUA com a Rebag, uma plataforma de varejo sediada em Nova York desde 2014,
especializada na compra, negociação e venda de bolsas de luxo usadas", conta
Cecília.
Economia do
bem-estar
A diretora da Gouvêa
aponta que hoje a geração mais nova de consumidores está praticando mais
esporte e bebendo menos. "O mercado precisa se adaptar a essa realidade."
Um bom exemplo
disso, segundo Cecília, é a ascensão do Strava, um aplicativo que conecta
milhões de corredores, ciclistas, exploradores e outras pessoas ativas por meio
dos esportes. "O Strava é o novo Tinder. Com isso, as marcas que investem em
conforto e oferecem melhor o bem-estar, por exemplo, estão à frente porque
enxergam para onde seus clientes estão caminhando."
Ela também cita a
Lululemon, marca canadense de peças esportivas. Os produtos são projetados para
atletas. Até aí, nada de diferente de outras marcas. Mas, a diferença é que as
peças atendem às necessidades físicas e emocionais dos consumidores, além de
promoverem o máximo potencial de desempenho.
Percebendo a falta
de roupas apropriadas para a prática de yoga no fim dos anos 1990, o
idealizador da Lululemon começou a produzir peças e as entregava para
professores de yoga testarem. Em troca, queria deles um feedback sincero sobre
como elas poderiam gerar mais conforto. Esses insights se transformaram em uma
linha de vestuário completamente alinhada aos desejos dos consumidores.
Hoje, a Lululemon é
sinônimo de Esportivo Urbano, a tendência que coloca peças de treino até no
escritório e é uma marca global que conversa com consumidores de todas as
faixas etárias com um mix de produtos que vai da moda atual ao básico com muita
tecnologia.
Cliente no centro
Todas essas
tendências levam, segundo os especialistas, a um único objetivo: o cliente no
centro do negócio para gerar um relacionamento de longo prazo.
Alexandre Sá, CEO da
NK Store, enfatiza a importância de entender profundamente o comportamento do
consumidor.
A chave para o
sucesso está em colocar o cliente no centro da operação e isso pode ser feito
com ações que melhoram essa jornada. Na NK Store, diversas ações fazem parte da
estratégia, como o acompanhamento das preferências de compra; envio de
presentes exclusivos; criação de eventos, como a exibição antecipada das
coleções para clientes especiais; convites para jantares, eventos e desfiles
internacionais; e até abrir a loja para uma única pessoa antes ou depois do
horário de funcionamento, se for preciso.
Sá revela que 35% da
receita da marca é gerada por 3,8% da base de clientes registrados. "Queremos
fazer com que o cliente potencialize sua relação com a NK por meio dessas
ações. Cerca de 55% das nossas vendas são influenciadas por ações de CRM
(Gestão de Relacionamento com o Cliente). Não há como deixar isso em segundo
plano", revela.
Fonte: Diário do Comércio