Não contratar aprendizes pode gerar condenação por danos morais coletivos
Publicado em
07/02/2023
às
10:00
Os julgadores da Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho-MG
mantiveram a condenação de uma empresa de terceirização de serviços gerais a
pagar indenização de R$ 100 mil, por danos morais coletivos, em razão do
descumprimento da cota legal de contratação de aprendizes, prevista no artigo
429 da CLT. Foi acolhido o entendimento da relatora, desembargadora Paula
Oliveira Cantelli, que negou provimento ao recurso da empresa, para manter
sentença oriunda da 6ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Trata-se de ação civil pública ajuizada contra a empresa pelo Ministério
Público do Trabalho, em que se debateu a não contratação de aprendizes em
número proporcional às funções que demandam formação profissional, conforme a
Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho - CBO.
Contrato especial de aprendizagem Na decisão, a relatora esclareceu que
o contrato especial de aprendizagem está previsto no artigo 428 da CLT, o qual
concretiza o dever constitucional de profissionalização do adolescente e do
jovem, previsto no artigo 227 da Constituição da República de 1988. Conforme
ressaltou, a contração deve ser feita por escrito e por prazo determinado e
implica obrigação assumida pelo empregador de assegurar ao maior de 14 e menor
de 24 anos (limitação não aplicável aos aprendizes com deficiência), inscrito
em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível
com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, cabendo ao aprendiz
executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.
Cota legal
Descumprimento Segundo o pontuado pela julgadora, o artigo 429 da CLT
dispõe que os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e
matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de
aprendizes equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores
existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação
profissional. Sendo assim, a cota legal de aprendizes, cuja contratação é
obrigatória por estabelecimentos de qualquer natureza, deve ser entre 5% e 15%
das funções que demandem formação profissional.
O artigo 52 do Decreto 9.579/2018, por sua vez, informa que, para a
definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser
considerada a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho.
O parágrafo primeiro da norma exclui dessa definição apenas as funções que
demandem habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, que
estejam caracterizadas como cargo de direção, de gerência ou de confiança.
No caso, auto de infração lavrado por auditora-fiscal do trabalho
certificou que a empresa não provou a contratação dos 92 aprendizes que
correspondem à cota legal, mesmo tendo sido notificada para apresentação da
documentação com 45 dias de antecedência.
Recusa em firmar Termo de Ajustamento de Conduta Na avaliação da
relatora, não houve prova de que a empresa tenha se esforçado para cumprir a
cota legal e a obrigação constitucional que lhe é imputada. Chamou a atenção da
relatora o fato de a empresa ter informado ao juízo, após ser intimada para
tanto, que não tinha interesse em firmar um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC). Somou-se a isso o fato de uma testemunha ter declarado que, antes de
2019, a empresa "nunca tentou contratar jovem aprendiz".
A empregadora pretendia que o número de jovens aprendizes a serem
contratados fosse calculado com base nas atividades que se enquadram nas
diretivas legais, apuradas a partir do Caged, ficando limitadas a: "02
(dois) Carpinteiros, 19 (dezenove) Cuidador Social, 05 (cinco) Marceneiros, 05
(cinco) Serralheiros, 07 (sete) Auxiliar Administrativo, 01 (um) comprador, 01
(um) Analista de RH". Mas, ao afastar a pretensão da empresa, a relatora
ressaltou que a definição das funções que demandam formação profissional é
realizada pela Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, nos termos do
artigo 52 do Decreto 9.579/2018, citando, nesse sentido, jurisprudência do
Tribunal Superior do Trabalho (TST. AIRR - 205-05.2015.5.09.0656. Órgão
Judicante: 2ª Turma. Relatora: Maria Helena Mallmann. Julgamento: 28/4/2021.
Publicação: 30/4/2021). Concluiu que, sendo assim, as atividades de
"porteiro/vigia" e "auxiliar de serviços gerais" também
devem ser incluídas na base de cálculo para a contratação de aprendizes,
respondendo a questionamento da empresa, no aspecto.
Com esses fundamentos, foi mantida a sentença que reconheceu o
descumprimento da empresa quanto à obrigação legal de contratação do percentual
de aprendizes. Manteve-se, também, a determinação de que a empresa mantenha a
contratação do mínimo estabelecido, no prazo de 90 dias, a contar da publicação
da sentença, sob pena de multa de R$ 10 mil por aprendiz não contratado,
conforme fixado na decisão recorrida.
Danos morais coletivos Também foi mantida a condenação da empresa ao
pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor R$ 100 mil,
conforme definido na sentença. Entretanto, como o juiz de primeiro grau não
definiu a destinação da indenização, a relatora determinou que seja revertida
em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Ressaltou que o dano, no caso,
decorre do próprio fato, porque impingido à sociedade pela conduta ilícita ou
antijurídica da empresa, que se revela lesiva aos direitos e interesses
extrapatrimoniais de uma coletividade de trabalhadores.
A relatora ressaltou que a reparação pelo dano moral coletivo se trata
de uma evolução da reparação civil. "Se considerarmos que um indivíduo é
uma singularidade de valores, seria um contrassenso a admissão de indenização
por dano moral individual, sem que se aplicasse, de igual forma, a um conjunto,
ou coletividade, o mesmo tratamento quando a dignidade do grupo for afetada. As
normas legais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, se a
dignidade da sociedade é violada, não há motivos para que não se reclame o
devido ressarcimento", explicou.
Conforme pontuou a desembargadora, a pretensão do Ministério Público do
Trabalho busca impingir medida de caráter pedagógico, como incentivo para que a
empresa adote práticas eficazes para o cumprimento da cota legal de contratação
de aprendizes, além de se reprimir a conduta antijurídica. "Tudo isso
agregado ao fato de que todo dano experimentado merece reparação",
observou.
Para a julgadora, ao contrário do que defendeu a empresa, é evidente o
aspecto compensatório e reparador da indenização em questão. "Indubitável
que o alcance do comportamento recalcitrante e da conduta ilícita do
empregador, em relação ao dano social, é extremamente superior ao dano por
ofensas individuais", destacou. Acrescentou que a simples cessação da
conduta reprovável ou o cumprimento de medidas inibitórias de tal comportamento
não poderia deixar o infrator sem a punição das práticas que lhe favoreceram e
sem que houvesse um meio efetivo pela responsabilização dos danos causados à
coletividade.
Na visão da relatora, a culpa da empresa se revelou na negligência
quanto à não contratação do percentual mínimo de aprendizes, mesmo sendo
notificada com 45 dias de antecedência. Ponderou, por fim, que a empresa não
pode imputar a própria culpa ao Estado, como pretendeu fazer, até porque não se
verificou que tivesse, de fato, envidado esforços para atender à determinação
legal. O processo já foi arquivado definitivamente.
Nota M&M: Destacamos que esta
decisão foi aplicada neste processo específico, e pode servir como um norteador
para futuras sentenças. Porém, situações semelhantes poderão ter decisões
diferentes, especialmente nas esferas de primeiro e segundo graus.
Fonte: Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região, com "nota" da M&M Assessoria Contábil.
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