Institucional Consultoria Eletrônica

As novas normas para reduzir o número de cesáreas


Publicada em 02/02/2018 às 09:00h 

Visando reduzir o número de cesáreas na rede privada, que hoje representam 84,6% dos partos, o Ministério da Saúde e a ANS passarão a exigir, daqui a seis meses, o preenchimento de um partograma que justifique clinicamente a opção pela cesárea, em detrimento do parto normal. O partograma conterá informações a respeito do desenvolvimento do parto e será levado em consideração pelos planos e seguros de saúde no pagamento e no reembolso dos hospitais e dos médicos, que realizarem esses procedimentos.

 

Como a regra de conduta passará a ser o parto normal, cesáreas indevidamente realizadas, ao menos no juízo dos auditores de planos e seguros de saúde, implicarão na recusa de todos os pagamentos e reembolsos decorrentes dessas cirurgias. Abre-se, portanto, mais uma brecha para que planos e seguros de saúde recusem pagamentos e reembolsos, e os consumidores terão que recorrer ao Judiciário para fazer prevalecer seus direitos contratualmente previstos.

 

Não há dúvida de que os partos normais devem ser incentivados, mas essa mudança cultural, sedimentada há anos, não pode ser realizada a "fórceps", através de uma penada. A conduta clínica é do médico e os planos e seguros de saúde não podem nela interferir, conforme já pacificado na jurisprudência. Até porque, nos casos de falhas na prestação dos serviços, a responsabilidade também é do médico.

 

Obviamente estão ressalvados na obrigatoriedade de pagamento os casos de fraudes, que consistem na indicação de um procedimento e de um material, desnecessário ou que na realidade não será empregado, apenas para gerar o pagamento pelo plano ou seguro de saúde, visando locupletar indevidamente alguém.

 

Talvez por influência dos médicos, que preferem cesáreas agendadas a partos normais, que dependem da natureza e do organismo da paciente para acontecer, formou-se um mito no sentido de que o parto normal é doloroso e mais difícil. Sabe-se que parto normal e cesárea têm prós e contras, mas certamente uma campanha oficial de esclarecimento ia contribuir para dissipar o medo e consequentemente aumentar a opção das gestantes pelos partos normais. Muitas sequer cogitam submeter-se a partos normais, por medo decorrente de desinformação.

 

Como tudo em medicina, existem casos que possibilitam mais de uma conduta médica. A tendência do médico será a adoção da conduta mais conservadora, que minore os riscos à gestante e ao bebê. A tendência do plano e do seguro de saúde será desqualificar a opção do médico pela cesárea, para não pagar seus custos, carreando o ônus do processo judicial aos consumidores, aos médicos e aos hospitais.

 

As novas medidas criam uma insegurança jurídica tremenda, porque, em última análise, o médico poderá ser responsabilizado por supostamente escolher uma conduta clínica inadequada que leve ao não pagamento ou ao não reembolso da cesárea pelos planos e seguros de saúde. O paciente, enquanto leigo, submete-se, no mais das vezes, à recomendação médica. Em contrapartida, o receio de responsabilização cível por condutas tidas por incorretas pode levar os médicos à realização de partos normais em casos não recomendados, colocando em risco a vida das mães e dos bebês.

 

Como forma de intimidar os médicos que recomendam cesáreas, dentre as medidas aprovadas está a obrigatoriedade dos planos e seguros de saúde informarem o percentual de cesáreas realizadas pelos médicos. Médicos que supostamente desviarem-se do "padrão" passarão certamente a ser vigiados. Caso contrário, a exigência dessa informação não faria qualquer sentido.

 

A paciente tem direito de optar pela cesárea, a partir do aconselhamento médico. O médico, por outro lado, tem o direito de recusar a realização da cesárea quando reputá-la desnecessária. Conjuntamente, paciente e médico, devem decidir o melhor procedimento atendendo às circunstâncias do caso concreto, considerando que muitas mulheres psicologicamente não têm condições de se submeter a partos normais, que muitas vezes demandam horas e horas.

 

No que diz respeito à maior remuneração dos médicos pela realização de cesáreas, cumpre notar que é bastante razoável, como já fazem alguns, que médicos que ficam permanentemente à disposição das pacientes nas últimas semanas de gestão, sem poder viajar e colocando em segundo plano todos os seus demais compromissos, sejam remunerados por essa disponibilidade. Entretanto, planos e seguros de saúde já rechaçaram cobranças que tais, por considera-las abusivas.

 

Se o objetivo fosse realmente incentivar os partos normais, o caminho seria, principalmente, incentivar os médicos a partir de uma remuneração compatível com essa disponibilidade permanente necessária para atender, com responsabilidade, uma gestante que opte pelo parto normal. A insegurança de ser atendida, no momento mais importante da gestação, por um médico que não a acompanhou desde o início a gestação certamente faz também com que as gestantes optem pela cesárea.

 

As novas medidas adotadas pelo Ministério da Saúde e pela ANS justificarão novas recusas de pagamentos e reembolsos de cesárias, mas, de outra parte, nada foi dito em relação à cobertura da disponibilidade dos médicos para a realização de partos normais.

 

Como se percebe, além de não contribuírem para reduzir as recusas injustificadas de pagamentos e reembolsos por parte dos planos e seguros de saúde, que atolam o Judiciário de processos, o Ministério da Saúde e a ANS ainda adotam medidas que darão margem ao aumento das recusas de procedimentos previstos contratualmente, em prejuízo dos consumidores. Hábitos culturais são mudados paulatinamente e não, repita-se, a "fórceps".

Por Arthur Rollo






Sobre o(a) colunista:



Arthur Rollo é advogado, mestre e doutorado em Direitos Difusos pela PUC/SP.



Telefone (51) 3349-5050
Vai para o topo da página Telefone: (51) 3349-5050