Visando
reduzir o número de cesáreas na rede privada, que hoje representam 84,6% dos
partos, o Ministério da Saúde e a ANS passarão a exigir, daqui a seis meses, o
preenchimento de um partograma que justifique clinicamente a opção pela
cesárea, em detrimento do parto normal. O partograma conterá informações a
respeito do desenvolvimento do parto e será levado em consideração pelos planos
e seguros de saúde no pagamento e no reembolso dos hospitais e dos médicos, que
realizarem esses procedimentos.
Como a regra
de conduta passará a ser o parto normal, cesáreas indevidamente realizadas, ao
menos no juízo dos auditores de planos e seguros de saúde, implicarão na recusa
de todos os pagamentos e reembolsos decorrentes dessas cirurgias. Abre-se,
portanto, mais uma brecha para que planos e seguros de saúde recusem pagamentos
e reembolsos, e os consumidores terão que recorrer ao Judiciário para fazer
prevalecer seus direitos contratualmente previstos.
Não há
dúvida de que os partos normais devem ser incentivados, mas essa mudança
cultural, sedimentada há anos, não pode ser realizada a "fórceps", através de
uma penada. A conduta clínica é do médico e os planos e seguros de saúde não
podem nela interferir, conforme já pacificado na jurisprudência. Até porque,
nos casos de falhas na prestação dos serviços, a responsabilidade também é do
médico.
Obviamente
estão ressalvados na obrigatoriedade de pagamento os casos de fraudes, que
consistem na indicação de um procedimento e de um material, desnecessário ou
que na realidade não será empregado, apenas para gerar o pagamento pelo plano
ou seguro de saúde, visando locupletar indevidamente alguém.
Talvez por
influência dos médicos, que preferem cesáreas agendadas a partos normais, que
dependem da natureza e do organismo da paciente para acontecer, formou-se um
mito no sentido de que o parto normal é doloroso e mais difícil. Sabe-se que
parto normal e cesárea têm prós e contras, mas certamente uma campanha oficial
de esclarecimento ia contribuir para dissipar o medo e consequentemente
aumentar a opção das gestantes pelos partos normais. Muitas sequer cogitam
submeter-se a partos normais, por medo decorrente de desinformação.
Como tudo em
medicina, existem casos que possibilitam mais de uma conduta médica. A
tendência do médico será a adoção da conduta mais conservadora, que minore os
riscos à gestante e ao bebê. A tendência do plano e do seguro de saúde será
desqualificar a opção do médico pela cesárea, para não pagar seus custos,
carreando o ônus do processo judicial aos consumidores, aos médicos e aos
hospitais.
As novas
medidas criam uma insegurança jurídica tremenda, porque, em última análise, o
médico poderá ser responsabilizado por supostamente escolher uma conduta
clínica inadequada que leve ao não pagamento ou ao não reembolso da cesárea
pelos planos e seguros de saúde. O paciente, enquanto leigo, submete-se, no
mais das vezes, à recomendação médica. Em contrapartida, o receio de
responsabilização cível por condutas tidas por incorretas pode levar os médicos
à realização de partos normais em casos não recomendados, colocando em risco a
vida das mães e dos bebês.
Como forma
de intimidar os médicos que recomendam cesáreas, dentre as medidas aprovadas
está a obrigatoriedade dos planos e seguros de saúde informarem o percentual de
cesáreas realizadas pelos médicos. Médicos que supostamente desviarem-se do
"padrão" passarão certamente a ser vigiados. Caso contrário, a exigência dessa
informação não faria qualquer sentido.
A paciente
tem direito de optar pela cesárea, a partir do aconselhamento médico. O médico,
por outro lado, tem o direito de recusar a realização da cesárea quando
reputá-la desnecessária. Conjuntamente, paciente e médico, devem decidir o melhor
procedimento atendendo às circunstâncias do caso concreto, considerando que
muitas mulheres psicologicamente não têm condições de se submeter a partos
normais, que muitas vezes demandam horas e horas.
No que diz
respeito à maior remuneração dos médicos pela realização de cesáreas, cumpre
notar que é bastante razoável, como já fazem alguns, que médicos que ficam
permanentemente à disposição das pacientes nas últimas semanas de gestão, sem
poder viajar e colocando em segundo plano todos os seus demais compromissos,
sejam remunerados por essa disponibilidade. Entretanto, planos e seguros de
saúde já rechaçaram cobranças que tais, por considera-las abusivas.
Se o
objetivo fosse realmente incentivar os partos normais, o caminho seria,
principalmente, incentivar os médicos a partir de uma remuneração compatível
com essa disponibilidade permanente necessária para atender, com
responsabilidade, uma gestante que opte pelo parto normal. A insegurança de ser
atendida, no momento mais importante da gestação, por um médico que não a
acompanhou desde o início a gestação certamente faz também com que as gestantes
optem pela cesárea.
As novas
medidas adotadas pelo Ministério da Saúde e pela ANS justificarão novas recusas
de pagamentos e reembolsos de cesárias, mas, de outra parte, nada foi dito em
relação à cobertura da disponibilidade dos médicos para a realização de partos
normais.
Como se
percebe, além de não contribuírem para reduzir as recusas injustificadas de
pagamentos e reembolsos por parte dos planos e seguros de saúde, que atolam o
Judiciário de processos, o Ministério da Saúde e a ANS ainda adotam medidas que
darão margem ao aumento das recusas de procedimentos previstos contratualmente,
em prejuízo dos consumidores. Hábitos culturais são mudados paulatinamente e
não, repita-se, a "fórceps".
Por Arthur Rollo