Institucional Consultoria Eletrônica

Quem Convocou Esta Reunião?


Publicada em 29/03/2018 às 09:00h 

Era um feriado prolongado. Na sala de um dos hotéis mais sofisticados de São Paulo, cinquenta gerentes de uma das maiores empresas brasileiras reuniam-se para discutir, planejar, trabalhar. Passaram ali o sábado, o domingo, a segunda-feira (feriado) trancafiados no ar condicionado com as cortinas fechadas para não atrapalhar as projeções na imensa tela.


Estressados, lembrando ser um feriado, os participantes todos começaram a reverberar contra a empresa, contra a diretoria, contra a globalização. Afirmavam que viviam em regime de verdadeira escravidão e que suas famílias estavam literalmente abandonadas. Não viam mais seus filhos. Suas esposas e maridos não aguentavam mais aquela empresa vampira, sanguinária, que não respeitava a vida pessoal de seus gerentes. Que eram "obrigados" a trabalhar até às 10 horas da noite quase todos os dias com intermináveis reuniões em horários "ridículos" e fora do expediente normal, de pessoas normais....


Quando estavam quase fazendo um "Memorando à Diretoria" pedindo mais respeito à qualidade de vida e à valorização da família, de mais tempo livre, etc. eu, que ali também estava, "convocado" que fui como consultor, perguntei: 

 "- Onde está hoje (feriado) o nosso presidente?"

 "- Onde está hoje (feriado) o nosso superintendente?"

 E surpreendentemente, muitos dos presentes sabiam e responderam:

 "- O presidente foi pescar no Mato Grosso e o Superintendente está em sua casa em Angra dos Reis..."

 Ao que eu perguntei: " E quem convocou esta reunião, num feriado prolongado?"

E a resposta foi simples o objetiva: Foram os mesmos gerentes que ali estavam reclamando da baixa qualidade de vida e acusando a "diretoria".


Fizemos uma simples reflexão e verificamos que aquela reunião poderia ter sido convocada em qualquer outro dia, em horário normal e (pasmem) que mesmo um dos diretores gerais da empresa (não convocado) havia mesmo criticado o fato de "alguém" ter marcado aquela reunião em um feriado prolongado.... 


E o mais interessante de tudo é que os gerentes que haviam convocado a sobredita reunião eram os que mais acusavam a "diretoria" de não respeitar fins de semana e feriados....


Pense nisso. Será que não estamos de forma neurótica e inconsequente querendo "mostrar serviço" a nossos superiores usando de forma desumana os nossos subordinados, convocando-os para reuniões intermináveis fora do expediente, exigindo relatórios que ninguém lerá, coleta de dados que ninguém analisará e que exigem um tempo enorme e trabalho extenuante?


Será que não estamos (até inconscientemente) "punindo" nossos subordinados pela nossa incapacidade de liderá-los através de ações que demonstrem o nosso "poder" de infelicitar essas pessoas que têm a infelicidade de nos ter como chefes? Será que não estaremos (até inconscientemente) punindo nossos subordinados pela nossa incapacidade em construir uma família feliz, um casamento feliz.


Será que eu (o chefe) que destruí e quero fugir da minha família, me atolando num escritório, me conformo em ver alguém ter uma família feliz com filhos que desejam o convívio dos pais em finais de semana, à noite, etc.? E será que não estarei fazendo tudo isso com a "desculpa" da globalização, da "pressão da diretoria", colocando toda a culpa fora de mim? Será que não estarei me fazendo de vítima, quando na verdade sou o verdugo, o vitimador?

Pessoas infelizes têm a compulsão de punir pessoas felizes. Elas não se conformam com a felicidade alheia. E quando esses infelizes são os chefes a coisa piora, pois eles têm, de fato, o poder de infelicitar seus subordinados e mesmo até de destruir-lhes a qualidade de vida sob a alegação de que o "mundo hoje é assim". Conheço um "chefe" que tem o hábito de "cancelar de última hora" as férias programadas de seus subordinados. "É para ele ver que aqui é fogo mesmo!" disse-me o sádico chefe que afirmou saber que o seu subordinado já havia comprado e pago passagens e reservado hotéis para as férias com a família.


Esse tipo de chefe, muitas vezes "servem" às empresas. A diretoria até incentiva esse tipo de convocações em feriados, finais de samana, noites. Afinal eles estão "trabalhando" para a empresa e é isso que queremos cada vez mais, me disse um presidente. Mas no fundo os verdadeiros líderes e presidentes sabem que isso não leva a nada e que pessoas estressadas, sem qualidade de vida pessoal, sem famílias estruturadas e filhos felizes produzem menos e com menor qualidade e que esses compulsivos alcoólatras do trabalho extenuante são verdadeiras vítimas de si próprias. 


Esses chefes são do tipo "Eu sou bonzinho, a nossa empresa é que exige assim..."  jamais vestindo a carapuça do carrasco, cujo prazer está na ameaça e no poder de decepar cabeças "Cabeças vão rolar..."  é a frase que gostam de dizer.

Da próxima vez que tiver a compulsão de convocar uma reunião na sexta-feira santa ou terça de carnaval, pense duas vezes. Tem gente que é feliz. Tem gente que quer ser feliz. E, lembre-se, só com pessoas felizes nossa empresa fará clientes felizes! Não é isso que todos os livros de gestão dizem? Não é isso que fazem as empresas de sucesso? Ou não é isso que a sua empresa quer?

Por Luiz Marins.






Sobre o(a) colunista:



Autor: Luiz Marins - Antropólogo. Estudou Antropologia na Austrália (Macquarie University) sob a orientação do renomado Prof. Dr. Chandra Jayawardena (Sri Lanka) e na Universidade de São Paulo (USP) sob a orientação da Profa.Dra. Thekla Hartamann, autor de mais de 13 livros.
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