Era um feriado prolongado. Na sala de um dos hotéis
mais sofisticados de São Paulo, cinquenta gerentes de uma das maiores empresas
brasileiras reuniam-se para discutir, planejar, trabalhar. Passaram ali o
sábado, o domingo, a segunda-feira (feriado) trancafiados no ar condicionado
com as cortinas fechadas para não atrapalhar as projeções na imensa tela.
Estressados, lembrando ser um feriado, os
participantes todos começaram a reverberar contra a empresa, contra a
diretoria, contra a globalização. Afirmavam que viviam em regime de verdadeira
escravidão e que suas famílias estavam literalmente abandonadas. Não viam mais
seus filhos. Suas esposas e maridos não aguentavam mais aquela empresa vampira,
sanguinária, que não respeitava a vida pessoal de seus gerentes. Que eram
"obrigados" a trabalhar até às 10 horas da noite quase todos os dias
com intermináveis reuniões em horários "ridículos" e fora do
expediente normal, de pessoas normais....
Quando estavam quase fazendo um "Memorando
à Diretoria" pedindo mais respeito à qualidade de vida e à valorização da
família, de mais tempo livre, etc. eu, que ali também estava,
"convocado" que fui como consultor, perguntei:
"- Onde está hoje (feriado) o nosso
presidente?"
"- Onde está hoje (feriado) o nosso
superintendente?"
E surpreendentemente, muitos dos presentes sabiam
e responderam:
"- O presidente foi pescar no Mato Grosso e
o Superintendente está em sua casa em Angra dos Reis..."
Ao que eu perguntei: " E quem convocou esta
reunião, num feriado prolongado?"
E a resposta foi simples o objetiva: Foram os mesmos
gerentes que ali estavam reclamando da baixa qualidade de vida e acusando a
"diretoria".
Fizemos uma simples reflexão e verificamos que
aquela reunião poderia ter sido convocada em qualquer outro dia, em horário
normal e (pasmem) que mesmo um dos diretores gerais da empresa (não convocado)
havia mesmo criticado o fato de "alguém" ter marcado aquela reunião
em um feriado prolongado....
E o mais interessante de tudo é que os gerentes
que haviam convocado a sobredita reunião eram os que mais acusavam a
"diretoria" de não respeitar fins de semana e feriados....
Pense nisso. Será que não estamos de forma
neurótica e inconsequente querendo "mostrar serviço" a nossos
superiores usando de forma desumana os nossos subordinados, convocando-os para
reuniões intermináveis fora do expediente, exigindo relatórios que ninguém
lerá, coleta de dados que ninguém analisará e que exigem um tempo enorme e
trabalho extenuante?
Será que não estamos (até inconscientemente)
"punindo" nossos subordinados pela nossa incapacidade de liderá-los
através de ações que demonstrem o nosso "poder" de infelicitar essas
pessoas que têm a infelicidade de nos ter como chefes? Será que não estaremos
(até inconscientemente) punindo nossos subordinados pela nossa incapacidade em
construir uma família feliz, um casamento feliz.
Será que eu (o chefe) que destruí e quero fugir
da minha família, me atolando num escritório, me conformo em ver alguém ter uma
família feliz com filhos que desejam o convívio dos pais em finais de semana, à
noite, etc.? E será que não estarei fazendo tudo isso com a
"desculpa" da globalização, da "pressão da diretoria", colocando
toda a culpa fora de mim? Será que não estarei me fazendo de vítima, quando na
verdade sou o verdugo, o vitimador?
Pessoas infelizes têm a compulsão de punir pessoas
felizes. Elas não se conformam com a felicidade alheia. E quando esses
infelizes são os chefes a coisa piora, pois eles têm, de fato, o poder de
infelicitar seus subordinados e mesmo até de destruir-lhes a qualidade de vida
sob a alegação de que o "mundo hoje é assim". Conheço um
"chefe" que tem o hábito de "cancelar de última hora" as
férias programadas de seus subordinados. "É para ele ver que aqui é fogo
mesmo!" disse-me o sádico chefe que afirmou saber que o seu subordinado já
havia comprado e pago passagens e reservado hotéis para as férias com a
família.
Esse tipo de chefe, muitas vezes
"servem" às empresas. A diretoria até incentiva esse tipo de
convocações em feriados, finais de samana, noites. Afinal eles estão
"trabalhando" para a empresa e é isso que queremos cada vez mais, me
disse um presidente. Mas no fundo os verdadeiros líderes e presidentes sabem
que isso não leva a nada e que pessoas estressadas, sem qualidade de vida
pessoal, sem famílias estruturadas e filhos felizes produzem menos e com menor
qualidade e que esses compulsivos alcoólatras do trabalho extenuante são
verdadeiras vítimas de si próprias.
Esses chefes são do tipo "Eu sou bonzinho,
a nossa empresa é que exige assim..." jamais vestindo a carapuça do
carrasco, cujo prazer está na ameaça e no poder de decepar cabeças
"Cabeças vão rolar..." é a frase que gostam de dizer.
Da próxima vez que tiver a compulsão de convocar uma
reunião na sexta-feira santa ou terça de carnaval, pense duas vezes. Tem gente
que é feliz. Tem gente que quer ser feliz. E, lembre-se, só com pessoas felizes
nossa empresa fará clientes felizes! Não é isso que todos os livros de
gestão dizem? Não é isso que fazem as empresas de sucesso? Ou não é isso que a
sua empresa quer?
Por Luiz Marins.