Adotado pelo
mundo afora e, segundo seus defensores, fundamentado em regras atuariais
rígidas, o seguro perfil é muito utilizado no Brasil. A partir de diversos
questionamentos sobre os hábitos de vida do proponente é traçado um perfil de
risco segundo o qual é calculado o prêmio, que a importância que o segurado
terá que pagar para proteger seu bem.
Existem
questionamentos que são formulados pelas seguradoras, em relação ao seguro de
automóveis, absolutamente impertinentes, como, por exemplo, se o segurado
reside com adolescentes. A utilização do veículo segurado por pessoa
inabilitada e incapaz exime a seguradora do pagamento da indenização, por
configurar culpa exclusiva do segurado.
O grande
problema do perfil é que, a partir dele, são encontradas justificativas
diversas por parte das seguradoras para o não pagamento da indenização. Por
exemplo, se o segurado afirma que possui garagem na sua residência e, por uma
noite apenas, pernoita em casa de amigo e deixa o carro na rua, tal
circunstância já é suficiente para o não pagamento da indenização, caso o
sinistro aconteça justamente nesse dia.
Da mesma
forma, aquele consumidor que sempre deixa o carro em estacionamento quando vai
à faculdade e, em uma situação isolada, estaciona na rua por não encontrar
vaga, perde direito à indenização segundo as seguradoras caso o sinistro
aconteça nessas circunstâncias.
Qualquer
mudança pontual no comportamento do consumidor, decorrente até mesmo de razões
circunstanciais, é vista como má-fé ou declaração inexata do consumidor para
eximir a seguradora, nos termos do artigo 766 do Código Civil, do pagamento da
indenização.
O risco
securitário deve levar em conta aspectos objetivos e previstos em lei e não
regras atuariais fundadas em bancos de dados alimentados pelas próprias
seguradoras que, muitas vezes, divergem até mesmo das estatísticas oficiais. É
um absurdo, por exemplo, mulher pagar menos do que homem, a partir de uma
afirmação constitucional de que homens e mulheres devem ser tratados da mesma
forma. A justificativa para isso está nas estatísticas de que homens são mais
imprudentes do que as mulheres no trânsito. Isso, por óbvio, não é uma verdade
absoluta e leva a inúmeras injustiças.
A par das
injustiças de ordem prática, não há dúvida acerca da inconstitucionalidade da
medida, porque, conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello "o fator
diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação
de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a
inserção ou arredamento do gravame imposto".
As
distinções de tratamento devem ter base na lei ou decorrer de um conjunto harmônico
de leis. Se o objetivo de desigualar não consta inequivocamente da lei, ainda
que de maneira implícita, a distinção atenta contra a isonomia. Homens e
mulheres podem receber tratamento distinto quando a lei assim prevê, como, por
exemplo, em relação à licença pelo nascimento de filho e ao tempo de
aposentadoria. Não existe lei que permita essa distinção no caso de seguro de
automóveis.
A nosso ver,
o seguro perfil de automóveis acaba sendo uma forma da seguradora estipular o
prêmio que bem entende, de acordo com a "cara do freguês". Isso
porque não são incomuns os casos de diferentes valores de prêmios orçados para
uma mesma pessoa, nas mesmas circunstâncias, para a mesma seguradora, no mesmo
dia. O que justifica essa variação de preço? O seguro perfil também acaba
prejudicando a comparação dos preços entre as seguradoras, dificultando o
exercício da liberdade de escolha pelo consumidor.
A definição
do grau de risco é da essência do contrato de seguro mas deve levar em conta
fatores objetivos e previstos em lei. Os critérios que vêm sendo adotados hoje
pelas seguradoras, que levam em conta o sexo e a idade dos proponentes por
exemplo, são inconstitucionais, porque não têm respaldo na lei e porque o fator
de distinção não tem relação lógica com a cobrança maior ou menor no valor do
prêmio. O perfil até pode ser utilizado mas levando em consideração fatores
objetivos, como o preço do veículo e local de circulação, e outros previstos em
lei.
De qualquer
forma, as seguradoras não podem, pura e simplesmente, deixar de pagar as
indenizações, alegando declarações falsas ou inexatas nos perfis. A culpa e as
declarações inexatas por parte dos consumidores dependem de provas que devem
ser feitas pelas seguradoras em sede de processos judiciais. Primeiro a
indenização deve ser paga e depois a questão deve ser discutida na Justiça. Não
é como acontece hoje que a seguradora deixa de pagar, para jogar o ônus da
demanda judicial para o segurado.
Por Arthur Rollo