Ambição é uma coisa boa. Ela nos
desperta desejos, promove o comprometimento, estimula a perseverança. Torna-nos
mais fortes e nos faz buscar a superação. Pela ambição conquistamos mais posses
e mais poder. Sentimo-nos mais ricos, mais bonitos e até mais livres. O que a
estraga é a ganância.
Como tudo na vida que desgarra da ponderação do
equilíbrio, a ambição desmedida evolui para a ganância. Nesse estágio, o desejo
vira cupidez; o comprometimento, obsessão; a perseverança, teimosia. As posses
denotam opulência; o poder, prepotência. A liberdade se esvai e renasce como
fênix, enjaulada.
O problema é uma questão de proporção. Na
escalada para o progresso, não sabemos - ou não aceitamos - a hora de
parar.
Tome como exemplo o mundo corporativo. Uma
empresa lança um produto ou serviço que é bem aceito pelo mercado. Realiza um
lucro considerável e resolve reinvesti-lo. E, ao prosseguir nesse processo,
eleva ainda mais seu volume de vendas e faturamento. Mas também seus custos. A
cada nova rodada, mais matéria-prima e mais mão de obra são necessárias. Os
investimentos em marketing e infraestrutura, entre outros, são igualmente
crescentes.
O que muitas vezes não se observa é que há um
determinado momento em que o processo deve ser interrompido sob pena de se
ingressar no que a teoria econômica chama de "deseconomia de escala". A
matemática tem uma imagem singular para ilustrar isso: o ponto de inflexão. Num
gráfico cartesiano, é o momento em que a curva muda sua concavidade, ou seja,
se a linha era crescente, passa a ser decrescente.
Em suma, isso significa que mais faturamento não
representará indefinidamente mais lucro. Ou seja, trabalha-se mais para
ganhar-se menos! E tudo porque a ambição, antes saudável e responsável pela
prosperidade do negócio, visita o reino da ganância e não aceita o momento de
parar quando o ótimo foi atingido.
Na vida pessoal não é diferente. Defendo a tese
de que relacionamentos amorosos, por exemplo, têm prazo de validade. E me
alinho aos votos sagrados de "até que a morte os separe" juramentados na
celebração dos casamentos. O ponto é: de qual morte estamos falando? As pessoas
imaginam tratar-se da morte física. Prefiro interpretar como a morte do
sentimento.
Todo início de relacionamento é mágico. É quando
se pratica o jogo da conquista e da sedução. Nossas ações são orquestradas e as
palavras escolhidas de forma meticulosa. Mostramos o que temos de melhor: nossa
vida é virtuosa, nossos valores são nobres e nossos feitos são admiráveis.
Vestimos as melhores roupas, usamos os mais agradáveis perfumes. A pele tem
viço; o olho, brilho; o sorriso, autenticidade.
Os ambientes por onde circulamos são
aconchegantes. A bebida parece sempre gelada, mesmo que seja um conhaque, e a
comida sempre saborosa, mesmo que não seja consumida.
Tudo isso acontece porque estamos envoltos numa
atmosfera de encantamento e sinergia, embevecidos pela eficiência do diálogo,
que corre fácil, posto que há muito por se falar, anos para se compartilhar.
Queremos em um par de horas nos desnudar, não apenas das roupas, mas de nossa
história pessoal, mostrando quem somos, de onde viemos e para onde queremos ir
- e o destino reserva lugar ao interlocutor, a figura amada, quase inanimada,
que nos sorri.
O processo é o mesmo para homens e mulheres.
Diferem as estratégias, as táticas, mas não os propósitos.
Transcorrida essa etapa consuma-se a conquista.
Bocas que se encontram, braços que se enlaçam, corpos que se aquecem. E então,
vive-se o romance que nutre e cega. O horizonte se retrai.
A estabilidade leva a relação a mares calmos e a
ausência de ondas revela o que antes não se podia enxergar. Descobrimos - e
revelamos - que virtudes carregam consigo defeitos, que amabilidade é temperada
com eventual intolerância e que gentilezas são bonificadas com fleuma.
É nesse momento que se estabelecem os limites
entre paixão e amor. É quando a união amadurece. É quando percebemos que o
beijo ardente e o sexo prazeroso são imprescindíveis, mas não únicos. O diálogo
ganha novos temas, mas não se perde. E notamos, como bem pontuou Gabriel García
Márquez, que amamos quem está conosco não por quem a pessoa é, mas por quem nos
tornamos na presença dela.
Agora, trata-se de manutenção. De conquistar um
pouco mais a cada dia. Ou tudo novamente.
Mas a natureza nos reservou um mundo dual. Dia e
noite, quente e frio, yin e yang. E, não raro, os relacionamentos não apenas se
desgastam, mas se esgotam. Não há mais calor no beijo, os olhares se desviam,
os diálogos são fúteis. Primeiro, a discórdia. Depois, o conflito. Por fim, o
confronto. Transformamos nossas cabeças num cemitério de lembranças e passamos
a cultivar toda ordem de sentimentos negativos. O pacote vem completo, com
mágoas, ressentimentos, infidelidade, desamor e tristeza. Esperamos
resolutamente que um extremo seja alcançado para tomar a decisão da separação
que poderia ter florescido quando ainda havia respeito e admiração
mútuos.
Não sabemos terminar.
Por Tom Coelho