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Obrigatoriedade de autorização prévia para publicação de biografias: admissibilidade


Publicada em 27/07/2018 às 09:00h 

Vem causando bastante polêmica a tramitação de projeto de lei visando a alteração do art. 20 do Código Civil, a fim de permitir a publicação de biografias não autorizadas de pessoas públicas. De acordo com a redação atual da lei, biografias podem ser proibidas pelos interessados, por exemplo, quando se destinarem a "fins comerciais". A modificação proposta dispensa a autorização quando forem retratadas pessoas "cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.".

 

Sem sombra de dúvida, mesmo se aprovada a modificação legislativa em trâmite, a atividade dos autores e das editoras estará exposta a um risco muito maior se não houver autorização do biografado. Isso porque o objetivo comercial das publicações depende diretamente da divulgação de questões íntimas das pessoas públicas retratadas que elas, muitas vezes, não têm interesse em divulgar. Consequentemente, qualquer interessado que for atingido na esfera da sua intimidade, pela divulgação de fato falso ou verdadeiro, terá o direito de pedir judicialmente a apreensão dos escritos, bem como as perdas e danos correspondentes. Vale dizer, quem não pedir autorização do biografado estará sujeito ao risco de demandas judiciais e a toda a sorte de incertezas que elas acarretam, inclusive relacionadas à demora no desfecho dos processos.

 

A Constituição Federal assegura no seu art. 220 a liberdade de manifestação de pensamento. Entretanto, nosso sistema constitucional de pesos e contrapesos não dá lugar a liberdades absolutas. Ao mesmo tempo em que assegura a liberdade de manifestação de pensamento, a Constituição Federal: veda o anonimato; assegura o direito de resposta e a indenização por danos patrimoniais e morais; protege a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, etc.. Quem dá os limites ao exercício da liberdade de manifestação de pensamento, no primeiro plano, é a Constituição Federal, com as particularidades das leis infraconstitucionais.

 

O objetivo dessa alteração legislativa é dar maior segurança àqueles que publicarem biografias de pessoas públicas, com fins comerciais, sem autorização prévia dos interessados. Esse propósito, a nosso ver, não será atingido, porque os abusos e os excessos, que certamente ocorrerão, continuarão sendo alvo da reprimenda constitucional e dependendo das decisões dos juízes e dos Tribunais, a quem compete avaliar, caso a caso, o descumprimento da Constituição Federal e da lei.

 

É certo que pessoas públicas têm proteção jurídica débil, mercê da grande exposição que assumiram perante a população em geral, em virtude da sua profissão, da carreira política, da assunção de cargos e funções na administração pública ou mesmo do convívio social. Essa proteção jurídica mais tênue, contudo, não concede a quem quer que seja o direito de devassar a esfera da intimidade alheia, protegida no plano constitucional.

 

A liberdade de expressão e a dispensa de autorização, tratada na modificação legislativa proposta, asseguram o direito pleno de divulgar informações banais, corriqueiras e já de domínio público a respeito das pessoas notórias. O trivial, o banal e aquilo que já se conhece, contudo, não atendem aos objetivos puramente comerciais dos autores e das editoras.

 

O interesse público estaria a justificar apenas a divulgação de fatos relevantes da esfera pública das pessoas notórias, como o modo de se vestir, de se alimentar, de se portar socialmente, de atuar na profissão, na carreira política, o modo de exercer de tratar os subordinados, etc.. Quem professa publicamente a simplicidade, por exemplo, não pode gastar fortunas na vida privada de forma oculta. Aquele que posiciona na mídia como defensor das mulheres não pode bater na própria mulher, sem a divulgação correspondente. Quem tem imagem pública ligada à saúde não pode fazer uso de substâncias ilícitas e exigir que isso não venha a público. A divulgação do fato independentemente de autorização só se justificará quando for relacionada à postura da pessoa pública na sociedade. O uso de maconha por nadador olímpico e recordista mundial é fato de interesse público, que dispensa autorização para a sua divulgação.

 

A divulgação de fatos históricos igualmente está assegurada pela lei, com seus protagonistas e participantes.

 

Assim como a liberdade de expressão tem limites, a dispensa da autorização para a publicação de biografias não trará aos autores e às editoras a proteção que eles almejam. Isso porque as informações de cunho íntimo, reservadas pelas pessoas para si mesmas ou apenas para os convivas de seu círculo mais íntimo, continuarão protegidas pela Constituição Federal. Pensar o contrário implicaria em prestigiar o vazamento clandestino de informações, muitas vezes decorrente da quebra de confiança e de remuneração por parte daquele que obteve a informação íntima.

 

Caberá sempre ao Judiciário reprimir os abusos e os excessos, após as publicações posto que vedada a censura prévia.

 

A alteração legislativa não prestigiará o direito de fuxicar a vida alheia, tendo em vista que sua interpretação deve ser sistêmica, tendo sempre presente o norte constitucional. A autorização será dispensada apenas em relação à faceta pública da pessoa notória, que continuará tendo direito à preservação de sua intimidade. Informações íntimas dependerão da autorização do biografado, ainda que tácita decorrente, por exemplo, da sua divulgação pública anterior pelo interessado. Recomenda-se àqueles que não querem correr o risco de apreensões e de longas demandas judiciais que continuem pedindo prévia autorização, ainda que dispensável.

Por  Arthur Rollo






Sobre o(a) colunista:



Arthur Rollo é advogado, mestre e doutorado em Direitos Difusos pela PUC/SP.



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