"Só há duas opções nesta vida: se resignar ou
se indignar."
(Darcy Ribeiro)
Junho
de 2006, Alemanha. A Copa do Mundo transcorria e a mídia em nosso país só
tratava disso. Jornais impressos com cadernos exclusivos, noticiários no rádio
e na TV com blocos inteiros dedicados ao assunto. Comentaristas esportivos e
ex-atletas, atores e atrizes, músicos e colunáveis, todos denotando licença
poética para opinar sobre resultados, lances e escalações, fazendo prognósticos
como se fossem cientistas, criticando como se pudessem nortear decisões.
As cidades desfilavam um colorido em verde e amarelo,
com bandeiras tremulando nas sacadas dos edifícios, nas janelas dos veículos,
nas mãos dos pedestres. Durante os jogos, ruas desertas, comércio fechado,
indústria em recesso.
Enquanto isso, o Parlamento deixava de votar
importantes projetos, empresas adiavam investimentos, escândalos políticos eram
engavetados pela memória. A pátria de chuteiras repetia seu ritual de cada
quatro anos, por pacotes de alegria de 90 minutos. Em torno da bola, uma
capacidade ímpar de união e civismo.
Por que estou remetendo a memória a este
período? Porque em 23 de junho daquele ano publiquei um artigo intitulado "Pão,
circo e o patriotismo da bola", onde relatava o cenário acima e acrescentava:
"Quisera eu ver igual demonstração de organização por outras causas. Pela
educação, pela saúde, pelo controle dos gastos públicos, pela diminuição da
carga tributária, pela segurança, pela redução das desigualdades sociais, pela
ética na política. Com telas e telões como coliseus, e jogadores como
gladiadores, temos nosso devotado circo. Com o bolsa-família, o aumento do
salário mínimo e a correção da tabela do imposto de renda, temos nosso pão.
Descalços, desdentados, descamisados, mas brevemente felizes".
O texto poderia ser o mesmo não fossem os
eventos das últimas semanas. A pressão popular, o clamor das ruas, começa a
surtir efeito. Um deputado federal tem sua prisão decretada pelo STF. O Senado
aprova projeto de lei tornando a corrupção crime hediondo e a Câmara dos
Deputados derruba a PEC 37. Reajustes de tarifas são revogados ou adiados.
Licitações são canceladas e CPIs instaladas. O debate em torno da reforma
política entra em pauta.
A frase que prefacia o texto, de autoria do
antropólogo Darcy Ribeiro, foi utilizada há sete anos face à resignação. Hoje,
representa bem a indignação.
Vivemos um momento singular em nossa história. E é essencial que a reflexão e o debate
não arrefeçam, mas sim avancem no sentido de empreendermos as mudanças que se
fazem necessárias.
A paixão e a alegria do futebol podem e devem persistir,
respaldadas por um senso de cidadania há tempos não observado como o entoar do
hino nacional no prenúncio de cada partida. Mas que fique claro que não há mais
espaço para a política do pão e circo.
Por Tom Coelho.