'(...) que os criminosos
fiquem em terra de meus senhorios e vivam e morram nela, especialmente na
capitania do Brasil que ora fiz mercê a Vasco Fernandes Coutinho (...) e
indo-se para morar e povoar a capitania do dito donatário, não possam lá ser
presos, acusados, nem demandados por nenhuma via...
(D.
João III, 1534)
Somos fruto de um legado errático
proporcionado por aqueles que aportaram nestas terras há pouco mais de cinco
séculos. Fomos colonizados pelo que havia de pior, os chamados degredados.
Assaltantes, ladrões, homicidas, vadios, heréticos, enfim, párias da sociedade
portuguesa que receberam não como prêmio, mas como castigo, o indulto para
habitar o Novo Mundo.
Indivíduos desta estirpe, miscigenados com o
tempero do clima tropical, acabaram por fomentar uma raça de pessoas com
valores e princípios desprovidos de moral e ética. Uma herança fenotípica que
penetrou no DNA, tornando-se herança genética. Não se trata mais de questionar
o que é bom ou ruim, onde reside o bem o e mal, mas apenas constatar o que
é.
A barganha nos governa desde a mais tenra idade.
O comportamento exemplar é laureado com sorvete e brinquedos. Boas notas valem
uma viagem. O ingresso na faculdade é recompensado com um carro. Dedurar atos
corporativos inadequados converte-se em promoção. Confessar os pecados e rezar
uma dúzia de orações garante a salvação da alma.
Meias-verdades são mentiras inteiras.
Tautologicamente, mentiras inteiras ditas persistentemente tornam-se verdades.
E verdades absolutas. Assim desenvolveu-se Hitler, orientado por Joseph
Goebbels.
Correios, IRB, Furnas, são versões atualizadas
da Coroa-Brastel, do escândalo das jóias, da Operação Uruguai. São apenas
notícias na pauta do dia. Estamos diante de um supermercado dotado de gôndolas
com as mais diversas opções: prevaricação, nepotismo, peculato, jogatina,
favorecimento, desvio, desfalque, subserviência. Escolha a que mais lhe
agradar.
Os atos sórdidos invadem o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário. São observados nas esferas federal, estadual e
municipal. Nas pequenas, médias e grandes empresas. Podem ser encontrados na
Educação, na Saúde, na Habitação, nos Transportes, na Cultura, nos Esportes.
Escolha onde deseja procurar.
As concorrências públicas são direcionadas,
jogos de cartas marcadas. Os recursos não viram salas de aula para educar,
leitos em hospitais para assistir, medicamentos para curar, casas para morar,
água para culturas irrigar.
Terras escriturais, pedras preciosas
certificadas, títulos da dívida agrária, são todos vendidos com valor de face
superfaturado para liquidação de débitos junto ao Fisco. Liminares, mandados de
segurança, despachos, recursos, agravos alimentam a indústria da protelação - e
da empulhação. Enquanto isso, o furto de uma fruta numa barraca de feira leva
ao cárcere o réu, ainda que primário.
Qual a diferença entre o deputado que recebe o
"mensalão" e o síndico que embolsa uma comissão sobre o valor de um serviço
contratado? Qual a distinção entre o empresário dono de cervejaria que se
utiliza de expedientes diversos para reduzir a carga tributária e os
profissionais liberais, notadamente médicos, dentistas e advogados, que
concedem desconto nos serviços prestados quando dispensados da emissão de um
recibo ou nota fiscal? A medida é apenas sua magnitude.
A corrupção está presente no ambulante que, em
barracas montadas nas vias de grande circulação ou nos semáforos, comercializa
produtos adquiridos sem nota fiscal, com procedência discutível, vendendo-os
igualmente sem documento fiscal, desprovidos de qualquer garantia. Está
presente também na atitude de quem adquire tais produtos. Está estampada nas
embalagens cujo peso aferido não corresponde ao declarado. Está
institucionalizada nas repartições públicas nas quais se paga uma guia de
arrecadação para dar maior celeridade a um processo burocrático qualquer.
A Lei é falha porque é complexa, porque são
muitas, porque não são aplicadas - embora aplicáveis. Os impostos não são pagos
em sua integralidade porque são muitos, porque são elevados, porque não
conferem contrapartida social - embora a arrecadação cresça continuadamente.
Somos todos pequenos ou grandes foras-da-lei, porque nos justificamos pela
rebeldia, pela indulgência, pela sobrevivência, pela impunidade, exceto pela
genética.
Construa-se um muro delimitando nossas divisas
territoriais. E deixe que os antropólogos estudem o que acontece neste país.
Por Tom Coelho