Muito se
fala na indústria do dano moral e que consumidores ingressam no Judiciário
buscando enriquecimento sem causa, às custas das nossas empresas. Existe
também, há muito tempo, o temor de que as compensações fixadas no Brasil
cheguem ao exagero de algumas decisões praticadas nos EUA, que fixam valores
estratosféricos e levam à ruína econômica os fornecedores.
Esses
receios vêm levando algumas sentenças, proferidas por juízes brasileiros, ao
extremo oposto, ou seja, a considerar situações típicas de danos morais como
meros aborrecimentos impuníveis e a fixar compensações módicas, que não
confortam os ofendidos e tampouco desestimulam comportamentos semelhantes por
parte dos ofensores.
Ainda temos,
sem dúvida, uma legislação de consumo de vanguarda, porque o Código de Defesa
do Consumidor continua eficaz e vem sendo complementado e atualizado, enquanto
a reforma definitiva não acontece no Congresso, por Decretos e regulamentos,
expedidos nos termos do art. 7º, "caput" do Código.
De nada
adianta ter lei se não existe fiscalização, diuturna e adequada, por parte dos
órgãos de defesa do consumidor. De nada adianta ter lei se o Judiciário não a
cumpre a risca, e entende seus descumprimentos reiterados como algo que faz
parte da vida do consumidor e que ele deve suportar.
A opção do
consumidor por demandar em juízo é uma escolha corajosa, porque demora, dá
trabalho, implica em custos e, mesmo assim, ainda estará presente o risco de
perder a demanda, com as consequências inerentes a essa sucumbência.
Não existe
demanda ganha. Existem demandas respaldadas em jurisprudência pacífica e, por
isso mesmo, com grandes chances de êxito. No entanto, sempre existe um juiz,
respaldado na sua prerrogativa do livre convencimento motivado, apto a
demonstrar que a jurisprudência, mesmo pacífica, não está a obriga-lo a
proferir sua decisão naquele mesmo sentido.
Quando
demanda nos Juizados Especiais Cíveis o consumidor fica desprotegido se não
contrata advogado e, se o contrata, acaba dividindo com ele parte da sua
compensação, porque a maioria das decisões judiciais insiste em afirmar que os
honorários advocatícios contratados não compõem o dano material do autor da
ação, mesmo contrariamente ao que dispõe o art. 395 do Código Civil.
Também não
se compreende, quando a própria lei 9.099/95 afirma ser a audiência una, o
desdobramento em duas audiências, sendo a primeira de conciliação. Na prática,
os prepostos das empresas demandadas chegam nessa primeira audiência sem
qualquer autonomia para acordo e sua realização só serve para extinguir o
processo, sem o julgamento do mérito, quando o consumidor deixa de comparecer.
O tempo do
processo oprime o consumidor, que reclama em juízo das falhas no fornecimento
de produtos e serviços, e acaba fazendo com que as empresas contabilizem o
risco do processo no risco da sua própria atividade. Quanto maior o tempo de
duração do processo, maior será o prejuízo do consumidor e menor será o impacto
da compensação a ser paga pelo fornecedor. Sem falar que, em virtude dos outros
fatores mencionados aliados ao tempo, o consumidor acaba ficando mais
suscetível a acordos ruins.
As despesas
do processo também existem, ainda que na forma de custas recursais ou de
honorários advocatícios, a título de "pro labore". Para receber aquilo que lhe
é devido, acaba o consumidor tendo que desembolsar ainda mais. Sem falar nos
efeitos da sucumbência que, como visto, existem sempre.
Essa "via
crucis" o consumidor percorre para chegar ao final do processo e receber, a
título de compensação, valores módicos ou, pior, ver seu pedido julgado
improcedente, não raro contrariamente ao entendimento do STJ, no sentido de que
determinadas matérias, como atraso aéreo e negativação indevida, por exemplo,
configuram meros aborrecimentos que devem ser suportados pelo consumidor.
Entendemos
que o comportamento de parcela significativa do Judiciário, a pretexto de
evitar o enriquecimento sem causa, vem gerando uma verdadeira indústria do
desrespeito ao consumidor, considerando como fatos corriqueiros, do dia a dia,
descumprimentos contratuais graves, que geram prejuízos não só materiais como
também morais. É certo que a falta de fiscalização é determinante dessa
situação, mas se o Judiciário fizesse a sua parte, o consumidor não estaria
sofrendo tanto nos dias atuais.
No que
concerne aos planos e seguros de saúde, continuam havendo descumprimentos
reiterados dos contratos em questões já pacificadas na jurisprudência, como
coberturas de stent e de próteses diretamente ligadas aos atos cirúrgicos. Em
situações que tais, determinar judicialmente o simples cumprimento da obrigação
contratual não basta, tendo em vista que o fornecedor já deveria fazê-lo por
força do contrato que assinou. Aquele consumidor, que além de vulnerável em
função do próprio mercado está mais fragilizado pela sua condição de saúde,
acaba tendo que buscar o Judiciário para fazer com que o fornecedor faça a sua
parte.
Temos visto
também cancelamentos unilaterais de contratos, de forma indiscriminada, de
idosos e pessoas enfermas que, por não receberem o boleto de cobrança, esquecem
de pagar uma ou duas mensalidades, depois de terem pago pontualmente por anos e
anos. Se, de um lado, o consumidor tem o dever de pagar pontualmente o que
deve, também tem o direito de receber as cobranças mensalmente e com certa
antecedência. Cabe ao fornecedor facultar o pagamento por parte do consumidor
inadimplente, informando-o do débito pendente. Sem dar essa oportunidade de
pagamento estão sendo cancelados contratos, obrigando o consumidor a recorrer
ao Judiciário para restabelecê-los. Quando o fornecedor deixa de adotar o
comportamento obrigatório segundo a lei, que é a repetição comprovada da
cobrança ao consumidor para facultar a quitação da prestação em atraso, age com
má-fé objetiva, que igualmente merece punição que vai além da determinação do
estrito cumprimento do contrato, pois os transtornos causados vão muito além
disso.
No geral,
prazos de entrega, em todos os ramos de atividade, não são mais cumpridos. Os
produtos comprados pela internet demoram mais de mês da data de entrega
prometida para chegar. Móveis planejados não são montados e entregues no prazo.
Construtoras atrasam, injustificada e demoradamente, a entrega dos imóveis adquiridos.
Enfim, o descumprimento da lei é recorrente e resultante, em grande parte, da
postura complacente de alguns juízes com esse tipo de comportamento.
Não se deve
enriquecer o consumidor, é verdade. No entanto, a compensação dos danos morais
deve atender também ao objetivo de desestimular a repetição das práticas
abusivas dos fornecedores, que campeiam cada dia a mais no mercado de consumo.
Por Arthur Rollo