Uma
rede de lojas de departamento foi condenada pela Justiça do Trabalho do Rio
Grande do Sul por impedir que uma vendedora registrasse, no ponto
eletrônico, horas extras efetivamente realizadas. A empregada
chegou a ser advertida, suspensa e despedida por justa causa por ter
marcado horas extras além das duas diárias legalmente permitidas.
Em processo que já
tramitou em primeira e segunda instância, a autora teve a
despedida revertida para sem justa causa, recebeu o pagamento de horas extras não registradas e uma indenização
por danos morais no valor de R$ 3 mil.
No primeiro grau, em
audiência conduzida pelo juiz Luis Henrique Bisso Tatsch, da 1ª Vara do
Trabalho de Cachoeirinha, a testemunha convidada pela autora, que trabalhou na
mesma loja, confirmou que a empresa não permitia o registro de mais de duas
horas diárias no ponto.
Relatou
que, frequentemente, quando se completavam as duas horas, ela assinalava o
horário no cartão e permanecia trabalhando.
Afirmou que
ultrapassava o limite de duas horas extras por
dia em todos os sábados, nas sextas-feiras do início do mês e nos meses de
verão, devido ao maior movimento e do menor número de empregados trabalhando.
Nessas ocasiões,
trabalhava mais uma ou duas horas além do limite de duas horas extras cujo registro era permitido. A testemunha
apontou, ainda, que a autora estendia a jornada por mais de duas horas em torno
de três dias por semana.
Disse, também, que
logo que ingressou na empresa o gerente regional alertou que se os empregados
continuassem registrando intervalos inferiores a
uma hora ou jornada extra em excesso ao limite de duas horas diárias poderiam
ser despedidos por justa causa, o que acabou acontecendo com a reclamante e um
outro colega.
A testemunha levada
pela empresa alegou que não era possível registrar mais do que duas horas extras porque o ponto tranca no sistema assim
que elas se completam.
Afirmou não ser
possível trabalhar mais do que duas horas extras diárias
porque o login expira e o empregado precisa estar logado no sistema para fazer
as suas atividades.
Mas, contou que se o
login expirasse no meio de um atendimento, era possível continuar trabalhando,
utilizando o login da gerente. Também acrescentou que participou de reuniões em
que o gerente regional explicou não ser permitido o registro de mais de
duas horas extras diárias, e que quem não respeitasse a
regra poderia ser punido.
Com base nos
depoimentos e em outras informações do processo, o juiz Luis Henrique entendeu
improcedente a afirmação de que não se poderia realizar mais de duas horas extras porque o ponto trancava. Para o
magistrado, tanto era possível o registro de mais de duas horas extras que a autora foi advertida algumas vezes
pela empresa justamente por ter marcações superiores a duas horas diárias em
seus registros de horários.
Segundo o juiz, o
depoimento da testemunha da empresa evidenciou que havia realmente orientação e
pressão para que os empregados não excedessem o limite máximo de duas horas extras por dia, o que também foi confirmado pela
prova documental referente às penalidades aplicada à autora durante o contrato.
Ao analisar o caso, o
titular da 1ª VT de Cachoeirinha decidiu reverter a despedida aplicada à
vendedora para sem justa causa, ou seja, por iniciativa do empregador.
Primeiro, porque houve
um erro procedimental na aplicação da penalidade máxima, pois a razão apontada
para a justa causa foi por faltas cometidas antes dos dias em que a autora
cumpriu uma suspensão.
"Ora, a aplicação da
suspensão em data posterior ao cometimento das supostas irregularidades implica
que a demandante já teria sido penalizada, de modo que a aplicação de nova
penalidade por fato pretérito caracterizaria bis in idem, ou ainda, que teria
havido o perdão tácito das supostas 'irregularidades' cometidas antes do
cumprimento da suspensão, o que é suficiente para anular a despedida por
justa causa aplicada de forma equivocada pela empresa", justificou Luis
Henrique.
Além disso, sublinhou
o magistrado, a empresa não comprovou nos autos que a autora não necessitava
fazer mais do que duas horas extras diárias,
ou que fazia desnecessariamente intervalo para
descanso e alimentação diferente do estabelecido, ou seja, não comprovou que
efetivamente ela tenha cometido alguma irregularidade na marcação do cartão-ponto.
"Ao ser alegada justa
causa para a despedida, como no caso dos autos, a empregadora deve comprovar
que efetuou todas as medidas necessárias para afastar qualquer hipótese de
equívoco no enquadramento do empregado, sob pena de ser considerada nula a
dispensa assim ocorrida", concluiu o julgador.
A reversão da
despedida para sem justa causa concede à autora o direito ao pagamento de
aviso-prévio, 13° salário proporcional e férias proporcionais,
acrescidas de 1/3 com seus devidos reflexos.
Para o pagamento
das horas extras, o juiz Luís Henrique considerou, com base nos
depoimentos e na prova documental, a jornada registrada nos controles de
horário acrescida de 45 minutos em três dias da semana.
Também estabeleceu que
a autora fazia intervalo intrajornada de 30
minutos diariamente nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro e em três vezes
por semana no restante do ano. A empresa terá que pagar as horas extras não adimplidas com adicional de 50%.
Em razão da
habitualidade na prestação dos serviços extraordinários, foram deferidos,
ainda, reflexos das horas extras nos repousos legais,
aviso-prévio, férias acrescidas de 1/3 e nos
13ºs salários.
A rede de lojas também
foi condenada a indenizar a autora em R$ 3 mil por danos
morais. "Entende-se que a reclamada excedeu o seu poder disciplinar,
cometendo ato ilícito capaz de gerar constrangimento e sofrimento à autora pois
ela foi dispensada por justa causa enquanto não teria cometido nenhum ilícito
contratual", justificou o juiz Luís Henrique.
A empresa recorreu ao
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, mas a 9ª Turma Julgadora manteve os
entendimentos da sentença, pelos seus próprios fundamentos. "Da análise
conjunta da prova é possível aferir que na verdade o empregador não estava
tentando coibir o trabalho extraordinário em período superior ao permitido por
lei, mas apenas o registro da jornada efetivamente realizada", apontou o
relator do acórdão, desembargador João Batista de Matos Danda.
Conforme o magistrado,
ainda que a lei não permita a prestação de mais de duas horas extras diárias, o empregador não pode proibir o
registro da jornada efetivamente realizada, principalmente se não for
comprovada, como no caso, a necessidade de trabalho extraordinário além do
limite legalmente previsto.
O acórdão da 9ª Turma
ainda traz uma observação da desembargadora Lucia Ehrenbrink. A magistrada
acrescentou que a prática da reclamada de punir trabalhador que necessita
prorrogar a sua jornada deve ser objeto de apuração pelo Ministério Público do
Trabalho. Também participou do julgamento a desembargadora Maria da Graça
Ribeiro Centeno.
A rede de lojas já
recorreu da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Fonte: TRT/RS - 07.02.2019 - Adaptado pelo Guia Trabalhista e pela M&M Assessoria Contábil