O
ministro Marco Aurélio Bellizze deferiu, em 19.2.2019, "pedido de tutela
provisória nº 1.920-MT" e concedeu tutela de urgência para que a recuperação
judicial de produtor rural submeta não só os débitos contraídos após o registro
do produtor rural na Junta Comercial, na forma do art. 971 do Código
Civil, como também para submeter todo e qualquer débito
independente da data de sua constituição. Esta decisão está a indicar o
caminho da perfeita solução de uma pungente questão que vem atormentando o
agronegócio. Claro, a decisão é liminar, mas indicativa de que os
argumentos do produtor rural impressionaram o Ministro, segundo o qual "... verifica-se,
na hipótese dos autos, que a pretensão recursal mostra-se razoavelmente
controvertida e suficientemente plausível, a fim de revelar presente a fumaça
do bom direito".
É curioso que a recuperação no agronegócio vem sofrendo resistências, que aos
poucos, felizmente, vão sendo afastadas. O primeiro óbice consistia no
entendimento segundo o qual o produtor rural não empresário (e que se torna
empresário por simples manifestação de vontade na forma do art. 971 do CC), só
poderia pedir recuperação se estivesse inscrito na Junta Comercial há
mais de 2 anos, exigência do art. 48, I, da Lei 11.101/2005, a LREF. Este óbice
já foi afastado, pois o que a lei exige no referido art. 48 é o exercício de
dois anos de regular atividade e não, dois anos de inscrição na Junta Comercial.
Este
óbice surgiu porque houve uma certa confusão com a lei anterior, o
Decreto-Lei 7.661/1945, que exigia, em seu art.158, a prova de "exercer
regularmente o comércio há mais de dois anos", enquanto a lei atual exige
"exercer regularmente suas atividades". O produtor rural não inscrito na
Junta, por óbvio, exerce regularmente suas atividades e pode pedir recuperação
com inscrição inferior a 2 anos.
Neste
sentido: AI 2.037.064-59.2013.8.26.0000 - TJSP; AI - CV nº
1.0000.17.026108-5/001 - TJMG; AI 2.048.349-10.2017.8.26.0000 - TJSP; AI
2.251.128-51.2017.8.26.0000 - TJSP; ARESP 896.041 - STJ - (decisão monocrática
do Min. Marco Aurélio Bellizzze) - j. em 12.5.2016; REsp 1.478.001 - STJ - Rel.
Min. Raul Araújo; REsp 1.193.115-MT- Rel. Min. Sidnei Beneti - (Este julgado
não exige o exercício por dois anos após a inscrição, exige apenas que a
inscrição seja anterior ao ajuizamento do pedido de recuperação).
Adotado tal entendimento e admitida a recuperação judicial para
empresário rural registrado há menos de dois anos, outro óbice surgiu pois
entendeu-se que não estavam submetidos à recuperação os débitos
constituídos anteriormente à inscrição do produtor na Junta Comercial. O
fundamento de tal corrente era o fato de não poder admitir-se que o credor fosse
surpreendido com a nova condição do devedor, ou seja: o banco havia
emprestado a uma pessoa física (que não poderia pedir recuperação judicial) e
agora via-se envolvido em uma recuperação. No entanto, e sempre mantido o
respeito à corrente contrária, tal argumento não parece que possa se sustentar.
Ninguém pode alegar desconhecimento da lei e o Código Civil, de 2002, em seu
art. 971, criou uma situação absolutamente nova, ou seja, admitiu que o
produtor rural, por simples manifestação de vontade unilateral, passasse à
condição de empresário "...caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado,
para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro". Ora, o
empresário que está sujeito a registro na forma do art. 967 pode pedir
recuperação judicial e sujeitar à recuperação todos os seus credores, razão
pela qual o empresário constituído na forma do art. 971 também tem
este direito. Por outro lado, por conhecer o art. 971 do CC., qualquer
pessoa ou, qualquer instituição financeira sabe que aquele produtor rural pode
tornar-se, de um momento para outro e por manifestação unilateral de vontade,
um empresário equiparado "...para todos os efeitos..." a qualquer
outro empresário que se constituiu na forma do art. 967.
Portanto,
não se pode falar em surpresa.
Outro
argumento da corrente que adotou o óbice afirma que o registro na Junta
Comercial é constitutivo e não declaratório, argumento que parece de certa
forma, irrelevante. De qualquer maneira, o registro não é constitutivo, é
declaratório. Imagine-se se um dentista, trabalhando sozinho em seu
consultório, registra sua Eireli na Junta Comercial, por engano; claro que não
se transformará em empresário. Por outro lado, se um comerciante individual de
frutas inscreve-se no Registro Civil, nem por isso deixa de ser empresário,
será empresário irregular. Ou seja, a inscrição na Junta Comercial ou no
Registro Civil não constitui, apenas declara. A propósito, no REsp
1.193.115-MT, a Min. Nancy Andrighi, obter dictum afirma: "Ainda que
a lei exija do empresário, como regra, inscrição no Registro de Empresas,
convém ressaltar que sua qualidade jurídica não é conferida pelo registro, mas
sim pelo efetivo exercício da atividade profissional. Não por outro motivo,
entende-se que a natureza jurídica desse registro é declaratória, e não
constitutiva".
Um exame do sistema geral adotado no Código Civil, que afastou o ato de
comércio e adotou a teoria da empresa, também leva ao mesmo resultado, questão
porém cuja discussão tomaria um espaço que a exiguidade do espaço jornalístico
não permite.
Autor: Manoel Justino Bezerra Filho é
professor do Mackenzie e da Escola Paulista de Magistratura e consultor
jurídico na área empresarial
Fonte: Olhar Direto
Gostou da matéria e quer
continuar aumentando os seus conhecimentos com os nossos conteúdos?
Assine, gratuitamente, a
nossa Newsletter Semanal M&M Flash, clicando no link a seguir:
https://www.mmcontabilidade.com.br/FormBoletim.aspx, e
assim você acompanha as nossas atualizações em primeira mão!