"Crianças, ao contrário dos
adultos, sabem aproveitar o presente."(Jean de la Bruyère)
Tive o prazer de
desfrutar de uma experiência singular: a primeira apresentação de balé de minha
filha de quatro anos.
O evento, idealizado
e organizado com carinho e competência por Patricia Famá, reuniu mais de 50
alunos de sua escola distribuídos em quatorze performances temáticas. Mas um
detalhe em especial levou-me a uma reflexão que gostaria de compartilhar: a
diferença entre as apresentações infantis e juvenis.
As exibições das
crianças, com faixa etária de quatro a doze anos, mas notadamente daquelas com
até sete ou oito anos de idade, foram marcadas por características similares.
As pequenas bailarinas entravam no palco com um sorriso contagiante no rosto.
Reunidas em grupos de três a sete participantes, era comum observá-las se
entreolhando, perguntando umas às outras sobre o enredo esquecido, e buscando
guarida na professora, que escondida por detrás da cortina, estava sempre a
postos para caprichosamente orientá-las.
Durante o
espetáculo, era possível notar o desenvolvimento da técnica e o aprendizado
pelo qual cada aluna passou. Entretanto, em virtude da tenra idade, era natural
que não houvesse uma sincronia nos movimentos. Para os convidados, isso pouco
importava. Claro que ali estavam pais, mães, irmãos e avós prontos para
aplaudir a qualquer cena. Mas o fato primordial era a alegria daquelas crianças
por estarem ali maquiadas, vestidas com um figurino especial, entre amigas e
diante de seus familiares.
Já as exibições dos
adolescentes tinham outras nuances. A preocupação primordial era a técnica, a
obediência à coreografia, a perfeita sincronia. Era perceptível o preparo, o
treinamento, a entrega daqueles jovens. Analogamente, a plateia também assistia
com outros olhos, pois o que presenciava eram futuros profissionais da dança.
Todavia, aquele
sorriso espontâneo, eventualmente até permeado por um diálogo aberto entre duas
pequenas amigas em pleno palco, era substituído por feições mais contidas nos
adolescentes. Certamente havia alegria em seus corações, porém os semblantes
transmitiam, sobretudo, responsabilidade e até mesmo a dor física do esforço da
dança.
Entre as crianças,
um erro na coreografia era imediatamente acolhido pelas demais que procuravam
ajudar à colega. E o público se divertia, sentindo a leveza daquele tratamento,
como que aprendendo uma nova maneira de lidar com as vicissitudes, dando-lhes
importância na medida exata de sua adequação. Já entre os adolescentes, um
equívoco era recebido com olhar de censura ou pedido de atenção. E novamente o
público se identificava, possivelmente reconhecendo ali um padrão de
comportamento adotado nos palcos da vida.
Isso nos faz
refletir sobre como a vida adulta se torna chata na medida em que nossas pernas
crescem. Compromissos, deveres e responsabilidades depositam tamanha carga
sobre nossos ombros que substituímos
a espontaneidade pela artificialidade, a emoção pela razão, o prazer pela
obrigação.
Precisamos resgatar,
com brevidade, um pouco da inocência perdida, inspirando-nos na pureza das
crianças.
Por Tom Coelho