"O que quer que você seja capaz de
fazer, ou imagina ser capaz, comece. Ousadia contém gênio, poder e magia (Goethe)
A cada minuto de nossas vidas estamos sempre
assumindo dois papéis: o de professor e o de aluno. Dependendo do momento, do
tema, do interlocutor, colocamos um ou outro véu. E num diálogo realmente
edificante, chegamos mesmo a utilizar simultaneamente os dois.
Porém, lamentavelmente somos, via de regra, maus professores.
Maus porque pregamos a mediocridade, inibimos a audácia, coibimos o risco,
desestimulamos a galhardia. Ser medíocre é ser comum, mediano, modesto,
despretensioso. Ser medíocre é estar seguro, ainda que não se esteja bem.
Ser medíocre é fruto natural de
nossa cultura ibérica e de nossa tradição católica.
Empregados sem
Empregos
Nossas escolas de ensino fundamental privilegiam uma
alfabetização metódica, padronizada, enquadrando nossas crianças num plano
bidimensional. São ao menos oito anos de estudos sem estímulo à criatividade e
à ousadia. Depois, quem pode gasta uma soma considerável num terapeuta ou num
curso de especialização para instruir aquele garoto a traçar linhas curvas e
não apenas retas, a misturar cores quentes e frias, a experimentar outras
formas geométricas, a unir nove pontos alinhados três a três com apenas quatro
retas.
O ensino médio, por sua vez, produz exércitos dotados de
baionetas com as quais assinalarão "x" dentre cinco alternativas possíveis
para, aí sim, ingressando no chamado ensino superior, compor uma legião de
empregados para um mundo sem empregos. A própria estrutura de ensino incentiva
a subserviência, seja por intermédio do método expositivo de aulas, seja
através do respeito incólume às hierarquias, seja por meio dos trabalhos de
conclusão ou estágios supervisionados, sempre focalizados em grandes empresas e
com conteúdo discutível.
Nosso modelo de ensino não instiga o pensar. História é para
ser decorada, e não entendida. Matemática é para se aprender por tentativa e
erro, e não por tentativa e acerto. Português tem muitas regras, não se sabe
para quê, não é mano?
Abolimos as aulas de Educação Moral e Cívica porque eram uma
herança dos tempos da ditadura, ao invés de modernizarmos seu conteúdo. O
resultado é que hoje não se sabe mais cantar o Hino Nacional, o qual só é
ouvido em jogos de futebol ou quando somos agraciados com alguma façanha de
Guga ou outros esportistas. Foi-se embora o culto ao patriotismo e ao amor ao
verde-amarelo. Foi-se também a oportunidade de se ministrar um pouco de ética e
responsabilidade social.
Mediocridade
Ensinada
Nossa mediocridade ensinada acaba permeada em nossas vidas
sem que nos apercebamos disso. Nossas empresas tornam-se medíocres porque não
têm o gene do empreendedorismo, especialmente o empreendedorismo de
oportunidade, aquele que agrega valor, que produz riqueza, que gera empregos,
qualificados e de forma sustentada. Falta-nos a ousadia para adotar novas
práticas, da remuneração variável ao horário flexível, da gestão compartilhada
à participação nos resultados.
Nossa mediocridade ensinada congela nossos ímpetos
corporativos, impedem-nos de investir em nossas próprias ideias, de acreditar
em nossos mais castos ou ambiciosos sonhos. O risco, palavra derivada do
italiano antigo risicare e que significa nada menos do que "ousar", deixa de
ser uma opção, deixa de ser um destino.
Nossa mediocridade ensinada se mostra presente em nossas
vidas pessoais, exacerbando nossa timidez, trazendo consigo a hesitação por uma
palavra, por um beijo, por uma conquista mútua. Tempera relações sem usar sal
ou pimenta, adota a monotonia e culpa a rotina. Observe como nunca somos
medíocres no início de um namoro, da troca de olhares ao flerte, do perfume das
flores ao sabor dos bombons. Tudo isso até o primeiro beijo, o único realmente
verdadeiro, pois dele deriva muitos outros até os meramente, e finalmente,
protocolares, como a nota cinco necessária para se passar de ano.
Pílula Azul ou
Vermelha?
Vivemos numa nação na qual, mesmo após 500 anos, a terra
ainda devolve com fartura tudo o que nela se planta. Não somos vitimados por
catástrofes naturais. Somos dotados de grande simpatia e predisposição ao
trabalho. Então, por quê sermos medíocres?
O que nos impede de reproduzir em larga escala a criatividade
de nossa publicidade, a inteligência de nosso design, a beleza de nossa moda, a
eficiência de nossa agroindústria de soja, a ousadia de milhões de pessoas que
teimam em manter-se vivas com um punhado de reais ao longo de todo um mês?
Ou a vida é uma aventura ousada, ou não é nada. Do contrário,
não vivemos, apenas vegetamos. À luz de um ícone criado em "Matrix", podemos
tomar a pílula vermelha, esquecer tudo isso, e tratar o ensino com objetivo
exclusivo de satisfazer estatísticas, empenhados em reduzir índices de evasão e
elevar taxas de escolaridade. Mas podemos optar pela pílula azul, e incentivar
a escola democrática, substituir a forma desinteressante e desatrelada da
realidade de educar pelo estímulo à curiosidade, encorajar o aprendizado ao
invés do ensino porque ousadia é uma forma de ser e não de saber.
Por Tom Coelho