O interior do Rio Grande do Sul tem papel muito
importante para o desenvolvimento do varejo gaúcho.
Mais até do
que Porto Alegre em diversos quesitos. Embora a Capital seja o centro econômico
do Estado, é fora dela que as redes de varejo nascem e crescem para depois
buscar o mercado porto-alegrense. Isso quando buscam, porque a maior parte
prefere seguir com o cliente cativo do interior. Das 18 maiores redes do
comércio gaúcho, apenas quatro foram fundadas em Porto Alegre.
Aquela
antiga premissa de que é necessário estar na Capital para ser tratada como
"grande" - mesmo que ainda seja defendida por alguns especialistas do
setor - não tem mais tanto peso no plano de investimento das redes gaúchas. É o
caso, por exemplo, da Lojas Obino, tradicional rede de Bagé, que vende móveis,
eletrônicos e produtos de casa. Com 45 lojas em 35 cidades do Interior, e 70
anos de atuação, Porto Alegre não está mais nos planos da marca.
"Saímos
em 2004 porque o investimento tem que ser muito alto para manter uma rede na
Capital. Não dá para abrir só uma loja e esperar que o aporte em marketing dê
conta", lembra Pedro Ernesto Obino, presidente da rede bajeense. De acordo
com o presidente, o objetivo da Lojas Obino é identificar mais oportunidades no
interior do Estado e focar na linha moveleira.
Para Guido
Isaia, diretor financeiro da Eny Calçados, rede de Santa Maria fundada há 96
anos, o foco é investir nas atuais lojas da cidade e também na filial em Santa
Cruz do Sul. A rede trabalha com lojas segmentadas: infantil, esportivo,
masculino, feminino e uma loja boutique.
Isaia
acredita que a forte relação entre a marca e Santa Maria permite um crescimento
muito mais estável do que em outras regiões. Nos últimos três anos, a Eny
inaugurou mais duas lojas na cidade, que se somam a outras 10 filiais.
Quando se
analisa o mercado com uma lupa, percebe-se que priorizar outras regiões fora do
eixo Porto Alegre e Região Metropolitana é bem mais comum do que parece entre
os empresários do interior gaúcho.
Mesmo que os
10 maiores municípios concentrem 50,6% do PIB estadual de comércio e serviços,
as demais cidades do Estado respondem por 70% dos estabelecimentos varejistas.
Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da
Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
"Isso
evidencia a descentralização do varejo gaúcho, que não se concentra apenas nos
centros urbanos", analisa Vitor Koch, presidente da Federação das Câmaras
de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS).
Embora
acredite que qualquer marca mude de status quando instale um ponto em Porto
Alegre, Koch salienta que há muitas variantes ao operar na Capital, o que
demanda muita estratégia e investimento mais elevado.
"É
necessário abrir mais de uma loja na Capital, assim o custo de investimento é
diluído. Bancar marketing, comunicação e posicionamento para apenas uma filial
não vale a pena", acredita Koch. A mão de obra também pesa mais, e a
concorrência é bem maior. Por outro lado, a renda per capita é maior.
Supermercado é o principal segmento do
varejo gaúcho
Historicamente,
o Rio Grande do Sul é celeiro de grandes e numerosas redes de supermercado. Os
gaúchos ocupam a segunda posição no ranking dos estados com maior faturamento
do setor, perdendo apenas para São Paulo, segundo dados de 2019 da Associação
Brasileira de Supermercados (Abras). O que chama a atenção no Rio Grande do
Sul, porém, é a diversidade de redes supermercadistas.
Em Pelotas,
há ao menos três grandes redes gaúchas disputando mercado. Em Bagé também,
assim como em Uruguaiana, Passo Fundo e por aí vai. Todas nascidas no Interior,
sendo que todas entrevistadas afirmaram não planejar operações em Porto Alegre.
O objetivo é o mesmo: crescer organicamente em outras regiões do Estado.
Para a rede
Peruzzo, empresa bajeense com 19 lojas no Sul do Estado, o foco é priorizar os
locais de atuação. "Somos uma rede com um território bem definido: a
Região Sul. O mercado em Porto Alegre é muito diferente do nosso. Enquanto
competimos com, no máximo, quatro empresas, na Região Metropolitana, iríamos
disputar com 40", diz Lindonoro Peruzzo, diretor da marca.
Apostar no
Sul do Estado é a mesma estratégia do Supermercados Guanabara, que direciona
seus investimentos para Pelotas. A rede, com nove lojas na região, planeja
abrir mais três pontos na cidade doceira.
Já a Imec
Supermercados, tradicional rede fundada em Lajeado, começa a avançar na Região
Metropolitana. Com 23 lojas divididas no segmento atacadista e supermercadista,
as cidades de Taquara e Charqueadas passam a ser o novo celeiro de
investimentos da Imec, explica o diretor comercial da marca.
Há, também,
quem estruture o crescimento para fora do Rio Grande do Sul. É o caso do Grupo
Master, conglomerado de supermercados, shoppings e atacados de Erechim. Com
forte representação no Alto Uruguai desde a década de 1970, o grupo já está há
quase 20 anos em São Paulo.
"Neste
ano ainda temos previsão de inaugurar uma nova filial da bandeira Master em São
Paulo e também um novo centro de distribuição em Erechim", informa, em
nota. O grupo é detentor das marcas Master Supermercados, Econômico Atacadão,
Atacarejo Econômico Center, além do Master Sonda Shopping, complexo de 30 lojas
localizado em Erechim.
Para a
economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, o grande número de
supermercados se explica através da imigração europeia, em que esse modelo de
negócio foi privilegiado.
"Começou
com pequenos armazéns em que esses imigrantes ofertavam o básico e, assim, foi
crescendo. É diferente
do segmento vestuário, em que existem grandes redes faz pouco tempo. Há menos de
40 anos, muitas pessoas do interior gaúcho faziam as próprias roupas em
casa", explica.
De geração em geração
Tem empresa
que começou vendendo frango e, hoje, é supermercado; empresário da agricultura
e dono de restaurante que apostaram no varejo e cresceram a partir daí; loja de
roupa que passou a trabalhar na área de reflorestamento. Por mais mutáveis que
esses negócios criados no interior do Estado pareçam, eles carregam algo comum:
são empresas familiares, que passam de geração em geração.
Muitos deram
os primeiros passos logo após a imigração de italianos e alemães, entre as
décadas de 1920 e 1930. Quase 100 anos depois, as varejistas estão entre a
terceira e até a quarta sucessão familiar. No caso Eny Calçados, nonagenária de
Santa Maria, a empresa transita entre a segunda e a terceira geração. O atual
diretor financeiro, Guido Isaia, é filho do fundador e começou na contabilidade
da empresa há 40 anos.
Na Imec
Supermercados, rede que nasceu no berço do Vale do Taquari, a influência das
migrações alemã e italiana na região também repercutiu na administração do
negócio. Os fundadores trocaram as parreiras de uva pelo moinho de trigo e
foram se adaptando até ser o empreendimento de hoje.
"Nossa
rede tem o DNA do agricultor e empreendedor do Vale do Taquari, por isso a
ligação com a região é tão forte", contextualiza Eneo Karkuchinski,
diretor comercial e de Marketing da rede.
Há também
empresa que usou a distribuição de gás de cozinha para se aproximar de clientes
e municípios do Interior. A Lojas Obino trabalhou por mais de 20 anos nesse
segmento, explica Pedro Ernesto Obino, bisneto do fundador. "Em razão da
distribuição de gás, fomos avançando em cidades próximas a Bagé e se compreendeu
como a região era carente de produtos para a casa", recorda.
De geração
em geração, as redes de varejo vão se modernizando e mantendo seu legado na
cidade de origem. O Grupo Grazziotin, por exemplo, mesmo com 340 lojas no
segmento vestuário nos três estados do Sul do Brasil, mantém sua administração
em Passo Fundo, ainda nas mãos da família fundadora.
O grupo
informou, em nota, que, além do varejo vestuário, atua nos segmentos
agropecuário e de reflorestamento. Além disso, desde 2019, a rede tem capital
aberto, com ações ordinárias e preferenciais negociadas na bolsa de valores.
As empresas
familiares do interior gaúcho são maioria no segmento varejista. Seja através
da migração europeia ou do próprio oportunismo, elas crescem dentro e fora do
Estado, mas seguem referências em suas cidades de origem.
Atendimento personalizado conquista o
consumidor
Com todos os
"poréns" que surgem ao apostar em Porto Alegre, o varejo que
permanece no Interior se especializa no atendimento "olho no olho" e
no sentimento de pertencimento que os moradores têm com as redes locais.
A grande
sacada dessas marcas, explica Patrícia Palermo, economista-chefe da
Fecomércio-RS, é não tratar as coisas de forma massificada, mas sim entendendo
as realidades locais. "É muito comum que essas lojas não façam promoções
ao mesmo tempo, por exemplo. Existe todo um planejamento de como vai funcionar
o parcelamento em cada região", complementa.
Conforme a
economista, a relação entre vendedor e cliente é muito mais pessoal no Interior
do que em Porto Alegre, e as vendas são convertidas em cima deste vínculo de
confiança. Assim, o tempo de atendimento é bem maior para concluir a venda, ao
passo em que a taxa de fidelização do cliente também é alta. "Hoje,
fala-se muito em compra por experiência, mas o interior gaúcho começou com isso
lá atrás", diz.
A
personalização demanda um conhecimento apurado da dinâmica sociológica do
município, que vai certamente interferir no relacionamento entre lojista e
comunidade. Por exemplo, o Rio Grande do Sul tem várias cidades onde há herança
alemã e italiana. "Nesse caso, falar o idioma ou o dialeto local gera
vantagens na hora de vender", diz Victor Koch, presidente da Federação das
Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS).
A
pessoalidade influencia, inclusive, na forma de financiamento das compras. Há
maior incidência dos tradicionais carnês de prestações, normalmente financiados
pelos recursos da própria empresa, ao invés do uso de financeiras e cartões de
crédito. Os cartões de crédito próprios das redes varejistas também têm grande
adesão.
O presidente
da Lojas Obino, Pedro Ernesto Obino, afirma que o cartão próprio da empresa
segue relevante no bolo de vendas, ao lado do crediário e do pagamento à vista.
No caso da Eny Calçados, 40% das vendas são no cartão próprio.
Outra
modalidade, que acontece em cidades de produção agroindustrial, é o pagamento
em época de colheita de grãos. A maioria das cidades do Interior tem um fluxo
de renda sazonal, explica Koch, seja por concentração de safras ou produção
industrial. Nesses casos, a maior parte da renda gerada fica concentrada em
dois ou três meses. Esse período será um forte determinante do consumo ao longo
do ano.
Marketing no Interior também é
diferenciado
Para
conquistar clientes, vale tudo no marketing do varejo - até mesmo se fantasiar
de mascote. No Supermercado Guanabara, rede com lojas tanto em Rio Grande
quanto em Pelotas, o cachorro símbolo da empresa volta e meia circula fazendo a
alegria dos consumidores. "Nossa mascote faz mais sucesso com a criançada
do que o próprio Papai Noel", brinca Renato Silveira, diretor de RH do
Supermercados Guanabara.
Já no
Supermercado Nicolini, fundado há 40 anos em Bagé, o "Frango
Gostosão", mascote estampada no cartão próprio da empresa, é o que diverte
quem circula pelos corredores.
Ambas as
mascotes contextualizam as diferenças do marketing nos varejos do Interior e da
Capital.
Existem
ações com forte impacto em determinadas regiões, mas que não têm a mesma força
em Porto Alegre. Como no caso do cachorro do Super Guanabara, o marketing de
guerrilha, ação focada na publicidade criativa e pouco convencional, oferece
bons resultados no Interior. Seguindo a esteira da personalização do
atendimento, as estratégias focam mais no fortalecimento do vínculo entre marca
e consumidores do que propriamente nos descontos.
Contratar um
pipoqueiro para ficar na frente da loja; um locutor para anunciar promoções;
brinquedos infláveis e pula-pula para atrair as crianças; estacionar um
caminhão cheio de produtos na calçada em frente ao estabelecimento são ações
recorrentes no interior gaúcho. "Na Capital, muitas vezes, isso nem é
possível. Há muita burocracia. Temos ótimos resultados com esse tipo de
ação", diz o presidente da Lojas Obino.
Em relação à
divulgação, os anúncios em mídias tradicionais ainda são os principais
investimentos das redes que responderam ao Jornal do Comércio.
No Nicolini,
o maior aporte é em propaganda para canais locais de televisão. Já na rede de
supermercados Imec, de Lajeado, anúncios em rádio, jornais e folhetos se
destacam.
Sem parar no
tempo, a maioria das empresas entrevistadas também investe pesado em mídias
sociais. "O marketing tem que trazer novos clientes, por isso estamos nos
adaptando a esse novo cenário em que as mídias sociais são muito relevantes.
Investimos pesado na área", salienta Eneo Karkuchinski, diretor comercial
e de Marketing da Rede Imec.
"Mas é
importante lembrar que o interior do Rio Grande do Sul não é uma coisa
só", acrescenta Victor Koch, presidente da Federação das Câmaras de
Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS). Conforme Koch, as ações de
marketing dependem da dinâmica cultural de cada cidade, por isso é necessário
estar integrado à dinâmica local.
Onde o varejo é forte pelo Rio Grande
do Sul
Bagé:
Lojas Obino
- 46 filiais em 35 municípios
Supermercados
Nicolini - 9 lojas em 3 municípios
Santa Maria:
Eny Calçados
- 12 unidades em 2 municípios
Rede Vivo -
25 lojas operando em 17 cidades
Passo Fundo:
Grazziotin -
340 lojas na Região Sul do Brasil, sendo duas em Porto Alegre
Caxias do
Sul:
Andreazza
Supermercados - 21 unidades em sete municípios
Lajeado:
Imec
Supermercados - 23 lojas em 14 cidades
Rio Grande:
Supermercados
Guanabara - 10 unidades em 2 municípios
Erechim:
Grupo
Master - 12 unidades, sendo duas delas localizadas no interior de São
Paulo
Santa Cruz
do Sul:
Miller
Supermercados - 4 unidades na cidade
Cachoeira do
Sul:
Supermercados
Tischler 8 lojas na cidade
As peculiaridades do consumo e do varejo
do interior
· Atendimento personalizado é mais eficaz do que estratégias de massa
· Marketing de guerrilha e ações criativas nas lojas têm forte impacto com
o consumidor local
· Investimento maior em mídias tradicionais em detrimento de mídias
digitais
· Predominância de consumidores mais resistentes a endividamentos longos,
por conta da sazonalidade de renda, especialmente nos municípios de base
agrícola
· Preferência por formas de pagamento como carnês, cartões exclusivos das
lojas e dinheiro, ao invés de cartões de crédito de terceiros
Pedro
Carrizo é formado em Jornalismo pela Universidade Ritter dos Reis. Teve
passagem pelo Jornal do Comércio e hoje atua como repórter free-lancer.
Fonte: Jornal do Comércio do RS
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