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Varejo do interior cativa os clientes com atendimento


Publicada em 14/03/2020 às 14:00h 


O interior do Rio Grande do Sul tem papel muito importante para o desenvolvimento do varejo gaúcho.

Mais até do que Porto Alegre em diversos quesitos. Embora a Capital seja o centro econômico do Estado, é fora dela que as redes de varejo nascem e crescem para depois buscar o mercado porto-alegrense. Isso quando buscam, porque a maior parte prefere seguir com o cliente cativo do interior. Das 18 maiores redes do comércio gaúcho, apenas quatro foram fundadas em Porto Alegre.

Aquela antiga premissa de que é necessário estar na Capital para ser tratada como "grande" - mesmo que ainda seja defendida por alguns especialistas do setor - não tem mais tanto peso no plano de investimento das redes gaúchas. É o caso, por exemplo, da Lojas Obino, tradicional rede de Bagé, que vende móveis, eletrônicos e produtos de casa. Com 45 lojas em 35 cidades do Interior, e 70 anos de atuação, Porto Alegre não está mais nos planos da marca.

"Saímos em 2004 porque o investimento tem que ser muito alto para manter uma rede na Capital. Não dá para abrir só uma loja e esperar que o aporte em marketing dê conta", lembra Pedro Ernesto Obino, presidente da rede bajeense. De acordo com o presidente, o objetivo da Lojas Obino é identificar mais oportunidades no interior do Estado e focar na linha moveleira.

Para Guido Isaia, diretor financeiro da Eny Calçados, rede de Santa Maria fundada há 96 anos, o foco é investir nas atuais lojas da cidade e também na filial em Santa Cruz do Sul. A rede trabalha com lojas segmentadas: infantil, esportivo, masculino, feminino e uma loja boutique.

Isaia acredita que a forte relação entre a marca e Santa Maria permite um crescimento muito mais estável do que em outras regiões. Nos últimos três anos, a Eny inaugurou mais duas lojas na cidade, que se somam a outras 10 filiais.

Quando se analisa o mercado com uma lupa, percebe-se que priorizar outras regiões fora do eixo Porto Alegre e Região Metropolitana é bem mais comum do que parece entre os empresários do interior gaúcho.

Mesmo que os 10 maiores municípios concentrem 50,6% do PIB estadual de comércio e serviços, as demais cidades do Estado respondem por 70% dos estabelecimentos varejistas. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).

"Isso evidencia a descentralização do varejo gaúcho, que não se concentra apenas nos centros urbanos", analisa Vitor Koch, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS).

Embora acredite que qualquer marca mude de status quando instale um ponto em Porto Alegre, Koch salienta que há muitas variantes ao operar na Capital, o que demanda muita estratégia e investimento mais elevado.

"É necessário abrir mais de uma loja na Capital, assim o custo de investimento é diluído. Bancar marketing, comunicação e posicionamento para apenas uma filial não vale a pena", acredita Koch. A mão de obra também pesa mais, e a concorrência é bem maior. Por outro lado, a renda per capita é maior.


Supermercado é o principal segmento do varejo gaúcho

Historicamente, o Rio Grande do Sul é celeiro de grandes e numerosas redes de supermercado. Os gaúchos ocupam a segunda posição no ranking dos estados com maior faturamento do setor, perdendo apenas para São Paulo, segundo dados de 2019 da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). O que chama a atenção no Rio Grande do Sul, porém, é a diversidade de redes supermercadistas.

Em Pelotas, há ao menos três grandes redes gaúchas disputando mercado. Em Bagé também, assim como em Uruguaiana, Passo Fundo e por aí vai. Todas nascidas no Interior, sendo que todas entrevistadas afirmaram não planejar operações em Porto Alegre. O objetivo é o mesmo: crescer organicamente em outras regiões do Estado.

Para a rede Peruzzo, empresa bajeense com 19 lojas no Sul do Estado, o foco é priorizar os locais de atuação. "Somos uma rede com um território bem definido: a Região Sul. O mercado em Porto Alegre é muito diferente do nosso. Enquanto competimos com, no máximo, quatro empresas, na Região Metropolitana, iríamos disputar com 40", diz Lindonoro Peruzzo, diretor da marca.

Apostar no Sul do Estado é a mesma estratégia do Supermercados Guanabara, que direciona seus investimentos para Pelotas. A rede, com nove lojas na região, planeja abrir mais três pontos na cidade doceira.

Já a Imec Supermercados, tradicional rede fundada em Lajeado, começa a avançar na Região Metropolitana. Com 23 lojas divididas no segmento atacadista e supermercadista, as cidades de Taquara e Charqueadas passam a ser o novo celeiro de investimentos da Imec, explica o diretor comercial da marca.

Há, também, quem estruture o crescimento para fora do Rio Grande do Sul. É o caso do Grupo Master, conglomerado de supermercados, shoppings e atacados de Erechim. Com forte representação no Alto Uruguai desde a década de 1970, o grupo já está há quase 20 anos em São Paulo.

"Neste ano ainda temos previsão de inaugurar uma nova filial da bandeira Master em São Paulo e também um novo centro de distribuição em Erechim", informa, em nota. O grupo é detentor das marcas Master Supermercados, Econômico Atacadão, Atacarejo Econômico Center, além do Master Sonda Shopping, complexo de 30 lojas localizado em Erechim.

Para a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, o grande número de supermercados se explica através da imigração europeia, em que esse modelo de negócio foi privilegiado.

"Começou com pequenos armazéns em que esses imigrantes ofertavam o básico e, assim, foi crescendo. É diferente do segmento vestuário, em que existem grandes redes faz pouco tempo. Há menos de 40 anos, muitas pessoas do interior gaúcho faziam as próprias roupas em casa", explica.


De geração em geração

Tem empresa que começou vendendo frango e, hoje, é supermercado; empresário da agricultura e dono de restaurante que apostaram no varejo e cresceram a partir daí; loja de roupa que passou a trabalhar na área de reflorestamento. Por mais mutáveis que esses negócios criados no interior do Estado pareçam, eles carregam algo comum: são empresas familiares, que passam de geração em geração.

Muitos deram os primeiros passos logo após a imigração de italianos e alemães, entre as décadas de 1920 e 1930. Quase 100 anos depois, as varejistas estão entre a terceira e até a quarta sucessão familiar. No caso Eny Calçados, nonagenária de Santa Maria, a empresa transita entre a segunda e a terceira geração. O atual diretor financeiro, Guido Isaia, é filho do fundador e começou na contabilidade da empresa há 40 anos.

Na Imec Supermercados, rede que nasceu no berço do Vale do Taquari, a influência das migrações alemã e italiana na região também repercutiu na administração do negócio. Os fundadores trocaram as parreiras de uva pelo moinho de trigo e foram se adaptando até ser o empreendimento de hoje.

"Nossa rede tem o DNA do agricultor e empreendedor do Vale do Taquari, por isso a ligação com a região é tão forte", contextualiza Eneo Karkuchinski, diretor comercial e de Marketing da rede.

Há também empresa que usou a distribuição de gás de cozinha para se aproximar de clientes e municípios do Interior. A Lojas Obino trabalhou por mais de 20 anos nesse segmento, explica Pedro Ernesto Obino, bisneto do fundador. "Em razão da distribuição de gás, fomos avançando em cidades próximas a Bagé e se compreendeu como a região era carente de produtos para a casa", recorda.

De geração em geração, as redes de varejo vão se modernizando e mantendo seu legado na cidade de origem. O Grupo Grazziotin, por exemplo, mesmo com 340 lojas no segmento vestuário nos três estados do Sul do Brasil, mantém sua administração em Passo Fundo, ainda nas mãos da família fundadora.

O grupo informou, em nota, que, além do varejo vestuário, atua nos segmentos agropecuário e de reflorestamento. Além disso, desde 2019, a rede tem capital aberto, com ações ordinárias e preferenciais negociadas na bolsa de valores.

As empresas familiares do interior gaúcho são maioria no segmento varejista. Seja através da migração europeia ou do próprio oportunismo, elas crescem dentro e fora do Estado, mas seguem referências em suas cidades de origem.

 

Atendimento personalizado conquista o consumidor

Com todos os "poréns" que surgem ao apostar em Porto Alegre, o varejo que permanece no Interior se especializa no atendimento "olho no olho" e no sentimento de pertencimento que os moradores têm com as redes locais.

A grande sacada dessas marcas, explica Patrícia Palermo, economista-chefe da Fecomércio-RS, é não tratar as coisas de forma massificada, mas sim entendendo as realidades locais. "É muito comum que essas lojas não façam promoções ao mesmo tempo, por exemplo. Existe todo um planejamento de como vai funcionar o parcelamento em cada região", complementa.

Conforme a economista, a relação entre vendedor e cliente é muito mais pessoal no Interior do que em Porto Alegre, e as vendas são convertidas em cima deste vínculo de confiança. Assim, o tempo de atendimento é bem maior para concluir a venda, ao passo em que a taxa de fidelização do cliente também é alta. "Hoje, fala-se muito em compra por experiência, mas o interior gaúcho começou com isso lá atrás", diz.

A personalização demanda um conhecimento apurado da dinâmica sociológica do município, que vai certamente interferir no relacionamento entre lojista e comunidade. Por exemplo, o Rio Grande do Sul tem várias cidades onde há herança alemã e italiana. "Nesse caso, falar o idioma ou o dialeto local gera vantagens na hora de vender", diz Victor Koch, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS).

A pessoalidade influencia, inclusive, na forma de financiamento das compras. Há maior incidência dos tradicionais carnês de prestações, normalmente financiados pelos recursos da própria empresa, ao invés do uso de financeiras e cartões de crédito. Os cartões de crédito próprios das redes varejistas também têm grande adesão.

O presidente da Lojas Obino, Pedro Ernesto Obino, afirma que o cartão próprio da empresa segue relevante no bolo de vendas, ao lado do crediário e do pagamento à vista. No caso da Eny Calçados, 40% das vendas são no cartão próprio.

Outra modalidade, que acontece em cidades de produção agroindustrial, é o pagamento em época de colheita de grãos. A maioria das cidades do Interior tem um fluxo de renda sazonal, explica Koch, seja por concentração de safras ou produção industrial. Nesses casos, a maior parte da renda gerada fica concentrada em dois ou três meses. Esse período será um forte determinante do consumo ao longo do ano.

 

Marketing no Interior também é diferenciado

Para conquistar clientes, vale tudo no marketing do varejo - até mesmo se fantasiar de mascote. No Supermercado Guanabara, rede com lojas tanto em Rio Grande quanto em Pelotas, o cachorro símbolo da empresa volta e meia circula fazendo a alegria dos consumidores. "Nossa mascote faz mais sucesso com a criançada do que o próprio Papai Noel", brinca Renato Silveira, diretor de RH do Supermercados Guanabara.

Já no Supermercado Nicolini, fundado há 40 anos em Bagé, o "Frango Gostosão", mascote estampada no cartão próprio da empresa, é o que diverte quem circula pelos corredores.

Ambas as mascotes contextualizam as diferenças do marketing nos varejos do Interior e da Capital.

Existem ações com forte impacto em determinadas regiões, mas que não têm a mesma força em Porto Alegre. Como no caso do cachorro do Super Guanabara, o marketing de guerrilha, ação focada na publicidade criativa e pouco convencional, oferece bons resultados no Interior. Seguindo a esteira da personalização do atendimento, as estratégias focam mais no fortalecimento do vínculo entre marca e consumidores do que propriamente nos descontos.

Contratar um pipoqueiro para ficar na frente da loja; um locutor para anunciar promoções; brinquedos infláveis e pula-pula para atrair as crianças; estacionar um caminhão cheio de produtos na calçada em frente ao estabelecimento são ações recorrentes no interior gaúcho. "Na Capital, muitas vezes, isso nem é possível. Há muita burocracia. Temos ótimos resultados com esse tipo de ação", diz o presidente da Lojas Obino.

Em relação à divulgação, os anúncios em mídias tradicionais ainda são os principais investimentos das redes que responderam ao Jornal do Comércio.

No Nicolini, o maior aporte é em propaganda para canais locais de televisão. Já na rede de supermercados Imec, de Lajeado, anúncios em rádio, jornais e folhetos se destacam.

Sem parar no tempo, a maioria das empresas entrevistadas também investe pesado em mídias sociais. "O marketing tem que trazer novos clientes, por isso estamos nos adaptando a esse novo cenário em que as mídias sociais são muito relevantes. Investimos pesado na área", salienta Eneo Karkuchinski, diretor comercial e de Marketing da Rede Imec.

"Mas é importante lembrar que o interior do Rio Grande do Sul não é uma coisa só", acrescenta Victor Koch, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS). Conforme Koch, as ações de marketing dependem da dinâmica cultural de cada cidade, por isso é necessário estar integrado à dinâmica local.

 

Onde o varejo é forte pelo Rio Grande do Sul


Bagé:

Lojas Obino - 46 filiais em 35 municípios

Supermercados Nicolini - 9 lojas em 3 municípios

 

Santa Maria:

Eny Calçados - 12 unidades em 2 municípios

Rede Vivo - 25 lojas operando em 17 cidades

 

Passo Fundo:

Grazziotin - 340 lojas na Região Sul do Brasil, sendo duas em Porto Alegre

 

Caxias do Sul:

Andreazza Supermercados - 21 unidades em sete municípios

 

Lajeado:

Imec Supermercados  - 23 lojas em 14 cidades

 

Rio Grande:

Supermercados Guanabara -  10 unidades em 2 municípios

 

Erechim:

Grupo Master  - 12 unidades, sendo duas delas localizadas no interior de São Paulo

 

Santa Cruz do Sul:

Miller Supermercados - 4 unidades na cidade

 

Cachoeira do Sul:

Supermercados Tischler  8 lojas na cidade

 

As peculiaridades do consumo e do varejo do interior

·  Atendimento personalizado é mais eficaz do que estratégias de massa

·  Marketing de guerrilha e ações criativas nas lojas têm forte impacto com o consumidor local

·  Investimento maior em mídias tradicionais em detrimento de mídias digitais

·  Predominância de consumidores mais resistentes a endividamentos longos, por conta da sazonalidade de renda, especialmente nos municípios de base agrícola

·  Preferência por formas de pagamento como carnês, cartões exclusivos das lojas e dinheiro, ao invés de cartões de crédito de terceiros


Pedro Carrizo é formado em Jornalismo pela Universidade Ritter dos Reis. Teve passagem pelo Jornal do Comércio e hoje atua como repórter free-lancer.


Fonte: Jornal do Comércio do RS



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