"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode
ser vivida olhando-se para frente."
(Sören Kierkegaard)
Há alguns
anos perdi meu pai, vitimado que foi por um câncer nos pulmões. Logo ele, não
fumante e sem qualquer indício clínico de enfermidade. A doença evoluiu
silenciosa, sendo diagnosticada tardiamente, já em fase de metástase. Lutamos
bravamente por quatro longos e intensos meses, com uma esperança incontestável.
Ao final, restou-nos o consolo de que seu sofrimento fora breve.
Não estamos habituados a perdas, sejam elas materiais ou não. Querer e não
poder é desagradável, mas ter e perder é doloroso. Isso vale para dinheiro no
bolso, um cargo executivo, uma partida jogada ou um amor que de despede.
Contudo, o fato é que no decorrer de nossas vidas, na medida em que
amadurecemos, acumulamos conquistas e desilusões. E a experiência nos
ensina a capitular de cabeça erguida, a aceitar algumas derrotas sem arquear os
ombros, a sofrer com sabedoria. Aprendemos que somos capazes de caminhar
sem pernas e voar sem asas.
Meu pai faleceu em um dia 21 de novembro. Foi sepultado no dia 22 e, na manhã
seguinte, minha filha Liz nasceu. Em menos de 48 horas convivi com a tristeza e
a alegria, a dor e o deleite, o choro e o riso.
Em seus últimos meses, meu saudoso pai fez questão de me presentear com mais
alguns ensinamentos. Assim, quando já debilitado fisicamente não mais conseguia
caminhar com suas próprias pernas, e eu tinha que ampará-lo, era como se
prenunciasse os dias futuros em que ensinaria minha filha a caminhar.
Também tive
que ajudá-lo a tomar banho, assear-se, vestir-se e alimentar-se, tal como faria
dias depois com um recém-nascido.
Disse Vinícius de Moraes: "Para isso fomos feitos: para lembrar e ser lembrados;
para chorar e fazer chorar; para enterrar nossos mortos. Por isso que temos
braços longos para os adeuses, mãos para colher o que foi dado, dedos para
cavar a terra...".
Vida que parte, vida que chega, vida que segue.
Por Tom Coelho