Ementa:
Receitas, custos e despesas
diferidas, à luz do regime de competência, contido no art. 177 da Lei
6.404/1976.
Introdução:
A presente Nota Técnica[1] tem por objetivo clarificar e prestar
uma orientação científica, em relação à seguinte questão fática técnica-contábil:
Qual o tratamento a ser dispensado, em
relação ao registro nas demonstrações contábeis-financeiras, das receitas,
custos e despesas diferidas, à luz do regime de competência, contido no art.
177 da Lei 6.404/1976?
1.
Contextualização e os
consulentes:
Os consulentes, aqui representados pelos
ilustres leitores de nossa literatura, que compõem o mercado dos operadores da
contabilidade e do direito, sejam contadores, auditores, advogados, juízes,
árbitros, professores e/ou peritos forense-arbitral, os quais necessitam da luz
do princípio da veracidade, para fins do afastamento de interpretações ambíguas
ou polissêmicas, um testemunho técnico, vinculado à realidade dos registros
contábeis das receitas, custos e despesas diferidas, à luz do regime de
competência, contido no art. 177 da Lei 6.404/1976.
As dúvidas existentes têm como ponto
controvertido, a busca de diretrizes, no que diz respeito às hipóteses de
receitas, custos e despesas diferidas, razão pela qual tornou-se oportuna a
elaboração da presente Nota Técnica de Clarificação, para esclarecer e
propiciar meios adequados ao convencimento técnico dos utentes, na prevenção e
combate de interpretações equivocadas e nocivas, a constância da verdade real
que se espera dos relatórios contábeis.
2.
Principais elementos fáticos
considerados:
1.
Método
do raciocínio lógico-contábil, oriundo da teoria pura da contabilidade e sua
teoria auxiliar, a da essência sobre a forma;
2.
Interpretação
da lei de forma epistemológica[2] pari passu com a fatores consuetudinários da
ciência da contabilidade[3];
3.
177
da Lei 6404/1976 e art. 1.188 do CC/2002;
4.
Princípio
contábil da epiqueia contabilística, que sustenta a teoria pura da
contabilidade, este princípio determina uma forma de interpretação razoável ou
moderada de uma lei, ou de um direito postulado em juízo ou de um preceito da
política contábil. Logo, temos a equanimidade ou disposição de reconhecer o
direito de todas as pessoas envolvidas em uma relação, com imparcialidade e
independência de juízo científico;
5.
Princípio
da fidelidade e clareza, que implica em demonstrar a situação real;
6.
A
doutrina como fonte de solução de lacunas e de referência bibliográficas, com
seus conceitos, em sintonia à Normatização Brasileira da Perícia Contábil, NBC
TP 01 R1, §41[4], editada em 2020 pelo Conselho Federal de
Contabilidade.
3. Esclarecimento técnico e as suas fundamentações
Em relação à consulta, ou seja, sobre os
questionamentos passamos a expor:
QUESITO
Qual o tratamento a ser dispensado, em
relação ao registro nas demonstrações contábeis-financeiras, das receitas,
custos e despesas diferidas, à luz do regime de competência, contido no art.
177 da Lei 6.404/1976?
RESPOSTA
À luz do Código Civil, art. 1.188, o
balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza a situação
patrimonial real. E o art. 177 da Lei 6404/1976, prevê a adoção na
escrituração, a obediência aos preceitos da legislação e aos princípios de
contabilidade, além da obrigatoriedade do regime de regime de competência[5].
Considerando uma ponderação de juízo
científico-técnico, na nossa interpretação, concluímos pela existência de
quatro condicionantes, para a sua correta aplicação, conforme segue:
1º) Condicionante: "o balanço, seja ele patrimonial
ou de resultado econômico, deverá refletir com fidelidade a real situação
patrimonial".
Tem que existir fidelidade capaz de
demonstrar a real situação patrimonial, essa é a premissa do condicionante.
2º) Condicionante: "a adoção dos princípios de
contabilidade".
Neste condicionante, avulta a importância
da existência de literatura que esclareça as regras dos princípios contábeis. É
deveras relevante saber o conceito dos princípios dos teoremas e das teorias.
3º) Condicionante: "regime de competência".
Assim, está estipulado na Lei Societária,
art. 177 da Lei 6404/1976. Vinculado a este condicionante temos a notória
doutrina contábil, pois a lei não conceituou o que é o regime de competência e
a sua distinção com o regime de caixa.
Logo,
considerado o ceticismo para se obter uma asseguração técnica razoável, o
reconhecimento no rédito[6] do exercício de receitas, despesas e custos,
não estão vinculados ao seu recebimento ou seja, ao regime de caixa, e sim, ao
período em que os serviços ou produtos foram disponibilizados por uma
realização econômica e não financeira, pois estes resultados não podem ser falaciosos,
em decorrência de vícios, seriam nulos.
4º) Condicionante: "fidelidade dos registros".
A regra do quarto condicionante análoga ao
primeiro condicionante, fidelidade, afasta os balanços maquiados e a
possibilidade de distribuição de lucros fictícios. Neste condicionante é
demonstrado o fator impeditivo e restritivo do reconhecimento antecipado e
receitas na apuração do resultado.
Portanto,
existe uma paridade e simetria científica-técnica perfeita entre a realização
econômica de um fato e o seu reconhecimento no balanço de resultado econômico.
5º) Condicionante:
"receita
antecipada não representa renda e sim uma obrigação".
A regra do quinto condicionante, afasta as
interpretações polissêmicas e ambíguas, pois a possibilidade de reconhecimento
de pseuda receitas, que majora o patrimônio líquido, é algo abominável pelo
viés técnico-científico.
6º) Condicionante: "a receita diferida não se
confunde com o adiantamento de fregueses ou de clientes".
A regra deste condicionante é que na conta
de passivo circulante, referente ao adiantamento de fregueses/clientes, é
registrado o adiantamento por conta de "pedidos de produtos ou serviços". O
registro do adiantamento recebido de fregueses ou clientes, por conta de um
encaixe que não caracteriza receita. E a receita diferida, não esta
necessariamente vinculada ao encaixe.
E
sem embargos às questões tributárias vinculadas aos fatos geradores da base de
cálculo de tributos e contribuições sociais, e/ou de gestões temerárias sejam
ilícitas ou dolosas que antecipam resultados econômicos, não abordadas na Nota
Técnica, pois tratamos aqui apenas das questões de matéria contábil de fato[7]. Apresentamos
a solução para o diferimento.
O
diferimento de uma receita, custo e despesas, ocorre dentro de um exercício
social quando os fatos afetam vários períodos contábeis. As parcelas devem ser
divididas, ou seja, devem ser diferidas, para os respectivos exercícios
sociais, dentro dos quais as receitas, os custos e as despesas são abatidos
pela sua transferência para as contas de resultado. Em paridade e simetria ao
regime da competência. Ainda que não exista previsão explícita na Lei 6404/1976,
a regra consuetudinária e lógica contabilística "epiqueia[8]" é: as receitas diferidas, os custos e as
despesas devem ser reconhecidos simultaneamente e exclusivamente no resultado
do exercício social em que ocorreu a sua realização econômica.
Descrevemos
com parte da solução a esta consulta, os seguintes conceitos:
RECEITAS
DIFERIDAS - O diferimento de uma receita ocorre dentro de um exercício
social quando a sua realização econômica afeta vários períodos contábeis. As
parcelas devem ser divididas, ou seja, devem ser diferidas, para os respectivos
exercícios sociais, dentro dos quais, receitas são reconhecidas pela sua
transferência as contas de resultado. Em paridade e simetria ao princípio ou
seja, ao regime da competência. As receitas diferidas devem ser
registradas no passivo exigível a longo prazo, ou seja, passivo não circulante,
e representa receitas futuras que uma pessoa jurídica recebe por produtos e/ou
serviços que ainda não forneceu ou produziu. Essa alocação no passivo não
circulante é necessária em função da existência de uma obrigação, entregar
produtos ou prestar serviços, pois é possível que no preço da venda de um
produto ou serviço, esteja incluído a quantia identificável e relacionada
a entrega de produtos e/ou a prestação de serviços subsequentes à data do
contrato, devendo essa parcela da receita ser diferida e reconhecida como
receita durante o exercício social em que o produto ou serviço vier a ser
disponibilizado ao freguês/cliente.
CUSTO DIFERIDO - O
diferimento de um custo se faz necessário quando afeta vários períodos
contábeis. As parcelas devem ser apropriadas, ou seja, deve ser diferida para
os respectivos exercícios sociais, dentro dos quais os custos são reconhecidos
pela sua transferência para as contas de resultado. Em paridade e simetria ao
regime da competência.
DESPESAS DIFERIDAS - são gastos
temporariamente ativados, por não se apropriam em um só exercício social,
podendo ser apropriadas em diversos exercícios sociais em razão de sua
competência. Os gastos relativos ou atribuíveis aos exercícios seguintes. Logo,
gastos que se apuraram em um período ou exercício, mas que se refere o
exercício seguinte. Devem ser apropriadas em diversos exercícios sociais em
razão de uma necessária paridade e simetria ao regime de competência.
DIFERIR - Diferir
significa postergar a ocorrência de um fato contábil.
4.
Diagnóstico relativo ao
epicentro da questão técnica:
Existe
uma simetria científico-técnica perfeita entre a ciência contábil, os seus
conceitos, princípios e os relatórios contabilísticos.
O
estudo patológico contabilístico, aqui representados pelos condicionantes, alerta
para riscos de maquiagem dos balanços, que se tornam ainda mais putativamente
danosos, com o reconhecimento de receitas antecipadamente sem os respectivos
custos e despesas, o que se considera uma falácia, quiçá, um paralogismo
defendido por sofistas que criam sofismas.
É
deveras importante o fato de que os conceitos são guias da ciência, pois são
eles que ensejam evidências doutrinárias e afastam interpretações ambíguas ou
polissêmicas, removendo com isto muitas das controvérsias, criando as condições
propícias à construção de uma boa jurisprudência.
E
por derradeiro, considerando o exposto, ou seja, juízo de ponderações
científicas, com base na legislação, na doutrina analisada, nas análises
técnico-científicas demonstradas nos itens anteriores, no regime de
competência, no princípio contábil da epiqueia contabilística, que
sustenta a teoria pura da contabilidade, o qual determina uma forma de
interpretação razoável ou moderada de uma lei, nos permite concluir pelo
reconhecimento de receitas, custos e despesas, no balanço de resultado
econômico, somente e exclusivamente no exercício social em que ocorre a
realização econômica, ou seja, no momento em que os produtos ou os serviços são
transferidos para o freguês/cliente. Assim sendo, o reconhecimento
exclusivamente da receita, assim que a venda tenha sido realizada, contrato
assinado com base confiável, e/ou a adoção do cronograma de pagamento
constante do contrato de compra e venda, como critério de reconhecimento de
receita, é um erro de cognição que afronta o regime de competência.
5.
Encerramento:
Este
documento, representa uma Nota Técnica Contábil de Clarificação, emitida pelo
laboratório de perícia forense-arbitral, Zappa Hoog e Petrenco, sobre fato
contábil, "regime de competência vinculado à escrituração de receitas, custos e
despesas" que lhe foi questionada. Com o objetivo de demonstrar as questões de
patologia contábil, uma vez que esta afasta as ficções e esclarece os equívocos
de acepção e reconduz os fatos a uma correta interpretação contábil científica.
[1] Uma Nota Técnica Contábil
de Clarificação é um documento elaborado por um profissional contador,
especializado em determinado assunto. E é emitida quando identificada a
necessidade de uma clarificação técnica, ou seja, uma fundamentação formal e
específica para oferecer uma solução para uma tomada de decisão em um caso em
concreto.
[2] INTERPRETAÇÃO EPISTEMOLÓGICA -
representa um estudo crítico dos princípios, dos teoremas, das hipóteses e dos
resultados dos diversos fenômenos e suas patologias. E surge no curso de
uma investigação científica ou na reflexão da busca de soluções de
problemas, métodos e teorias. (HOOG, Wilson A. Zappa. Moderno Dicionário Contábil.
12. ed,. Curitiba: Juruá Editora, 2021, no prelo.)
[3] Os fatores
consuetudinários da Ciência Contábil são os aspectos relativos aos usos e
costumes científicos, comuns à maioria dos lidadores da ciência social contábil,
situação onde a essência dos atos e fatos se sobrepõe à forma. São as regras,
princípios, convenções e normas de conhecimento notório pela maior parte da
população de contadores contemporâneos. Pelo viés da logística contábil, estas
regras ou fatores cognitivos, em sua grande maioria são utilizados como uma
forma de concordância de ideias, de opiniões entre os provedores e repetidores
da ciência. Usos e costumes levarão em consideração os objetivos, os fins da
norma; tem-se que observar a finalidade da norma descobrindo-se a racionalidade
da própria norma; qual o seu conteúdo, qual a sua missão.
[4] NBC TP 01 R1, §41: "Tratando-se de termos técnicos
atinentes à Ciência Contábil, devem ser acrescidos dos seus respectivos
conceitos doutrinários, sentido e alcance contabilístico de cada um dos termos
técnicos, além de esclarecimentos adicionais ou em notas de rodapé. É
recomendada a utilização daqueles termos já consagrados pela literatura
contábil."
[5] REGIME DE COMPETÊNCIA -
método contábil de registrar tudo o que se relaciona ou compete ao exercício em
curso, independentemente dos desembolsos ou recebimentos. É o método usualmente
utilizado na escrituração contábil no Brasil, por força da política contábil
nacional.
[6] A teoria do rédito
representa o resultado da eficiência da empresa, ou seja, objeto social, pelo
seu estabelecimento, que pode ser o lucro ou o prejuízo, confronto das rendas,
custos e despesas (Teoria esta estudada e citada por SÁ: História Geral e das Doutrinas da
Contabilidade. São Paulo: Atlas, 1997, p. 112). O criador desta
teoria é Gino Zappa, em Milão na Itália, no ano de 1927, no livro: II Reddito di Impresa - "O Rédito da Empresa".
[7] MATÉRIA DE FATO (fática
científica) - representa um tema vinculado à técnica e ciência, que são aquelas
em que os doutrinadores epistemólogos se debruçam em suas pesquisas e
interpretações dos fenômenos patrimoniais.
[8] Epiqueia representa
uma interpretação moderada e equilibrada da intenção do legislador
efetuado por um doutrinador, a qual consiste na suposição da aplicação de um
silêncio eloquente em caso determinado, embora este se ache explícito e
compreendido no texto da lei.
Tijucas do Sul, 19 de janeiro de 2021.
Por Prof.
Mestre Wilson Alberto Zappa Hoog - Perito Contador - CRC/PR 21594/0-1
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