Prezados(as)
leitores, 1996 foi um ano interessante. Ao mesmo tempo que Antônio Fagundes
estrelava O Rei do Gado, tivemos as primeiras eleições municipais com a urna
eletrônica e a morte dos integrantes da banda Mamonas Assassinas e do cantor e
compositor Renato Russo.
Vivíamos num
mundo diferente. Os lançamentos tecnológicos mais importantes, no Brasil, foram
o microcomputador Infoway, da Itautec, e o aparelho celular Startac, da
Motorola. Muitos de nós ainda comprávamos fichas para utilizá-las nos
"orelhões" - pergunte ao seu pai.
O mundo não era
"eletrônico", "digital", muito menos "virtual", como o que conhecemos hoje.
E é nesse cenário
que vamos tratar das operações financeiras que ocorriam dissociadas da
correspondente operação fiscal, e até mesmo da comercial.
No dia 27/12,
foi sancionada a Lei n.º 9.430, que permitiu a Receita Federal incrementar o
acompanhamento de operações bancárias com vista a identificar transações de
"omissão de faturamento", tanto por pessoas físicas quanto jurídicas.
Dessa forma,
operações ilícitas, como aquelas decorrentes do tráfico de drogas e de armas,
pagamentos escusos e agiotagem, entraram na mira do leão e passaram a ser
identificadas de forma "mais fácil"; além de operações "mais simples", como
venda sem emissão de nota fiscal ou recebimento de valores sem o correspondente
recibo ou outro documento hábil. Mais ainda, em que pese apresentarem valor significativamente
inferiores, não era incomum, naquela época, a transferência de recursos da
pessoa jurídica para a pessoa física dos sócios ou de dirigentes sem o
correspondente registro de lucros, pró-labore, comissões ou gratificações, mas,
apenas e exclusivamente, um depósito.
Mas os tempos
mudaram e a vida se tornou muito mais digital e eletrônica.
Ao longo desses
anos, a Receita Federal apurou operações ilícitas e autuou diversas pessoas
devido a operações dessa natureza, e a omissão de faturamento (ou de receita)
passou a gerar autos de infração, após a investigação necessária, levando
contribuintes a prestarem esclarecimentos e, principalmente, comprovarem a
origem de tais valores. Aqueles que não conseguiam comprovar os fatos que
geraram esses recursos e confirmar a incidência, ou não, de impostos, foram
autuados e multados.
Por isso,
empresários ouviam sempre dos seus auditores e responsáveis técnicos
(contadores e técnicos em contabilidade) acerca da importância de controles
efetivos sobre as receitas e, por consequência, sobre o ingresso de recursos
nas contas correntes, tanto da empresa quanto na conta pessoal.
Mas,
insatisfeitos, alguns recorreram ao judiciário, questionando o Art. 42 da Lei
n.º 9.430/1996, que traz o seguinte:
Art. 42. Caracterizam-se
também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de
depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em
relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado,
não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos
utilizados nessas operações.
As alegações
centravam-se no fato de que a Receita Federal estaria legislando ao criar
imposto de renda sobre fato gerador não previsto em lei complementar,
tributando depósitos bancários e confundindo acréscimo patrimonial com fato
administrativo de depositar. Muitas decisões acabavam por postergar os efeitos
da aplicação da lei.
Pois bem. O
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no último dia 3, que não se trata de
novo fato gerador e que é constitucional a aplicação do artigo, que pode gerar
imposto sobre os depósitos que não tiverem a origem comprovada.
Assim, o
Conselho Federal de Contabilidade (CFC), com o intuito de preservar a aplicação
das normas e garantir o máximo da excelência da atuação profissional, orienta a
aplicação efetiva das normas brasileiras de contabilidade e a observância ao
Código de Ética Profissional do Contador.
O lembrete é
simples: TODAS as mutações patrimoniais DEVEM ser registradas com observância
aos conceitos de origem e aplicação dos recursos, de entrada e saída do caixa,
e de acréscimos e decréscimos patrimoniais.
As demonstrações
contábeis são elaboradas para uma gama variada de usuários e a ausência dos
registros indicados torna tais demonstrações enviesadas, prejudicando tanto a
adequada compreensão sobre a real posição patrimonial e o desempenho da empresa
quanto a tomada de decisão por parte dos usuários das informações nelas
contidas.
Ademais, o
profissional contábil deve garantir que tais fatos não afetem as demonstrações
de forma a prejudicar sua compreensão e que adote posturas cética, ilibada e
impoluta, contribuindo para a construção de um ambiente cada vez mais ético nas
relações entre as pessoas física e jurídica.
Enfim, o Art. 42
é constitucional, sempre foi aplicado pela Receita Federal e, se havia alguma
dúvida, agora não há mais: decide o STF.
Por Adriano Marrocos
Conselheiro e Coordenador da Comissão Nacional do Imposto de Renda do
Conselho Federal de Contabilidade (CFC)