Para a maioria do
STF, a legislação questionada oferece tratamento tributário prejudicial às
cadeias econômicas ecologicamente sustentáveis.
A norma que veda a apuração de créditos de PIS/COFINS na aquisição de insumos
recicláveis foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Plenário, na sessão virtual finalizada em 07/6/2021, deu provimento ao
Recurso Extraordinário (RE) 607109, com repercussão geral (Tema 304).
O RE foi interposto pela Sulina Embalagens Ltda, do
setor papeleiro, contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
(TRF-4) que validou o artigo 47 da Lei 11.196/2005, que
veda a apropriação de créditos de PIS e COFINS na
aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão,
de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de
zinco e de estanho.
No STF, a empresa
alegou que o dispositivo fere normas constitucionais sobre o dever de proteção
ao meio ambiente, ao tornar mais onerosa as atividades de empresas que utilizam
materiais recicláveis em relação às que usam materiais oriundos da indústria
extrativista. Também alegou discriminação entre empresas do mesmo setor,
violando a isonomia assegurada pela Constituição.
A Fazenda Nacional, por sua vez, sustentou que a regra
impugnada concede isenção de PIS/COFINS na
etapa anterior da cadeia de produção, em benefício das Cooperativas de catadores, e, como contraponto, repassa
o ônus para as grandes indústrias de reciclagem. Como não ocorre a tributação
na operação antecedente, alegou ser compreensível que as empresas adquirentes
não possam compensar créditos de PIS/COFINS.
Regimes cumulativo e não cumulativo
Prevaleceu, no julgamento, o voto do
ministro Gilmar Mendes. Ele lembrou inicialmente que, no RE 607642, com
repercussão geral, a Corte entendeu que o legislador optou por um modelo legal
de coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo
do PIS/COFINS. As diferenças fundamentais entre esses sistemas
dizem respeito, especialmente, às alíquotas, aos critérios de elegibilidade e à
possibilidade de apropriação de créditos a serem descontados da base de cálculo das contribuições sociais.
No caso em discussão, Mendes verificou que não ocorre
equivalência entre a carga tributária da indústria de reciclagem e a da
indústria assentada no manejo florestal. Ele citou o exemplo da indústria de
papel que, apesar de submetida necessariamente ao regime não cumulativo, fica
proibida de apurar e compensar créditos fiscais quando adquire insumos de Cooperativas de catadores de material reciclado, o que
resulta em carga tributária maior sobre a cadeia de produção. Em sentido
diverso, se a empresa optar pela utilização de insumos extraídos da natureza,
mesmo que a lei não preveja isenção para Cooperativas de
manejo florestal, a carga tributária seria menor, pois, nesse caso, o
contribuinte teria direito ao abatimento de crédito fiscal.
Desestímulo
O ministro observou que, do ponto de vista tributário,
atualmente há maiores incentivos econômicos para os produtores que investem em
tecnologias convencionais, assentadas no manejo florestal, do que para os que
adotam alternativas menos agressivas ao meio ambiente (matéria-prima de Cooperativas de materiais recicláveis). Segundo ele,
embora tenha visado beneficiar os catadores de papel, a legislação provocou
graves distorções que acabam por desestimular a compra de materiais reciclados.
Para Mendes, a regra
tem efeitos nocivos na indústria da celulose, fomentando a migração para o
método extrativista, que, mesmo quando promovido de forma sustentável, produz
mais degradação ambiental. "O Estado brasileiro prejudica as empresas que,
ciosas de suas responsabilidades sociais, optaram por contribuir com o poder público
e com a coletividade na promoção de uma política de gerenciamento
ambientalmente adequado de resíduos sólidos", ressaltou.
Proteção ao meio ambiente e valorização do
trabalho
Outro ponto
observado pelo ministro é que a Constituição Federal consagra o meio ambiente
como bem jurídico que merece tutela diferenciada, o que impõe ao poder público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações, conforme prevê o artigo 225.
Ele lembrou, ainda,
que o artigo 170, inciso VI, da constituição dispõe que a ordem econômica deve
se pautar pela proteção do meio ambiente, mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de
elaboração e prestação. Segundo seu entendimento, não há espaço para o
esvaziamento dessa norma mediante a imposição de tratamento tributário
prejudicial às empresas que investiram em métodos industriais menos lesivos ao
meio ambiente.
Além disso, observou que os maiores prejudicados por
esse mecanismo serão os agentes econômicos que compõem o elo mais frágil da
cadeia produtiva - no caso, as Cooperativas de
catadores, formadas por pessoas físicas de baixa renda.
Considerando a interdependência funcional das normas
previstas nos artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005, Mendes concluiu que a solução
mais adequada é a declaração de invalidade do bloco normativo que rege a
matéria. Assim, as empresas do ramo de reciclagem retornarão para o regime
geral do PIS/COFINS, aplicável aos demais agentes econômicos,
"afastando o risco de o Tribunal incorrer em casuísmo e, involuntariamente,
agravar as imperfeições sistêmicas da legislação tributária".
Seu voto foi seguido
pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Nunes Marques e
Ricardo Lewandowski e pela ministra Cármen Lúcia.
Relatora
A relatora do processo, ministra Rosa Weber, votou pelo
parcial provimento do recurso. Ela considerou constitucional a negativa à
apuração de créditos fiscais, que serviria de contraponto à isenção concedida
em benefício do fornecedor de materiais recicláveis. No entanto, reconheceu o
direito ao crédito nas vendas desses materiais por empresas optantes pelo Simples Nacional, que não foram beneficiadas pela isenção
tributária. Acompanharam seu voto os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli.
O ministro Alexandre
de Moraes votou pelo desprovimento integral do recurso extraordinário.
Tese
A tese de repercussão geral foi a seguinte: "São
inconstitucionais os artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração
de créditos de PIS/COFINS na aquisição de insumos
recicláveis".
Fonte:
STF - RE 607109 / Portal Tributário
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