Não é novidade
a incongruência que se observa na lei de oferta e procura do mercado de
trabalho brasileiro. Ao mesmo tempo em que há inúmeros profissionais em
busca de uma vaga de emprego, também é verdade que inúmeras empresas ficam
meses ou até anos em busca de um profissional capacitado para preencher
determinada vaga.
Ainda que o recrutamento de
profissionais já formados e capacitados seja a forma mais prática e econômica
para se preencher uma vaga, ou mesmo substituir empregados por outros mais
arrojados que possam trazer novo sangue para a organização, é certo que muitas
empresas ainda acreditam que os investimentos no treinamento e capacitação de
seus empregados seja a melhor forma de reter e desenvolver seus talentos
internos.
Entretanto, há companhias que
procuram contratar profissionais com pouca ou alguma experiência,
desvencilhados de "vícios" de outras organizações, de modo a incutir
nestes profissionais seus conceitos e métodos de trabalho que estão
inteiramente ligados à missão, visão e valores da empresa.
Para tanto, desembolsam
quantias relevantes a fim de capacitar seus empregados, ora em treinamentos
internos ou externos, em cursos de especialização, em formação acadêmica e
pós-graduação, em MBA ou mesmo em intercâmbios internacionais, possibilitando
que seus profissionais possam buscar tecnologias e trocar experiências com empresas
estrangeiras.
Por certo, assim como qualquer
outro investimento que toda organização faz para melhorar seu desempenho frente
ao mercado de trabalho, espera-se que os treinamentos, os programas de desenvolvimento
interno aplicados aos empregados e o investimento na capacitação profissional,
também possam se transformar em aumento de produtividade, melhoria na qualidade
dos serviços e produtos e consequentemente, aumento do faturamento.
Também é certo que todo
investimento na capacitação profissional demanda razoável tempo para obter um
retorno, e justamente buscando proteger este "patrimônio humano", é
que as empresas realizam os chamados contratos de subsídios educacionais e de
formação profissional.
Nestes contratos (entre empresa
e empregado), fica estabelecido que a empresa irá custear os estudos ao
empregado e este, em contrapartida, compromete-se a permanecer na empresa
(cláusula de permanência) durante certo período após o término do curso/formação.
Em caso de descumprimento do
contrato, ou seja, caso o empregado venha a pedir demissão antes do período
avençado ou mesmo antes do término do curso, o mesmo poderá ser
responsabilizado em indenizar o empregador no equivalente ao montante subsidiado,
conforme ficou estabelecido na cláusula penal do contrato.
Podemos entender, sob esta
égide, que o empregador poderia estabelecer a cláusula penal de indenização até
mesmo no caso de demissão por justa causa.
Isto porque, muitas vezes, o
montante subsidiado pela empresa na formação do empregado poderia ultrapassar o
total das verbas rescisórias, mesmo no caso de dispensa sem justa
causa, e isto justificaria o empregado "provocar" a justa causa para
se livrar da indenização, caso a mesma não estivesse sido previsto em contrato.
Num primeiro momento,
muitos empregados aceitam o acordo, pois terão a grande chance de obter a tão
desejada especialização ou mesmo a formação acadêmica às custas (parcial ou
total) da empresa, mas quando se formam e se veem tentados pela primeira oferta
do concorrente, simplesmente "chutam o balde" e se desvinculam da
empresa que o patrocinou.
Por isso a importância da
previsibilidade da cláusula de permanência para estas situações, pois busca
assegurar que o alto investimento feito pela empresa a determinado empregado,
não se esvazie de um dia para outro, caso o mesmo peça demissão assim que tenha
alcançado seu objetivo.
Em que pese a legislação
trabalhista seja omissa quanto a este tipo de contrato, podemos extrair do art.
444 da CLT que as relações contratuais podem ser objeto de livre
negociação entre as partes, consoante abaixo:
"Art.
444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação
das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de
proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às
decisões das autoridades competentes."
Ainda que se possa entender que
a cláusula de permanência fere o preceito constitucional da liberdade e o livre
exercício de qualquer trabalho (art. 5º, XIII), há que se ressaltar que a mesma
cláusula vai de encontro ao disposto no próprio dispositivo celetista (proteção
ao trabalho), haja vista que a referida cláusula estabelece uma espécie de
"estabilidade" de emprego, acrescida de formação e capacitação
profissional.
Em atendimento ao disposto no
art. 769 da CLT, entendemos que tal contrato é legal de acordo com o
disposto nos art. 410 a 412 do Código Civil, in verbis:
"Art.
410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento
da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Art.
411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança
especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a
satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação
principal.
Art.
412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal."
Acrescenta-se, neste aspecto, o
disposto no art. 122 do Código Civil (abaixo), pois ainda que a CLT seja
omissa, se o contrato entre as partes não decorre de vício e não é contrário à
lei, nada obsta sua validade:
"Art.
122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem
pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que
privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de
uma das partes."
Há outras questões, no entanto,
que não encontramos na legislação, o que irá demandar discussões no âmbito
jurisprudencial, como a duração do período em que o empregado estará vinculado
à empresa por força contratual.
Observamos
que na prática as empresas estipulam 1, 2, até 3 anos ou mais de permanência no
emprego, dependendo do valor investido, do retorno pretendido e do tipo de
especialização/formação.
Outro aspecto em discussão é
o quantum indenizatório em caso de pedido de demissão (ou
de outro motivo de desligamento que o empregado der causa), ou seja, se a
empresa poderá estipular uma multa além da restituição dos valores investidos
ou ainda, estipular a restituição em dobro em substituição à multa.
Quiçá se todas as empresas
tivessem disponibilidade de orçamento para realizar tal contrato a 100% de seus
trabalhadores, teríamos em 10 anos um avanço extraordinário no nível de
profissionais, melhorando o nível nacional de educação (uma das frentes tão
aclamadas nos pleitos sociais atuais) e consequentemente do país.
Por Sérgio Ferreira
Pantaleão é Advogado e Administrador, responsável técnico pelo Guia Trabalhista
e autor de obras na área trabalhista e previdenciária.