A
Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo de
emprego entre um motorista e o aplicativo de transporte que ele utilizava.
Para a maioria do colegiado, estão presentes, no caso, os elementos que
caracterizam a relação de emprego: a prestação de trabalho por pessoa humana,
com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.
Monitoramento
Na reclamação trabalhista,
o motorista, de Queimados, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RJ), disse que trabalhara para a plataforma digital durante dois meses, após
comprar um veículo enquadrado nos padrões da empresa. Segundo seu relato, ele
atuava de segunda a sábado, totalizando 13 horas diárias e 78 semanais, sempre
monitorado de forma on-line pelo aplicativo. No terceiro mês, foi desligado
imotivadamente.
Riscos do negócio
A empresa, em sua defesa,
sustentou que não houve nenhum acordo para pagamento de comissões sobre o valor
das viagens. Para a empresa, na realidade, quem a contratou foi o motorista,
que, em contraprestação ao uso da plataforma digital, concordara em pagar o
valor correspondente a 20% ou 25% de cada viagem. Por fim, alegou que o
motorista assumira todos os riscos do negócio.
Empresa de tecnologia
O Tribunal Regional do Trabalho
da 1ª Região (RJ) negou o vínculo de emprego, por entender que o
aplicativo é uma empresa de tecnologia, e não de transporte. De acordo com a
decisão, o motorista tinha plena liberdade de definir os dias e os horários de
trabalho e descanso e a quantidade de corridas, não recebia ordens e fazia, por
contra própria, a manutenção de seu veículo.
Novas fórmulas
O relator do recurso de revista
do motorista, ministro Mauricio Godinho Delgado, observou que a solução do caso
exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação
da prestação laborativa, distintas do sistema tradicional, e que se desenvolvem
por meio de plataformas e aplicativos digitais, softwares e produtos
semelhantes, "todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por
sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo,
nacionais".
Função civilizatória
Embora essa nova estrutura
facilite a prestação de serviços, o ministro pondera que a lógica de seu
funcionamento tem sido apreendida por grandes corporações como oportunidade
para reduzir suas estruturas e o custo do trabalho. A seu ver, a discussão deve
ter como ponto de partida a função civilizatória do direito do trabalho.
Omissão legislativa
Godinho Delgado lembrou que não
há legislação que regule a questão de motoristas de aplicativo, visando
assegurar direitos a essa categoria que já alcançava cerca de um milhão de
profissionais no Brasil, antes da pandemia. "Cabe, portanto, ao magistrado
fazer o enquadramento das normas no fato", destacou.
Elementos da relação de trabalho
Nesse sentido, o ministro
assinalou que a relação empregatícia ocorre quando estão reunidos seus cinco
elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa
física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob
subordinação. Todos eles, a seu ver, estão fortemente comprovados no
caso.
Em
relação à pessoalidade, os elementos demonstram que o motorista se inscrevera
no aplicativo mediante cadastro individual, com a apresentação de dados
pessoais e bancários, e era submetido a um sistema de avaliação
individualizada, a partir das notas atribuídas pela clientela.
A
onerosidade, por sua vez, decorre do repasse de 70% a 80% do valor pago pelos
passageiros. Essa percentagem elevada se justificaria pelo fato de o motorista
ter de arcar com todos os custos do transporte (manutenção do veículo,
gasolina, provedor de internet, celular, etc.).
No entender do relator, a não
eventualidade também ficou comprovada: embora a relação tenha perdurado por
menos de dois meses, durante esse período, o serviço foi prestado
permanentemente todos os dias, com controle da plataforma sobre o tempo à sua
disposição. Finalmente, sobre a subordinação, o ministro considera que o
monitoramento tecnológico, ou "subordinação algorítmica", talvez seja superior
a outras situações trabalhistas tradicionais.
Divergência
Ficou vencido, no julgamento, o
ministro Agra Belmonte, para quem a questão envolve um fenômeno mundial e um
novo modelo de relação de trabalho com muitas questões ainda não decididas pela
legislação brasileiro. O ministro entende que, para decidir pelo reconhecimento
do vínculo, seria necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado
pela Súmula 126 do TST.
Com o reconhecimento de
vínculo, a Turma determinou o retorno dos autos à 66ª Vara do Trabalho do Rio
de Janeiro (RJ), para o prosseguimento da análise dos demais pedidos.
Nota M&M: Destacamos que esta decisão foi aplicada neste
processo específico, e pode servir como um norteador para futuras sentenças.
Porém, situações semelhantes poderão ter decisões diferentes, especialmente nas
esferas de primeiro e segundo graus.
Fonte: TST, Processo: RR-100353-02.2017.5.01.0066, com "nota"
da M&M Assessoria
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