A Constituição
Federal de 1988 contempla no artigo 7º, incisos IV, VI e X, os princípios de
proteção salarial, garantindo ao trabalhador a remuneração devida e
os descontos previstos em Lei, constituindo crime sua retenção dolosa.
Assim dispõem os incisos IV, VI
e X do art. 7º da CF/88:
"Art. 7º - São
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
.....
IV - salário mínimo,
fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades
vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação
para qualquer fim;
.....
VI - irredutibilidade do
salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
.....
X - proteção do salário
na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa."
O empregador efetuar descontos
nos salários dos empregados, desde que observado o que estabelece o
artigo 462 da CLT, que assim dispõe:
"Art.
462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do
empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei
ou de contrato coletivo."
Portanto, qualquer desconto
sofrido pelo empregado, se legalmente previsto, não implicará em prejuízo,
alteração contratual ou fraude às leis trabalhistas.
As partes (empregado e
empregador) deverão pactuar, com a devida anuência do primeiro, todo e qualquer
desconto salarial, não acarretando assim, alteração unilateral do contrato
individual de trabalho, prevista no artigo 468 da CLT, ou nulidade da
clausula pactuada, prevista no art. 9º da CLT.
A responsabilidade por esta
situação está nas mãos do Gestor de RH, a quem cabe, antes de aceitar
qualquer solicitação de desconto, orientar e alertar o empregador dos riscos de
se ter que devolver valores que foram descontados ilegalmente.
Há inúmeras situações em que as
empresas, unilateralmente, acabam por descontar valores
nos salários dos empregados sem se precaverem da formalidade do desconto,
seja pela falta do documento que autoriza o desconto, seja pela falta de
previsão legal, convencional ou de acordo entre as partes.
A Súmula 342 do TST, por
exemplo, estabelece que todo desconto para ser integrado em planos de
assistência odontológica, médico-hospitalar, seguro de vida, previdência
privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus
trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto
no art. 462 da CLT, desde que com autorização prévia e por escrito do
empregado.
Esses tipos de descontos são os
mais comuns e geralmente não comprometem a legalidade perante a Justiça do
Trabalho, pois as empresas já estão mais habituadas a estas situações, por se
tratar de descontos voltados a beneficiar o trabalhador e sua família.
Os "calos nos
sapatos" estão nos descontos que decorrem da atividade em si da empresa e
da função exercida pelo empregado.
É o caso, por exemplo, de
caixas, fiscais de loja, vendedores, frentistas, empregados da área financeira,
entre outros, em que a atividade demanda a decisão de se receber um pagamento
via cheque, cartão de crédito e até mesmo em dinheiro e que, muitas vezes, geram
extravios ou diferenças de caixa, situações que poderiam gerar, como
consequência, o desconto na folha de pagamento do empregado.
Ocorrendo tais descontos de
forma coercitiva e unilateral por parte do empregador, sem que o empregado
tenha sido orientado ou que não tenha tido ciência dos procedimentos internos
que estabeleçam estas condições, a empresa estaria incorrendo em ato ilegal.
Para que não haja ilegalidade
no desconto a empresa deve elaborar procedimentos que preveem tais condições e
orientar os empregados, através de treinamentos internos, de como exercer sua
função de acordo com o estabelecido, de preferência registrando estes
treinamentos nas fichas de registros dos empregados, através de documentos
assinados pelo empregado.
Não obstante, é importante que
a empresa estabeleça cláusula individual, coletiva ou acordo coletivo que
permita o desconto em folha de pagamento de valores recebidos a menor ou
indevidos (por meio de cheques, cartões ou dinheiro) em que não tenha sido
observado os procedimentos internos, em consonância com o que dispõe o inciso
XXVI do art. 7º da Constituição Federal.
A falta de procedimentos ou de
previsão de cláusula convencional permitindo os descontos, pode comprometer a
empresa perante a Justiça do Trabalho, conforme podemos observar nas
jurisprudências abaixo:
AGRAVO
DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI
13.015/2014. DESCONTOS SALARIAIS. RELATIVOS ÀS LIGAÇÕES TELEFÔNICAS
REALIZADAS PELO RECLAMANTE. AUSÊNCIA DE PROVAS. DESCONTOS INDEVIDOS. SÚMULA
126/TST. O Tribunal Regional manteve a r. sentença na qual a Reclamada foi
condenada à devolução do valor descontado indevidamente da remuneração do
Reclamante, à título de ligações telefônicas particulares. Com base no conjunto
fático-probatório dos autos, consignou a Corte de origem que "não há prova
nos autos de que as ligações telefônicas foram realizadas pelo reclamante,
tendo em vista que o preposto e a testemunha do reclamante informaram que todos
que frequentavam aquele local poderiam utilizar o telefone". Nesse cenário,
para se chegar à conclusão diversa, no sentido de que o Reclamante utilizava o
telefone do trabalho para fins pessoais e de forma indiscriminada, seria
necessário o revolvimento de fatos e provas, expediente vedado pela Súmula
126/TST. Agravo de instrumento não provido. (AIRR - 138-65.2015.5.05.0037
, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 15/02/2017,
7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/02/2017).
E também:
RECURSO
DE REVISTA. (...) 4. DESCONTOS SALARIAIS INDEVIDOS. DEVOLUÇÃO. AUTORIZAÇÃO
PREVISTA EM INSTRUMENTO NORMATIVO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 7º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. NÃO PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 297. NÃO CONHECIMENTO. Nos termos do
artigo 462, caput, da CLT, ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos
salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de
dispositivos de lei ou de contrato coletivo. No caso em apreço, a Corte
Regional, ao registrar que não houve comprovação da existência de autorização
prévia do reclamante em relação à integralidade dos descontos salariais
efetuados, não adotou tese explícita sobre a existência de eventual autorização
dos referidos descontos em instrumento normativo. Tampouco foram opostos
embargos de declaração pelas reclamadas a fim de provocar o pronunciamento do
Colegiado Regional sobre o ponto, o que inviabiliza o exame da questão por esta
Corte Superior. Incidência da Súmula nº 297. Impossível, dessa forma,
detectar-se ofensa ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal. Recurso de
revista de que não se conhece. (...). (RR - 926-83.2011.5.04.0381 , Relator
Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 22/08/2018, 4ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 24/08/2018).
Ainda que haja cláusula
específica em acordo ou convenção coletiva, havendo falha por parte
do empregado no exercício de sua função, a empresa deve ponderar quanto ao
total de desconto que será feito no mês, de modo que o valor descontado não
comprometa todo ou a maior parte do salário do empregado, já que o mesmo
precisa dispor de valores para o sustento mensal de sua família.
Assim, irá agir com prudência a
empresa que parcelar o desconto de forma a possibilitar que o empregado seja
responsabilizado pelo ato falho cometido, mas concomitantemente possa manter o
sustento familiar.
Por Sergio
Ferreira Pantaleão é
Advogado, Administrador, responsável técnico pelo Guia Trabalhista e autor
de obras nas áreas Trabalhista e Previdenciária.