Inicialmente, iremos nos debruçar sobre as
hipóteses de cabimento no nosso ordenamento jurídico pátrio para a exclusão de
sócio por justa causa. Tão somente após a análise deste tópico comentaremos o
caso Monark (Flow Podcast), oportunidade
na qual vamos nos restringir ao estudo jurídico das consequências societárias a
partir da repercussão do ato do sócio Bruno Aiub, conhecido no mundo digital
pelo apelido de Monark.
Desde já, temos o dever de esclarecer que
os comentários sobre o ocorrido serão baseados nas informações que foram
divulgadas pela imprensa e não refletem necessariamente a realidade dos fatos,
dado que os autores deste artigo não possuem qualquer relação com os envolvidos.
A exclusão de sócio por justa causa é uma
temática que gera debate tanto na doutrina como na jurisprudência. Por óbvio,
quando estamos diante de um ente societário no qual parte de seus membros
deseja excluir outro da relação jurídica, há cenário conflituoso, no qual já
ocorreu a quebra da affectio
societatis em relação àquele integrante.
Há dois modos de efetivar a exclusão de
sócio por justa causa: extrajudicialmente e judicialmente. A primeira depende
de prévia previsão no contrato social, enquanto a segunda encontra fundamento
direto na legislação. Vejamos.
Com a finalidade de facilitar o
entendimento pelas pessoas leigas no direito, vamos iniciar com a análise da
exclusão do sócio por justa causa extrajudicialmente, a qual somente é cabível
nas hipóteses em que há cláusula no contrato social prevendo a possibilidade de
exclusão de sócio em determinadas circunstâncias.
Para tanto, é necessário o preenchimento de
alguns outros requisitos. Deve haver a pratica de ato que inegavelmente coloque
em risco a continuidade da sociedade e, evidentemente, que o sócio excluído
seja minoritário, ou seja, que este não detenha mais de 50% do capital
social. Isso porque, caso se pretenda excluir sócio majoritário por justa
causa, somente poderá ser feita via ação judicial, uma vez que matematicamente
não há como atingir a maioria do capital para a deliberação.
Todo o exposto apresenta-se em consonância
com o artigo 1.085 do Código Civil de 2002, caput, in verbis:
"Artigo 1.085.
Ressalvado o disposto no artigo 1.030, quando a maioria dos sócios,
representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais
sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de
inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do
contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa".
Constata-se uma vez mais a relevância do
princípio da preservação da empresa possui no Direito Empresarial. Não somente
na norma como também nos documentos societários há uma preocupação latente: a
manutenção da atividade econômica, pois dela advém riquezas, empregos, renda,
bens, serviços, dentre outros elementos fundamentais para a comunidade como um
todo.
Sendo assim, no momento da constituição da
sociedade empresária, quando os futuros sócios estão amparados por uma equipe
de advogados especializada, certamente estes são orientados a dispor
expressamente no contrato social acerca da possibilidade de exclusão de sócio
por justa causa. E não somente isto: esses profissionais, já conhecedores dos
imbróglios mais recorrentes no decorrer da atividade, auxiliam os seus clientes
para intentar abarcar no contrato social e/ acordo de sócios todos os eventuais
problemas e respectivas soluções.
Assim, uma discordância que poderia
resultar na dissolução parcial ou total da sociedade empresária, pode ser
encerrada por uma cláusula bem escrita que preveja exatamente aquela ocorrência
e a resolução em que os sócios acordaram de antemão que fosse aplicada a fim de
o conflito não seja escalonado.
Decerto, quando há uma vontade entre
os sócios de excluir um deles, o desacordo já atingiu grau irreversível, porém
devemos levar em consideração que a dissolução total da sociedade deve ser a
última ratio e,
dentro da dissolução parcial da sociedade, a qual revela-se mais benéfica, há
três meios de formalização: extrajudicialmente, por livre vontade ou por
previsão no contrato social com a devida deliberação pela maioria do capital
social, e judicialmente, a qual trataremos mais detidamente posteriormente.
Em pesquisa ao caso do Monark, vê-se que o
mesmo colocou-se à disposição para sair voluntariamente da sociedade, pois
reconheceu que o seu discurso durante um dos episódios do Flow Podcast
reverberou tão negativamente no público que a única solução para continuidade
das atividades empresariais era a sua saída do quadro societário.
Neste ponto, insta destacar que não faremos
juízo de valor acerca das palavras ditas pelo comunicador, vamos nos ater ao
impacto que sua fala gerou ao tipo societário: no dia imediatamente seguinte,
diversos patrocínios de empresas anunciantes que possibilitavam a manutenção da
estrutura física e do quadro de funcionários foram subitamente cortados,
artistas e outras personalidades que participaram de programas anteriores como
convidados solicitaram a retirada dos vídeos do ar, o que provoca outra
acentuada baixa financeira porque uma vez que os vídeos são retirados das
plataformas, os criadores deixam de receber os adsense (monetização do conteúdo
postado) referente ao conteúdo excluído, a audiência despencou, dentre outras
inúmeras consequências que poderíamos citar.
A permanência do Bruno Aiub (Monark) como
apresentador no podcast e na sociedade empresária acarretaria ainda mais
prejuízos à esta última, pois o ato reprovado pela coletividade partiu tão
somente de sua pessoa. Sendo assim, a sua exclusão naquela oportunidade pareceu
ser medida imperativa para possibilitar a continuidade das atividades
empresárias, a manutenção do emprego de dezenas de pessoas, etc. Em suma,
nota-se que deve ser priorizado o interesse social em detrimento do interesse
individual do sócio.
E nesta hipótese em comento se por acaso
o youtuber não
concordasse com a sua exclusão da sociedade, os sócios que possuem mais de metade
do capital social poderiam deliberar pela exclusão por justa causa e, caso
aprovado, realizar o respectivo protocolo na Junta Comercial de São Paulo, pois
fora verificado que havia essa previsão no contrato social da IB Holding de
Participações Ltda, controladora da Flow Producao De Conteudo Audiovisual Ltda.
Foi amplamente reproduzido nas redes
sociais uma tabela que indica a porcentagem do capital social de cada um dos
integrantes, na seguinte proporção: Bruno Monteiro Aiub (Monark), 49,75%; Igor
Rodrigues Coelho, 49,75%; Gianluca Santana Eugenio, 0,50%. Diante disso, os
dois últimos sócios, Igor e Gianluca, poderiam decidir pela retirada do Monark
da sociedade, corretamente alicerçados na cláusula de exclusão por justa causa
do contrato social.
Por fim, temos a viabilidade do ajuizamento
de ação ordinária de dissolução da sociedade para exclusão de sócio por justa
causa, a qual não necessita de prévia disposição no contrato social, posto que
encontra guarida no art. 1.080 do Código Civil de 2002, caput, ipsis litteris:
"Artigo 1.030.
Ressalvado o disposto no artigo 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser
excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por
falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade
superveniente."
No caso em concreto, não foi necessário
recorrer ao Poder Judiciário pois, apesar do ato do sócio ter nitidamente posto
em risco a continuidade da empresa, é interessante observar que a affectio societatis restou
preservada, apesar de todo o ocorrido e o imenso rombo financeiro suportado
pela empresa como um todo, pois Bruno Aiub retirou-se voluntariamente da
sociedade limitada e mantém boa relação com os seus antigos sócios, o que não é
comum em hipóteses análogas.
Referências Bibliográficas
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da vida empresarial. CHC Advocacia. Publicado em 18.09.2022. Disponível em:
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Monark pode ser demitido ou desligado de sua própria empresa? Entenda o caso. G1,
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Acesso em 31.05.2022.
The Control Contabilidade, CASO MONARK X FLOW | O desligamento Societário,
e o que podemos aprender com isso. Youtube, Publicado em 09.02.22.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=srbREQlV-o4> Acesso em
31.05.2022.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito
societário, v. 1, 8. ed. rev. e atual, São Paulo: Atlas, 2017.
Por Raul
Bergesch é advogado na área do Direito Empresarial, especialista em
proteção patrimonial, sócio-fundador do escritório Raul Bergesch Advogados e
membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão
de Direito Falimentar da OAB-RS, subseção de Novo Hamburgo.