Em 05 de maio de 2022 foi publicada a Resolução nº
2.314/2022 do Conselho Federal de Medicina, que expressamente autorizou e
regulamentou o uso de tecnologias de comunicação para prestação de serviços
médicos no país, a chamada telemedicina.
A nova regulamentação veio para suprir um importante
vácuo legal vez que, com o encerramento da Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional anunciada pelo Ministério da Saúde em abril passado. Os
serviços de telemedicina restaram regulados apenas pela antiga Resolução CFM nº
1643/2002, que restringia, e muito, esse tipo de atividade.
Ocorre que em meio a tantas mudanças que a pandemia
ocasionou, a telemedicina se tornou uma prática bastante recorrente e até
necessária. Em decorrência do distanciamento social e a sobrecarga do sistema
de saúde, a utilização - e consequente regulação - de meios
de comunicação digital entre paciente e médico tornou-se imperativa.
Foi nesse recente contexto, inclusive, que foi
apresentado o Projeto de Lei nº 1.998/2020 ("PL 1.998/20")
pela deputada Adriana Ventura. O texto da proposta visa autorizar e definir a
prática da telemedicina em todo o território nacional, de maneira definitiva e
efetiva após a crise do coronavírus, com fundamento no amplo acesso à saúde
pela população nas áreas mais remotas e para aquela parcela que possui
dificuldade de locomoção como idosos, deficientes, carcerários, entre outros
grupos que já encontravam obstáculos para o atendimento médico ainda antes do
contexto pandêmico.
O PL 1.998/20 foi aprovado pelo Plenário da Câmara em 27
de abril de 2022, também como resposta à lacuna legal decorrente do fim da
Emergência em Saúde Pública, e aguarda apreciação do Senado.
Dada a relevância e o objeto comum da resolução CFM
2.314/22 e do PL 1.998/20, importante pontuar que os textos em questão não são
conflitantes. Ambos buscam disciplinar a prática da telemedicina no território
nacional, cada um em seu limite de atuação e regulação. Saliente-se, inclusive,
que o PL 1.998/20
atribui expressamente ao Conselho Federal de Medicina a competência de
regulamentar os procedimentos mínimos a serem observados na prática desta
modalidade.
Nesse ponto, aliás, a resolução 22 não deixa a desejar.
De forma prática e bastante alinhada às novas tecnologias do mundo
contemporâneo, o documento aborda assuntos e estabelece regras, ainda que
gerais, sobre:
- a capacitação dos médicos no uso de tecnologias
digitais, de informação e comunicação, telepropedêutica e bioética digital, o
que os parece extremamente necessário, principalmente diante da viralização do
uso da internet. Poderíamos citar, inclusive, o uso das redes sociais como meio
de propagação do assunto e a necessária atenção dos profissionais aos limites
impostos por regulações já existentes;
- formato para digitalização, armazenamento e
manuseio do prontuário do paciente através de sistemas informatizados, o que
exigirá dos médicos, por exemplo, uma boa pesquisa sobre sistemas que cumpram
os requisitos da Resolução, além da formalização de contratos/termos de
responsabilidade com tais fornecedores, de modo a compartilhar as
responsabilidades entre o médico e a contratada;
- a utilização de assinaturas eletrônicas e a
emissão de documentos médicos eletrônicos - fato extremamente
corriqueiro nos últimos dois anos, e que demonstrou inúmeros entraves em
inúmeras farmácias e drogarias que não estavam aptas a receber receituários
eletrônicos;
Ainda sobre o tema, cumpre ressaltar que a prática da
telemedicina e seus subtipos pressupõem o tratamento de inúmeras informações de
caráter pessoal dos pacientes, inclusive de dados pessoais sensíveis. Sobre o
tema, tanto a resolução quanto o PL preveem a obrigatoriedade dos
médicos/clínicas/hospitais que ofertarem a telemedicina como um meio
alternativo da prestação de serviços médicos, em cumprir integralmente com as
disposições do Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014 - "MCI")
e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n°
13.709/2018 - "LGPD").
Justamente nesse sentido, a resolução de 2022 foi precisa
ao indicar como necessária adoção de protocolo rígido de segurança digital
pelos agentes de tratamento que optarem pela prática; a obrigatoriedade da
assinatura eletrônica do médico estar em conformidade com a Medida
Provisória n° 2.200-2/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves
Públicas Brasileira (ICP Brasil), trazendo maior autenticidade a estas
assinaturas e; a proibição do compartilhamento das informações do paciente com
outros profissionais, sem consentimento livre e esclarecido deste, garantindo
sua autodeterminação informativa. São as premissas da legislação de proteção de
dados sendo respeitadas, mormente após sua inclusão como direito fundamental na
Constituição.
Nota-se, portanto, que tanto o Poder Legislativo quanto o
Conselho Federal de Medicina caminharam a passos largos nos últimos anos,
diante da necessidade de se legitimar e regulamentar a telemedicina no Brasil.
Em meio à pandemia ocasionada pela Covid-19, surgiu a necessidade de adaptação
da área da saúde, e a ampla difusão da telemedicina foi uma das poucas benesses
desse período tão conturbado. Apesar de entendermos que a prática médica
presencial é e continuará sendo essencial - posicionamento inclusive
presente na própria resolução -, fato é que a telemedicina facilitou
e, consequentemente, ampliou o acesso à saúde pela população.
É por isso que a resolução e o PL (se assim
convertido em lei) são tão importantes: ambas legitimam a telemedicina e, de
forma equânime, visam proteger os dados pessoais dos pacientes, impondo limites
necessários para sua prática cotidiana.
Por Juliana
Sene Ikeda é coordenadora de PI & Life Sciences da equipe de TMT do
escritório Azevedo Sette Advogados em São Paulo.
Lorena
Pretti Serraglio é advogada coordenadora da área de Privacidade e Proteção
de Dados e MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito (EPD).
Gabriela
Soares Mussalam é estagiária da equipe de TMT do escritório Azevedo Sette
Advogados em São Paulo.