A discussão acerca da
confiscatoriedade de multas fiscais em patamar superior ao valor do
próprio imposto cobrado não é nova, havendo precedentes de todos os
Tribunais de Justiça do Brasil sobre o tema, fundamentadas na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal - originada na ADI-RJ 551 e em inúmeros precedentes
posteriores -. O tema se encontra, aliás, em reexame no STF, por conta da
afetação ao rito de repercussão geral (RE 1.335.293 - Tema 1.195)
Todavia, ganha força no Poder
Judiciário outra discussão correlata, no que se refere especificamente à
atualização monetária da base de cálculo dessas penalidades.
Com efeito, em autos de infração
lavrados pelo estado de São Paulo, até mesmo quando a penalidade nominalmente
não supere o valor do imposto (80% por exemplo), verifica-se que, com a
aplicação de "correção" sobre a sua base de cálculo, a multa acaba
superando o valor da obrigação principal.
Só que essa exigência parece
estar com os dias contados, ao menos no que depender do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo.
Realmente, em sessão de
julgamento desta última segunda-feira, dia 6 de junho de 2022, a 5ª Câmara de
Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar a Apelação
Cível nº 1037672-31.2021.8.26.0053, da relatoria da desembargadora Heloísa
Martins Mimessi, após julgar inconstitucional a cobrança de multa acima dos
100% do imposto exigido pela Fazenda (na linha dos precedentes mencionados do
STF), considerou também descabida a atualização monetária da base de cálculo da
mesma penalidade.
Isto porque o fundamento
legal utilizado pela Fazenda para proceder a essa atualização de bases, qual
seja, o § 9º, do artigo 85, da Lei nº 6.374/89, embora preveja que "as multas previstas neste
artigo, excetuadas as expressas em Ufesp, devem ser calculadas sobre os
respectivos valores básicos atualizados", conforme palavras da
relatora do acórdão, "restou
esvaziada, na medida em que o dispositivo legal que tratava da atualização
monetária (art. 97 da mesma Lei 6.374/89), teve sua eficácia suspensa pela Lei
Estadual nº 10.175/98, que passou a adotar para remuneração dos débitos
tributários estaduais a taxa Selic, e, em seu art, 2º suspendeu, a partir de 1º
de janeiro de 1999, a atualização monetária dos débitos fiscais".
Considerou, assim, o TJ-SP
que "não é
admissível que, a pretexto de se atualizar a base de cálculo do imposto para a
fixação da multa, incida a taxa Selic ou os juros inconstitucionais da Lei
Estadual nº 13.918/2009, que congregam correção monetária e juros de mora",
devendo os juros Selic, portanto, ser aplicados em relação à multa unicamente a
partir do mês subsequente à autuação fiscal, e a título de juros de mora e não
correção monetária, suspensa pela própria Administração como antes referido.
Concluiu, assim, o TJ que, não mais existindo na legislação estadual, desde
janeiro de 1999, qualquer índice de correção monetária específico para a atualização
de bases de cálculo de penalidades, inexiste base legal para cobrá-las sobre o
valor atualizado do imposto, sendo assim, "ilícita e ilegítima a cobrança de juros de mora
(Selic) como fosse mera atualização monetária". A decisão
também traz uma série de outras decisões no mesmo sentido, inclusive de outras
Câmaras julgadoras da mesma corte estadual.
Verifica-se, assim, a construção de uma
jurisprudência no TJ-SP, no sentido da ilegalidade da aplicação de qualquer
atualização sobre as bases de cálculo de multas fiscais lavradas pelo estado de
São Paulo, seja com base na Selic ou em qualquer outro índice, os quais,
segundo a própria legislação estadual, servem-se, pela dicção da própria lei
estadual, somente como juros moratórios e não correção, exigíveis, assim, a
partir de sua constituição, ou seja, na data lavratura do auto de infração,
nunca antes.
Perisson
Andrade é advogado tributarista e mestre em Direito Tributário Internacional
pelo Instituto Brasileiro Direito Tributário (IBDT).