Com o aumento de espaços vagos,
principalmente devido à pandemia, um dos modelos de negócios que expande no
mundo do varejo é o de store in store, isto é, loja dentro de loja.
Não é de hoje que, no Brasil e no mundo,
varejistas alugam áreas para outras marcas para reforçar o caixa e oferecer
produtos complementares para os clientes.
Só que este formato vem se aperfeiçoando a
tal ponto que lojistas instalados em um único espaço começam a trabalhar de maneira
diferente, integrada. É algo que vai além de uma simples locação.
Diante dessas mudanças, especialistas e
varejistas dizem que essas parcerias fazem parte de um novo modelo de negócio
chamado de ecossistema para atender demandas de clientes.
As Casas Bahia, localizada na marginal
Tietê, inaugurada no final do ano passado, é um exemplo de store in store no
modelo de ecossistema.
Num mesmo espaço, marcas como Tramontina,
Soneda, Casa Bauducco, Wine.com, Trees & Co. trabalham com as suas equipes
de vendas e marketing para atrair a clientela.
O Diário do Comércio apurou que,
no caso da Casas Bahia, não existe um modelo de contrato que pode ser chamado
de padrão para todas as marcas ali instaladas.
Cada um reflete os objetivos das partes com
o modelo de negócio. O pagamento pelo uso do espaço está relacionado com as
vendas da marca, isto é, um percentual sobre o faturamento.
Se o objetivo da marca é investir pouco
dinheiro, crescer pouco, sem tanta rentabilidade, é um tipo de contrato. Se
entra para ver a operação deslanchar e ser muito rentável, é outro.
Há um acompanhamento mensal de faturamento
e de fluxo de clientes de cada marca, nada muito diferente do que os shoppings
centers fazem o tempo todo.
A diferença é que no caso de shoppings há
um aluguel mínimo a ser pago, que independe se as vendas das lojas foram boas
ou ruins, o que não acontece neste modelo.
O que é comum entre todos é que tanto a
Casas Bahia como as marcas ali instaladas estão comprometidas a ganhar com as
parcerias.
Considerando que a relação entre as partes
já não é mais de um simples aluguel, como se dão os contratos entre as donas do
espaço e as marcas lá instaladas? Há legislação específica no Brasil para
contratos no modelo de loja dentro de loja, considerando as tais novas parcerias?
O Diário do Comércio procurou
varejistas e advogados para responder a essas e a outras perguntas mais
frequentes de comerciantes em relação ao formato store in store.
Não há no país legislação nem contratos
padronizados para este formato de negócio. Vale o que as partes combinam e, em
caso de disputa na Justiça, o que o juiz decide.
"Basicamente, o importante em um contrato
deste tipo é que haja conexão em tudo o que está escrito e o que se pratica no
dia a dia", diz Maria Helena Bragaglia, advogada especializada em contenciosos
civil e consumidor, sócia do escritório Demarest Associados.
Vamos supor que o contrato feito entre a
Casas Bahia e a Tramontina, por alguma falha, não cite que a Tramontina será a
única loja no espaço a comercializar utensílios e panelas.
"Se, eventualmente, outras marcas acabam
entrando ali, e a exclusividade não foi estabelecida em contrato, vai ser
difícil a empresa reclamar de concorrência com outras lojas", afirma.
Daniel Cerveira, advogado especializada em
direito contratual, diz ainda que é preciso estar claro que a loja que detém o
espaço por locação pode sublocar áreas para outras marcas.
"Cláusulas de vigência também são muito
importantes, em caso de o imóvel ser vendido, assim como a quem cabe o seguro
do espaço", diz.
Veja abaixo os principais pontos que, de
acordo com os especialistas, precisam constar em contrato:
· Investimentos e
amortizações
Quando um lojista decide abrir uma loja,
ele desembolsa uma certa quantia de dinheiro e precisa, portanto, de um prazo
para amortizar o investimento.
É importante, de acordo com Maria Helena,
constar no contrato este tempo, no caso de rescisão antecipada do contrato. Se
não tiver, o juiz é que vai determinar no caso concreto.
· Permissão para
sublocação
Qual é a responsabilidade da marca
instalada em um espaço de uma varejista perante o locador? A marca terá uma
provisão de indenização se algo acontecer com o imóvel?
Um caso que exemplifica bem esta situação é
de uma loja da rede Extra, localizada em Sorocaba (SP), que vai dar lugar a uma
loja do Assaí.
A loja que trazia fluxo para os pequenos
empresários localizados na mesma galeria fechou. As lojas tentam sobreviver por
ali em razão de contratos de locação que vigoram até 2024.
Este não é exatamente um caso de store in
store, mas serve para medir os efeitos da saída de uma marca que costuma trazer
fluxo para outra.
· Seguro e limitação
de atividade
A segurança no espaço físico cabe a quem?
· Licenças
administrativas
É importante ainda se informar sobre as
licenças administrativas para uso do imóvel, se o empreendimento está em ordem
para receber clientes, de acordo com regras municipais.
· Espaço e manutenção
de estoques
Quem manuseia o estoque numa operação de
uma loja dentro de loja? A grande ou a pequena? O lojista menor terá espaço
suficiente para estoque, qual o tamanho?
Se um varejista que abriga várias marcas
vai à falência e há uma ordem para arresta e penhora de bens, como ficam os
produtos das lojas que estão dentro de uma loja maior?
· Publicidade
O material publicitário fica a cargo da
dona do espaço ou das lojas menores?
Em caso de erro em material publicitário,
quem se responsabiliza perante o consumidor?
· Renovação de
contrato
É preciso prestar atenção também em prazos
para renovação de contrato.
Um contrato que permite que uma loja
sublocada possa renovar contrato pode deixar a loja que alugou presa, caso
queira sair do imóvel.
· Horário de
funcionamento
Horário de funcionamento, políticas de
preços (se opera como outlet ou não) e seguro do imóvel precisam estar em
contrato.
Hoje, de acordo com Maria Helena,
legislações que envolvem os marketplaces digitais são as que mais atendem às
necessidades do modelo de loja dentro de loja.
Vale lembrar, diz ela, que o STJ, por meio
de uma decisão, já anunciou que a relação jurídica entre intermediador e fornecedor
é atípica, cabendo ao julgador definir responsabilidades.
O que vale, portanto, é o que as partes
combinam. Por isso, ao decidir participar deste ecossistema, o lojista tem que
ter bem claro os direitos e as obrigações das partes.
Fonte:
Diário do Comércio (SP)