Com o intuito de proteger os
dados pessoais, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei nº
13.709/2018) atribuiu uma significativa importância à prevenção de incidentes.
O artigo 46 estipula a obrigação de adoção de medidas de segurança pelos
agentes de tratamento - ou seja, pelos controladores e operadores.
Esses incidentes de segurança são definidos, segundo a Autoridade Nacional de
Proteção de Dados (ANPD), como qualquer evento adverso, confirmado ou sob
suspeita, relacionado à violação na segurança de dados pessoais.
Conforme o artigo 48 da
referida norma, caso ainda assim sejam detectados esses tipos de ocorrência, os
controladores - responsáveis pelas tomadas de decisões acerca do
tratamento de dados - devem comunicá-los, sempre que puderem
acarretar graves riscos ou danos, à ANPD e ao titular dentro de prazo razoável.
Não obstante a LGPD preveja que a autoridade nacional especificará em quanto
tempo deve ser feita tal comunicação - assim como a partir de quando
tal prazo deverá ser contado, não há até então uma regulamentação nesse
sentido.
Muito embora a LGPD delineie
o modelo fiscalizatório responsivo, baseado na celeridade da comunicação de um
possível incidente de segurança pelos controladores e operadores, certo é que a
adoção de tal medida somente terá eficácia se a resposta da ANPD também ocorrer
dentro de prazo razoável.
Atualmente a ANPD recomenda
que essas comunicações sejam realizadas o mais brevemente possível e
indica - a título indicativo - o prazo de dois dias
úteis, contados da tomada de conhecimento sobre o incidente. Esse lapso
temporal recomendado pela autoridade nacional baseia-se no artigo 18, §1º, do
Decreto nº 9.936, de 24 de julho de 2019 [1]:
"DOS
PROCEDIMENTOS NA HIPÓTESE DE VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES
Artigo 18. Na
ocorrência de vazamento de informações de cadastrados ou de outro incidente de
segurança que possa acarretar risco ou prejuízo relevante a cadastrados, o
gestor de banco de dados comunicará o fato:
I - à Autoridade Nacional
de Proteção de Dados, na hipótese de ocorrência que envolva o fornecimento de
dados de pessoas naturais;
II - ao Banco Central do
Brasil, na hipótese de ocorrência que envolva o fornecimento de dados prestados
por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; e
III - à Secretaria
Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, na
hipótese de ocorrência que envolva o fornecimento de dados de consumidores.
§1º A comunicação de que
trata o caput será feita no prazo de dois dias úteis, contado da data do
conhecimento do incidente, e mencionará, no mínimo:
I - a
descrição da natureza dos dados pessoais afetados;
II - as informações sobre
os cadastrados envolvidos;
III - a indicação das
medidas de segurança utilizadas para a proteção dos dados, inclusive os
procedimentos de encriptação;
IV - os riscos
relacionados ao incidente; e
V - as medidas que foram
ou que serão adotadas para reverter ou mitigar os efeitos do prejuízo".
A redação de tal artigo do
decreto, inclusive, guarda semelhanças com a redação do §1º do artigo 48
da LGPD dispõe, sobretudo no que tange aos elementos mínimos que devem constar
na comunicação do incidente de segurança, quais sejam: a) a descrição da
natureza dos dados pessoais afetados; b) as informações sobre os titulares
envolvidos; c) a indicação das medidas técnicas e de segurança utilizadas para
a proteção dos dados, observados os segredos comercial e industrial; d) os
riscos relacionados ao incidente; e) os motivos da demora, no caso de a
comunicação não ter sido imediata; e f) as medidas que foram ou que serão
adotadas para reverter ou mitigar os efeitos do prejuízo.
Nesse sentido, caberá à
autoridade nacional analisar a gravidade do incidente e determinar as
providências necessárias para garantir a proteção dos dados dos titulares, que
podem variar desde uma ampla divulgação do fato até outras medidas capazes de
reverter ou mitigar os efeitos do incidente. Esses dispositivos demonstram a
importância de garantir medidas de proteção aos dados de forma preventiva e
repressiva, sobretudo comunicando a ocorrência de incidentes o quanto antes aos
titulares dos dados e à ANPD.
Dentro do modelo
fiscalizatório responsivo adotado pela ANPD, a demonstração da cooperação e a
boa-fé dos agentes de tratamento ocupam um espaço bastante importante.
Inclusive, chegam a ser alguns dos critérios analisados pela autoridade
nacional ao decidir se e quais sanções administrativas serão aplicadas,
consoante o artigo artigo 52, §1º, da LGPD [2].
A autoridade nacional tem
reforçado, a partir dessa abordagem responsiva, que o objetivo dos
procedimentos fiscalizatórios é focado, principalmente, na indução ao
comportamento aderente à LGPD, sem que seja necessário chegar a um processo
sancionador. De tal forma, a intenção é investir nas ferramentas de
monitoramento, orientação e prevenção, a fim de que a repressão funcione
como ultima ratio,
quando não for possível a adequação com os demais recursos.
Por conseguinte, a fase de
monitoramento desse processo fiscalizatório - perante a Autoridade
Nacional de Proteção de Dados - consiste no acompanhamento dos
setores, a fim de que sejam coletadas informações e subsídios capazes de
contribuir para as ações de fiscalização. Nesta lógica, a etapa de orientação
atua com base nos subsídios obtidos com o monitoramento, e foca em atividades
de instrução a partir de ações educativas, disponibilização de guias, de modelos
de documentos, do reconhecimento de boas práticas, entre outras.
Na fase de prevenção, por sua
vez, o objetivo principal é reconduzir o agente regulado à conformidade com a
Lei Geral de Proteção de Dados. Assim, visa evitar situações que possam gerar danos
aos titulares e constitui-se como uma ligação intermediária entre os processos
de orientação e repressão.
Nessa fase negocial
preventiva, são firmados compromissos entre a autoridade e os agentes de
tratamento. Tal processo não implica, necessariamente, a aplicação de sanções;
todavia, caso não sejam cumpridas tais incumbências, poderá ser iniciada a
etapa de repressão.
Como uma última medida antes
da instauração do processo sancionador, a ANPD realiza uma comunicação aos
regulados, no formato de aviso, na qual consta prazo para resposta e
regularização. Logo, caso não sejam realizadas medidas efetivas dentro do tempo
estipulado pela autoridade nacional, parte-se para a apuração formal das
infrações à LGPD - representada pela fase de repressão.
Nesse ínterim, é instaurado
processo administrativo sancionador, e caso seja comprovada conduta ilícita,
será aplicada a sanção cabível. Em síntese, tal etapa repressiva contempla os
seguintes estágios: 1) instauração do processo administrativo sancionador, 2) determinação
de medidas de instrução, 3) proferimento de decisão e 4) fase
recursal - assegurando os princípios da ampla defesa e do
contraditório. Enfim, a autoridade nacional ressalta que a postura do agente de
tratamento é crucial para definir como se ocorrerão as fases desse processo
fiscalizatório responsivo.
No tocante às sanções, cabe
ratificar que a aplicação daquelas específicas da LGPD compete privativamente à
ANPD, conforme o artigo 55-K [3] da aludida
norma. O artigo 52 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, as tipifica
mediante nove tipos, quais sejam: advertência, multa simples, multa
diária, publicização da infração, bloqueio dos dados pessoais, eliminação dos
dados pessoais, suspensão parcial ou total do funcionamento do banco de dados,
suspensão do exercício da atividade de tratamento e proibição parcial ou total
do exercício de atividades.
Diante deste contexto, percebemos
a relevância que é destinada à cooperação dos agentes de tratamento no decorrer
desses processos no âmbito da ANPD, e de como a comunicação de incidentes de
segurança à autoridade - feita dentro de prazo razoável - é
tida como uma demonstração colaborativa, pela autoridade. Isso revela a
importância que a comprovação da realização das comunicações adequadas e da
adoção de medidas de segurança tem no processo fiscalizatório, com o potencial
de atenuar ou afastar as sanções administrativas.
No entanto, tal panorama faz
emergir o seguinte questionamento: qual seria o prazo razoável de resposta da
ANPD acerca de tal comunicação sobre incidente de segurança? Se a
finalidade da brevidade de tal comunicação - por parte dos
agentes - reside na possibilidade de mitigar os efeitos do mesmo o
quanto antes, por meio da análise do caso pela autoridade nacional e da
recomendação de medidas, é necessário que também exista uma previsão de prazo
de resposta da ANPD.
Desse modo, da mesma maneira
que é recomendado aos agentes de tratamento o breve prazo de dois dias úteis
para relatar o incidente, seria imprescindível que a autoridade nacional se
manifesta sobre o mesmo em duração razoável. Entretanto, não há ainda previsão
ou equiparação legal nesse sentido.
Embora a Resolução CD/ANPD nº
1, de 28 de outubro de 2021 - que regulamenta o Processo de
Fiscalização e do Processo Administrativo Sancionador no âmbito da Autoridade
Nacional de Proteção de Dados - estipule o prazo de dez dias úteis
para algumas ações processuais, como apresentação de defesa pelo agente de
tratamento, não se localiza em tal normativa previsão alguma acerca do prazo de
resposta da própria autoridade nacional.
Em tal situação, a
observância ao princípio constitucional da duração razoável do processo administrativo - constante
no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal - faz-se
extremamente necessária para que se protejam, de fato, os dados pessoais. Logo,
não basta que exista prazo para a notificação por parte dos agentes de
tratamento, sem que haja uma reciprocidade no que tange à celeridade por parte
da autoridade nacional.
Em que pese não exista uma
precisão acerca do que seria essa duração razoável, tendo em vista que cada
caso possui suas particularidades - as quais merecem ser verificadas
no caso concreto, tem sido recomendado o prazo de dois dias
úteis - por equiparação - para os agentes de tratamento
realizaram a comunicação dos incidentes. Então, o mesmo poderia ser feito no
que concerne à manifestação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados acerca
dessas comunicações.
Nesse contexto inicial de
incertezas, é comum que sejam visualizadas lacunas acerca de algumas
regulamentações. Entretanto, é importante que não só a sociedade civil, mas
também a Administração Pública fique atenta e se manifeste acerca dessas
ausências, com o fim de possibilitar uma maior segurança jurídica e
transparência acerca desses novos processos.
Referências
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cd/anpd-n-1-de-28-de-outubro-de-2021-355817513
https://www.gov.br/participamaisbrasil/norma-de-fiscalizacao-da-anpd
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9936.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
Por Kelly
Oliveira de Araujo é advogada, sócia-fundadora do escritório Kelly Araújo
Advocacia, sócia do escritório Felipe Santa Cruz Advogados Associados,
especialista em Direito Público, mestranda em Direito Constitucional pela
Universidade de Brasília (UnB) e ex-Diretora de Política Judiciária do
Ministério da Justiça.