No âmbito das relações comerciais, há
empresas que possuem dentre o seu objeto social a cessão temporária de mão de
obra, que consiste em colocar trabalhadores à disposição do contratante para realização
de serviços relacionados ou não com a atividade fim do tomador.
Para tanto, as empresas de mão de obra
podem atuar de maneiras distintas, havendo situações em que são meras
intermediadoras entre o contratante e o empregado, funcionando como uma espécie
de agenciadora, com remunerações exclusivamente por comissões, e outros casos
em que são prestadoras de serviços próprios.
A depender do seu modelo de atuação, a
prestadora dos serviços de mão-de-obra elaborará seu contrato de prestação de
serviços, que poderá ter disposição pelo pagamento de um preço global,
abrangendo todo o custo envolvido do serviço contratado (a exemplo de
alimentação e transporte), ou de pagamento somente das comissões, com os custos
esporádicos reembolsados pelo tomador acaso seja necessário. Então, discute-se
qual será a base de cálculo para fins de incidência de tributos, a exemplo de
PIS e Cofins, bem como do próprio ISSQN.
Para se chegar à conclusão de qual a forma
mais correta para fins de tributação dos valores percebidos pela prestadora de
serviços, volvemos à forma de atuação da pessoa jurídica e contratação pelos
tomadores.
Caso a empresa funcione como simples
intermediadora da contratação da mão-de-obra, posteriormente realizada pelo
próprio tomador dos serviços, afiguraria a responsabilidade deste último por
arcar com encargos trabalhistas e sociais dos trabalhadores temporários, a
exemplo dos custos com alimentação e transporte.
Na hipótese do parágrafo anterior, se o
prestador dos serviços, atuante como mero intermediador e remunerado
exclusivamente por comissões, viesse a assumir os eventuais custos, estes
poderiam ser entendidos como mero reembolso de despesas, de modo a não incidir
tributação por não constituir faturamento da empresa, tampouco compor o preço
total do serviço. Portanto, ao nosso sentir, estaria em conformidade à
legislação acaso emitida nota de débito para reembolso, que consiste em um
documento utilizado para a cobrança de valores em que não se aplica a emissão
de notas fiscais, podendo ocorrer tanto entre empresa e funcionários quanto
somente entre pessoas jurídicas. Para evitar questionamento pelos órgãos
fiscalizadores, é recomendável o detalhamento pormenorizado de cada parcela que
se pretende o reembolso, bem como a segregação nas demonstrações contábeis.
Ao revés, se a contratação é realizada pela
própria prestadora de serviços, que a cede a um terceiro contratante, a maioria
dos ônus devem ficar a cargo do prestador de serviços, por constituírem custos
inerentes ao serviço prestado, compondo o preço total do que é cobrado ao
tomador, salvo aqueles custos esporádicos que representem de fato reembolso de
despesas que porventura possa ter o cedente da mão de obra.
Nota-se que ao contrário do intermediador,
a empresa que atua com a cessão de mão de obra própria assume todas obrigações
concernentes ao trabalhador cedido, e os custos, que não necessariamente devem
refletir a exatidão do que fora arcado pelo prestador (pois não é remunerado
exclusivamente por comissões), representam dispêndios para a consecução do
serviço contratado, ainda mais fácil a visualização nos casos de obrigações
trabalhistas.
Em outros termos, no primeiro caso, o preço
do serviço seria equivalente à taxa de administração, que é a forma de
remuneração da pessoa jurídica. Na segunda situação, o preço do serviço recai
sobre o total da receita percebida. Fazendo essa distinção em análise acerca do
ISSQN, destaca-se a jurisprudência do STJ, que em julgamento pela sistemática
dos recursos repetitivos, assim decidiu:
"TRIBUTÁRIO.
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO
SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA ? ISSQN. AGENCIAMENTO DE MÃO-DE-OBRA
TEMPORÁRIA. ATIVIDADE-FIM DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. BASE DE CÁLCULO.
PREÇO DO SERVIÇO. VALOR REFERENTE AOS SALÁRIOS E AOS ENCARGOS SOCIAIS.
1. A base de cálculo do
ISS é o preço do serviço, consoante disposto no artigo 9°, caput, do
Decreto-Lei 406/68.
2. As empresas de
mão-de-obra temporária podem encartar-se em duas situações, em razão da
natureza dos serviços prestados: (i) como intermediária entre o contratante da
mão-de-obra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho; (ii) como
prestadora do próprio serviço, utilizando de empregados a ela vinculados
mediante contrato de trabalho.
3. A intermediação
implica o preço do serviço que é a comissão, base de cálculo do fato gerador
consistente nessas 'intermediações'.
4. O ISS incide,
nessa hipótese, apenas sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço
pago ao agenciador, sua comissão e sua receita, excluídas as importâncias
voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores.
Distinção de valores
pertencentes a terceiros (os empregados) e despesas com a prestação. Distinção
necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários.
5. A exclusão da
despesa consistente na remuneração de empregados e respectivos encargos da base
de cálculo do ISS, impõe perquirir a natureza das atividades desenvolvidas pela
empresa prestadora de serviços. Isto porque as empresas agenciadoras de
mão-de-obra, em que o agenciador atua para o encontro das partes, quais sejam,
o contratante da mão-de-obra e o trabalhador, que é recrutado pela prestadora
na estrita medida das necessidades dos clientes, dos serviços que a eles
prestam, e ainda, segundo as especificações deles recebidas, caracterizam-se
pelo exercício de intermediação, sendo essa a sua atividade-fim.
6. Consectariamente,
nos termos da Lei 6.019, de 3 de janeiro de 1974, se a atividade de prestação
de serviço de mão-de-obra temporária é prestada através de pessoal contratado
pelas empresas de recrutamento, resta afastada a figura da intermediação,
considerando-se a mão-de-obra empregada na prestação do serviço contratado como
custo do serviço, despesa não dedutível da base de cálculo do ISS.
'Art. 4º -
Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica
urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas,
temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados
e assistidos.
(...) Art. 11 - O
contrato de trabalho celebrado entre empresa de trabalho temporário e cada um
dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora ou cliente
será, obrigatoriamente, escrito e dele deverão constar, expressamente, os
direitos conferidos aos trabalhadores por esta Lei.
(...) Art. 15 - A
Fiscalização do Trabalho poderá exigir da empresa tomadora ou cliente a
apresentação do contrato firmado com a empresa de trabalho temporário, e, desta
última o contrato firmado com o trabalhador, bem como a comprovação do
respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias.
Art. 16 - No caso de
falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é
solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias,
no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em
referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta
Lei.
(...) Art. 19 -
Competirá à Justiça do Trabalho dirimir os litígios entre as empresas de
serviço temporário e seus trabalhadores.'
7. Nesse diapasão, o
enquadramento legal tributário faz mister o exame das circunstâncias fáticas do
trabalho prestado, delineadas pela instância ordinária, para que se possa
concluir pela forma de tributação.
8. In casu, na
própria petição inicial, a empresa recorrida procede ao seu enquadramento
legal, in verbis: 'Como demonstra seu contrato social (documento anexo), a
Impetrante tem como objetivo societário a locação de mão-de-obra temporária, na
forma da Lei nº 6.019/74.
Em contraprestação a
essa terceirização, conforme cópia exemplificativa de contrato em anexo
(documento anexo), as empresas contratantes ou tomadoras de seus serviços realizam
o pagamento da remuneração do trabalhador terceirizado e o pagamento do spread
da Impetrante, qual seja, a chamada taxa de administração, conforme cópia
exemplificativa de nota fiscal em anexo (documento anexo).
Entretanto, por
inconveniência contábil e exigência ilegal do Fisco, está
"autorizada" a somente emitir uma nota fiscal para receber os seus
serviços, onde a taxa de administração, despesas e remuneração do terceirizado
são pagas de forma conjunta.'
9. O Tribunal a quo,
a seu turno, assentou que: 'Para melhor esclarecer a questão faz-se necessário
definir a relação jurídica e as partes envolvidas.
11. Verifica-se,
pois, que existe a empresa tomadora do serviço de mão-de-obra, a empresa
prestadora agenciadora do serviço de mão-de-obra e o trabalhador que irá
prestar o serviço.
12. Em decorrência
disso, existe também um contrato entre a empresa tomadora do serviço e a
empresa agenciadora, bem como entre a empresa agenciadora e trabalhador. Nesse
sentido, a empresa agenciadora, no caso a apelada, irá determinar ao
trabalhador que execute um determinado trabalho, sendo que ele será remunerado
pela execução da tarefa. Dessa forma, a empresa agenciadora de mão-de-obra
recebe a taxa de administração e o reembolso do valor concernente à remuneração
do trabalhador, da empresa tomadora do serviço.
13. Assim, o único
serviço que a empresa agenciadora de mão-de-obra presta é o de indicar uma
pessoa (trabalhador) para a execução do trabalho e a remuneração bruta é o
pagamento que recebe (taxa de administração).'
10. Com efeito,
verifica-se que o Tribunal incorreu em inegável equívoco hermenêutico,
porquanto atribuiu, à empresa agenciadora de mão-de-obra temporária regida pela
Lei 6.019/74, a condição de intermediadora de mão-de-obra, quando a referida
lei estabelece, in verbis: 'Art. 4º - Compreende-se como empresa de trabalho
temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em
colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores,
devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.
(...) Art. 11 - O
contrato de trabalho celebrado entre empresa de trabalho temporário e cada um
dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora ou cliente
será, obrigatoriamente, escrito e dele deverão constar, expressamente, os
direitos conferidos aos trabalhadores por esta Lei.
(...) Art. 15 - A
Fiscalização do Trabalho poderá exigir da empresa tomadora ou cliente a
apresentação do contrato firmado com a empresa de trabalho temporário, e, desta
última o contrato firmado com o trabalhador, bem como a comprovação do
respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias.
Art. 16 - No caso de
falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é
solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias,
no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em
referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta
Lei.
(...) Art. 19 -
Competirá à Justiça do Trabalho dirimir os litígios entre as empresas de
serviço temporário e seus trabalhadores.'
11. Destarte, a
empresa recorrida encarta prestações de serviços tendentes ao pagamento de
salários, previdência social e demais encargos trabalhistas, sendo, portanto,
devida a incidência do ISS sobre a prestação de serviços, e não apenas sobre a
taxa de agenciamento.
12. Recurso especial do
Município provido, reconhecendo-se a incidência do ISS sobre a taxa de
agenciamento e as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e
encargos sociais dos trabalhadores contratados pelas prestadoras de serviços de
fornecimento de mão-de-obra temporária (Lei 6.019/74). Acórdão submetido ao
regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008."
(REsp n.
1.138.205/PR, relator Ministro Luiz Fux, 1ª Seção, julgado em 9/12/2009, DJe de
1/2/2010).
Assim, conclui-se que as sociedades
empresárias que possuem como escopo a cessão de mão de obra temporária, deverão
avaliar sua própria forma de atuação para fins de recolhimento dos tributos
federais, como PIS, Cofins, IRRF e CSSL, e do imposto sobre serviços, com o
devido amparo documental. Igualmente, a distinção deve ser observada pelos
tomadores, devido à possível incumbência de efetuar a retenção dos tributos em
nota fiscal.
Por fim, ressaltamos que caso os órgãos
fiscalizadores federais e municipais verifiquem que o que fora declarado pelos
contribuintes não esteja em conformidade com a legislação, e não havendo o
devido amparo documental pelas pessoas jurídicas, estas poderão ser autuadas
para cobrança dos tributos já mencionados.
Por Matheus
Braga de Almeida Silva é advogado, associado à sociedade de advogados APA
Advocacia Estratégica, e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de
Direito Milton Campos (MG).