Apesar da grande relevância prática, há
pouco debate sobre a vinculação do acordo de acionista aos administradores e
sobre o polêmico parágrafo 8 do artigo 118 da Lei nº 6.404/1976 (LSA), sendo
certo que, até o momento, não há posição consolidada na doutrina sobre o tema.
O referido parágrafo define que "o presidente da assembleia ou do
órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com
infração de acordo de acionistas devidamente arquivado". De
um lado, alguns autores defendem a possibilidade absoluta da vinculação ao
acordo, privilegiando, portanto, a soberania do poder de controle. De outro, há
aqueles autores que, mais alinhados com os debates modernos de governança
corporativa e independência dos administradores no cumprimento de seus deveres
fiduciários, defendem a impossibilidade da vinculação em função da presunção de
imparcialidade que é exigida nas deliberações da administração.
Este debate é ainda mais interessante
quando estamos diante de um parecer prévio (mecanismo que pode ser previsto em
acordo de acionistas) formulado em assembleia geral para orientação de voto dos
conselheiros em reunião do conselho de administração. Muito embora os
conselheiros sejam indicados pelos acionistas em sede de assembleia geral,
quando o conselheiro julga que a orientação de voto apresentada pelo acionista
é incompatível com o interesse social, ou com a lei, a problemática se instala.
Daí, naturalmente, surgem algumas dúvidas,
cujas respostas envolvem um certo grau de complexidade e subjetividade: (1) as
disposições de um acordo podem invadir e se sobrepor ao campo de competência
típico do conselho de administração? (2) o parecer prévio é vinculante aos
conselheiros ou seria apenas uma recomendação de conduta?; (3) seria o
interesse dos acionistas sempre o interesse social? E se o administrador
discordar do acionista sobre o que seria o melhor interesse social? Ainda assim
ele responderá pelos seus deveres fiduciários?
Neste caso vislumbramos dois possíveis
cenários: (1) ainda que em discordância, o conselheiro pode acatar a orientação
do acionista (em alguns casos, fazendo constar em ata a ressalva de que, apesar
de julgá-la incompatível ao interesse social ou à lei, entende estar vinculado
ao acordo de acionistas que o elegeu); ou (2) o conselheiro pode seguir a sua
convicção e não acatar a orientação, privilegiando o seu próprio entendimento e
priorizando os seus respectivos deveres fiduciários.
Bom, primeiramente é necessário dar um
passo atrás para analisar brevemente a natureza e efeitos jurídicos dos acordos
de acionistas. Diferentemente do que ocorre em outros países, acordo de
acionistas possui uma posição peculiar no ordenamento jurídico brasileiro,
sendo definido como um "acordo parasocial", que nada mais é que um
instrumento que visa definir regras externas ao contrato da sociedade. Assim,
os acordos de acionistas são considerados estruturas paralelas à organização
tipicamente societária, sujeitas a um regime contratual obrigacional e
ingressaram no regime societário por meio, por exemplo, da criação de regras
que reforçam a eficácia do seu conteúdo e que passam a vincular a sociedade.
O acordo de acionistas é mecanismo
regulador do exercício do poder e de controle de seus signatários, e, portanto,
muitas vezes é comum que o acordo confira ao controlador poderes amplos sobre
os demais órgãos da sociedade. Em alguns casos, é possível afirmar que o
acordo, em sua característica contratual privada, pode até mesmo invadir as
competências privativas da administração conferida por lei societária. Neste
sentido, vale lembrar que o artigo 139 da LSA [1] veda
a transferência dos poderes e atribuições conferidos pela LSA aos órgãos de
administração para qualquer outro órgão.
É inegável que o controlador tem a
legitimamente para definir os rumos da sociedade - e que essa legitimidade é
conferida e reforçada por lei, mas, é necessário que haja limites ao poder de
controle, de modo a evitar excessos e violação da organização de governança e
invasão de competências impostas pela lei societária.
Neste sentido, ainda cabe ressaltar a dualidade
enfrentada pelos membros do conselho de administração: de um lado o conselheiro
possui seus deveres fiduciários e certa liberdade e independência no exercício
de suas funções, de outro lado, é detentor de certa dimensão política e de
representação - quase que mandatário - do acionista que o indicou.
Portanto, os autores que entendem que o
acordo de acionistas não vincula os administradores, defendem esta posição por
acreditar que a vinculação violaria: (1) a independência dos administradores,
uma vez que a liberdade de ação destes fica restringida diante da postura
passiva que lhes é imposta pela vinculação; (2) o princípio da indelegabilidade
das funções, considerando que a vinculação permite que na prática os
controladores tomem decisões de competência típica do conselho de
administração; e (3) a própria função do conselho de administração, por
importar em um esvaziamento de suas funções, uma vez que, se os seus votos já
estiverem previamente vinculados a um regramento imposto pelos acionistas, não
há que se falar em deliberação, mas tão somente em ratificação da decisão do
controlador.
Neste cenário, a vinculação relativa nos
parece ser a opção mais razoável e correta a ser adotada. O administrador é
dotado de capacidade interpretativa em relação ao interesse social, sendo certo
que em determinados casos de competência privativa do conselho de
administração, é possível que prevaleça a interpretação do conselheiro em
relação à interpretação do controlador.
Segundo os autores que defendem esta
corrente, o conselheiro está vinculado ao que lhe é imposto nos termos do
acordo, porém, "caso
se depare com situação na qual está convicto de que a instrução do controlador
fere o interesse social ou é ilegal, deve desobedecê-la", sem
que isso importe na inadimplência de seus deveres.
Ante o exposto, apesar de reconhecer a
complexidade do tema, bem como a ausência de soluções fáceis aos problemas que
dele derivam, entendemos que a possibilidade relativa da vinculação dos
administradores ao acordo de acionistas se apresenta a interpretação mais
adequada.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
· VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito
comercial. v. 3. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 335. 62;
· MUNHOZ, Eduardo Secchi. Estrutura de Governo dos Grupos
Societários de Fato na Lei Brasileira. In CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge; GUERREIRO, Carolina Dias Tavares (coord.).
Direito Empresarial e Outros Estudos em Homenagem ao Professor José Alexandre
Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 286;
· YAZBEK, Otavio. A vinculação dos administradores das
sociedades aos acordos de acionistas - exercício de interpretação do §8 do art.
118 da Lei nº 6.404/1976. In: Revista de Direito das Sociedades e dos Valores
Mobiliários. Vol. 1. Maio/2015. p. 17-38;
· FREITAS, Bernardo Vianna et al. Poderes dos administradores
e acordo de acionistas: apontamentos gerais e o caso da Usiminas. In: Revista
de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários. Vol. 2. Novembro/2015. p.
71-114.
Autores: Alessandra Salgado é sócia do BRZ Advogado e Isabela Hohl é
advogada do BRZ Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico