Em 1899, o escritor Rudyard Kipling, que
seria laureado com o prêmio Nobel de Literatura em 1907, publicou a obra "American Notes",
na qual ele descreve que os bares do Velho Oeste tinham por prática oferecer
"almoço grátis" aos seus clientes que compravam uma bebida.
Ocorre que era comum que as refeições fossem extremamente salgadas, de forma
que eles acabavam comprando mais bebidas e, com isso, o retorno obtido com a
venda das bebidas já era superior ao montante dos custos decorrentes do
"almoço grátis".
A expressão "não há almoço
grátis" foi popularizada pelo economista Milton Friedman, laureado
com o prêmio Nobel de Economia de 1976, que, em 1975, publicou a obra "There ain't no such thing as a
free lunch"[1], na qual apresenta a sua
premissa de que qualquer subsídio, gasto ou ineficiência politicamente imposta
será paga por alguém.
Tal alegoria é bastante interessante na
medida em que pode ser trazida para o âmbito das decisões empresariais. Assim,
são muitos os gastos que são suportados por uma empresa para que ela possa
exercer as suas atividades empresariais e obter receitas.
O fato de que um determinado gasto é
registrado contabilmente como uma despesa, diminuindo o resultado contábil, não
implica a sua dedutibilidade para fins de apuração do imposto de renda. Assim,
há a regra geral de dedutibilidade prevista no artigo 47 da Lei n. 4.506/64
pela qual são operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à
atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora.
Além da referida regra geral de dedução das
despesas, há uma série de regras específicas, tais como as regras de
dedutibilidade dos brindes e das amostras.
Neste artigo, o foco se dará única e
exclusivamente sobre a dedutibilidade das despesas com amostras grátis, ainda
que a alegoria do "almoço grátis" possa se enquadrar em maior ou
menor grau tanto com as amostras quanto com os brindes.
O artigo 54 da Lei n. 4.506/64[2] trata especificamente da dedutibilidade das
despesas de propaganda na base de cálculo do imposto de renda, quando elas
estão diretamente relacionadas com a atividade explorada pela empresa.
Dentre as hipóteses de propaganda contidas
no referido dispositivo legal, constam de forma expressa as despesas relativas
às amostras, mais precisamente no artigo 54, V, da Lei n. 4.506/64.
Vale notar que as amostras em referência
podem se referir àquelas distribuídas gratuitamente por laboratórios químicos
ou farmacêuticos, mas também àquelas distribuídas por outras empresas que
utilizem esse sistema de promoção de venda de seus produtos.
O referido dispositivo legal determina
ainda que para que ocorra a dedutibilidade das amostras, torna-se indispensável
que:
(i) a distribuição das
amostras seja contabilizada nos livros de escrituração da empresa, pelo preço
de custo real;
(ii) a saída das amostras
esteja documentada com a emissão das correspondentes notas fiscais; e
(iii)o valor das amostras
distribuídas em cada ano não ultrapasse os limites estabelecidos pela Divisão
do Imposto de Renda (atualmente Receita Federal do Brasil), até o máximo de 5%
da receita bruta obtida na venda dos produtos, tendo em vista a natureza do
negócio.
Cumpre ressaltar ainda que a Receita
Federal poderá admitir que as despesas de amostras ultrapassem,
excepcionalmente, o limite de 5% da receita bruta obtida na venda dos produtos,
nos casos de planos especiais de divulgação destinados a produzir efeito além
de um exercício, devendo a importância excedente daqueles limites ser
amortizada no prazo mínimo de três anos, a partir do ano seguinte da realização
das despesas.
No âmbito infralegal, há atos normativos
que irão regular o tema de forma mais detalhada.
A título de ilustração, o Parecer Normativo
CST nº 15/76 traz uma distinção entre brindes e amostras, estabelecendo
que os brindes se destinam a promover a organização (ou empresa) e não
necessariamente seus produtos, ao passo que as amostras são objetos
distribuídos gratuitamente, com a finalidade de promoção, e que são de diminuto
ou nenhum valor comercial.
De maneira ainda mais específica, o Parecer
Normativo CST nº 17/76 previu que o percentual de 5%, limitativo da
despesa de propaganda com amostras, se aplica à receita bruta global dos
produtos elaborados, de forma que o cálculo do limite não deverá ser feito de
forma individualizada para cada produto.
Feitas as considerações gerais sobre o
tema, analisaremos os precedentes do Carf que tratam do assunto.
No Acórdão 1401-000.769 (de 10/4/12), foi dado
provimento ao recurso voluntário, de forma unânime, de modo que foi reconhecida
a dedutibilidade das despesas com amostras grátis para fins de apuração do
imposto de renda.
Nesse sentido, constou no voto do
conselheiro relator que a despesa com amostra grátis não se confunde com a
despesa com brindes, sendo que ainda que tivesse ocorrido uma imprecisão
terminológica e a despesa com amostras ter sido erroneamente denominada como
despesa com brindes, isto não lhe retiraria a dedutibilidade uma vez que a amostra
tem por objetivo a divulgação dos produtos, mormente quando os produtos
oferecidos fazem parte da linha de produção da empresa, havendo citação
expressão do Acórdão nº 101-95.823 (de 19/10/06) do antigo Conselho de
Contribuintes.
No Acórdão nº 1401-001.499 (de
20/01/16), foi negado provimento, de forma unânime, ao recurso de ofício, de
forma que foi mantido o entendimento já manifestado na DRJ de que seriam
dedutíveis as despesas com amostras grátis.
Constou inclusive no voto do conselheiro
relator que: "resta claro ser dedutível, como despesa de propaganda, o
valor das amostras distribuídas, até o máximo de 5% da receita líquida que,
segundo entendimento fixado pela Receita Federal, mediante o Parecer Normativo
CST n° 17, de 27 de fevereiro de 1976, é aquela obtida na venda de todos os
produtos da mesma linha (farmacêuticos)".
No presente acórdão foi manifestado o
entendimento de que o cálculo do limite de 5% da receita bruta não deve ser
feito de acordo com a receita de cada produto, mas sim do total da receita
bruta da venda de todos os produtos da mesma linha.
No Acórdão nº 1201-002.332 (de
14/8/18), foi dado provimento ao recurso voluntário, por unanimidade, de forma
que foi reconhecida a dedutibilidade das despesas com amostras de uma empresa
do setor de blindagem.
Para tanto, foi levado em consideração que
o montante das amostras grátis distribuídas pela empresa representaram apenas
0,2% de sua receita bruta, de modo que o limite previsto na lei foi devidamente
atendido.
Também foi apontado no voto do conselheiro
relator que haveria uma necessidade de envio de amostras aos clientes para que
houvesse inclusive uma diminuição das perdas com a devolução de pedidos
inteiros, por eventuais imperfeições do produto ou insatisfação das indústrias
de vidro.
No Acórdão nº 1302-003.995 (de
15/10/19), constou no voto do relator que os documentos apresentados pelo
contribuinte não foram considerados suficientes para comprovar as despesas com
amostras, sendo que constou expressamente ainda que a maior parte dos documentos
apresentados não guardavam qualquer relação com os valores glosados.
Diante de tal cenário, somente foi
reconhecida a dedutibilidade de uma parcela das despesas com amostras em que se
entendeu que houve comprovação da despesa, de forma que foi dado provimento
parcial ao recurso voluntário, de forma unânime.
Diante do exposto, nota-se que a maior
parte das decisões tem sido favoráveis aos contribuintes, desde que eles tenham
devidamente comprovado que as amostras estão diretamente relacionadas com a
atividade explorada pela empresa, bem como estejam preenchidos os requisitos do
artigo 54, V, da Lei nº 4.506/64, isto é, tenham ocorrido os seguintes
requisitos: (i) a distribuição das amostras seja contabilizada nos livros de
escrituração da empresa, pelo preço de custo real; (ii) a saída das amostras
esteja documentada com a emissão das correspondentes notas fiscais; e (iii) o
valor das amostras distribuídas em cada ano não ultrapasse 5% da receita bruta
obtida na venda dos produtos, sendo que o cálculo de tal limite não deverá ser
feito individualizada por produto.
Autor:
Alexandre
Evaristo Pinto é conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais
da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em
Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em
Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito
Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário
(IBDT) e presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos
Contribuintes no Carf (Aconcarf).
Fonte: Revista Consultor Jurídico