O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis
(ITBI) é o tributo de competência municipal sobre as transações
imobiliárias, disciplinado no artigo 156, II, da
Constituição e nos artigos 32 a 42 do Código Tributário Nacional.
O fato gerador desse imposto consiste na alienação por ato
"intervivos" e de forma onerosa, abarcando em regra todo tipo de
transmissão. Ou seja, não só na compra e venda de imóveis, mas também nos
diversos institutos estabelecidos no Código Civil, como por exemplo a permuta e
a cessão de posse, operando-se mediante o registro do negócio jurídico,
conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça no AgRg nos EDcl no AREsp
784.819/SP.
Todavia, existem algumas situações em que o ITBI não poderá ser cobrado em
virtude das normas imunizantes, especificamente, pode-se citar três tipos de
imunidades, as quais impedem que os municípios realizem a cobrança deste
tributo aos contribuintes.
A primeira imunidade consiste nos direitos reais de garantia sobre imóveis,
aplicada à hipoteca e à anticrese, disciplinados nos artigos 1.473, I e 1.506,
do Código Civil, respectivamente.
As demais normas imunizantes estão dispostas do artigo 156, §2º, I, da
Constituição, a saber:
"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
§ 2º. O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos
incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem
sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação,
cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade
preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos,
locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil".
Assim, no que tange à redução da carga tributária dos casos elencados acima, a
imunidade do ITBI se tornou um atrativo para os empreendimentos imobiliários,
bem como para os planejamentos sucessórios e restruturações patrimoniais, uma
vez que a condição para adquirir a imunidade
seria a preponderância da atividade, a qual não poderia ser
imobiliária.
Na praxe, a interpretação do dispositivo constitucional comumente ocorria nesta
premissa orientada pela preponderância da atividade não imobiliária, a qual
pode ser identificada com base na receita operacional da empresa.
Dentro da perspectiva deste costume, não havia a preocupação sobre o valor do
bem incorporado, vez que incidia a imunidade do ITBI sobre todos os bens
imóveis em integralização do capital social, desde que observada a
preponderância não imobiliária. Nesse sentido, firmou entendimento o Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul AP nº 70037092442 / RS.
Porém, a Constituição Federal no artigo 156, §2º, I,
restou omissa sobre a questão relacionada ao alcance dessas
imunidades tributárias, visto que não se sabe se a norma imunizante alcança
somente o valor do limite da integralização do capital social, ou todo o valor
do bem imóvel integralizado.
Além disso, constatou-se um equívoco de interpretação em relação a ressalva
realizada no dispositivo, pelo qual acarretará em uma nova tese tributária, a
ser explanada mais adiante neste artigo.
Ações judicias tributárias tramitaram a fim de solucionar o questionamento
sobre essa omissão, até que em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal
julgou o Recurso Extraordinário nº 796.376 (Tema 796), em que se discutia a
imunidade relacionada ao ITBI e a sua exigência de pagamento sobre a diferença
entre o valor do capital social integralizado com os imóveis e o valor total
destes bens incorporados a empresa, sendo a diferença destinada para a conta de
reserva de ágio.
Por conseguinte, o STF, por maioria, fixou a seguinte tese proposta pelo o
ministro Alexandre de Morais: "A imunidade em relação ITBI, prevista
no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor
dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".
Em seu voto, o ministro Alexandre de Morais, aduziu que reconhecer a imunidade
do ITBI para os imóveis incorporados ao patrimônio da empresa, no que tange a
parte que não foi destinada à integralização do capital subscrito, seria
admitir uma interpretação extensiva de imunidade, vedada pelo ordenamento
jurídico brasileiro.
Ademais, complementou que não poderia a título de "pretexto de
criar-se uma reserva de capital, (...) imunizar o valor dos imóveis excedente
às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao fisco
municipal".
O caso concreto chama a atenção em virtude de a diferença de valores entre o
capital social e os imóveis incorporados, chegando ao montante de R$ 778.724, o
qual estaria totalmente livre de imposto caso o entendimento do STF fosse
diverso, o que demonstra o impacto financeiro da discussão.
Dessa forma, restou definido pelo STF que a imunidade do ITBI não é admitida
sobre o valor que exceder o capital social que foi integralizado, assim,
incidirá ITBI sobre a diferença entre o capital social integralizado e o valor
total do bem imóvel incorporado e considerado na transação.
Nota-se que o cerne da questão discutida pelo Supremo no RE
nº 796.376 (Tema 796), tratou sobre a norma imunizante do
ITBI e o seu alcance sobre o valor dos bens que exceder o limite do capital
social a ser integralizado.
Ocorre que o ministro Alexandre de Morais, no bojo do seu voto,
interpretou o inciso I do § 2º do artigo 156 da Constituição, aduzinho que a
exceção prevista nesse inciso não se aplica à imunidade prevista na primeira
parte do inciso I. Isto é, o benefício da imunidade constitucional também
poderá ser aplicado para os contribuintes com atividade preponderantemente
imobiliária. Eis que surge uma nova tese para os contribuintes.
Portanto, o STF segregou o dispositivo, dividindo-o em três momentos: a parte
inicial a qual trata da imunidade nos casos de incorporação em realização de
capital; a segunda parte a qual versa sobre a imunidade nos casos decorrentes
de fusão, incorporação, cisão ou extinção da empresa; e a parte final tratando
da não configuração de imunidade nos casos em que a atividade preponderante do
adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens
imóveis ou arrendamento mercantil.
Esmiuçando o tema, o ministro esclareceu em
seu voto:
"a segunda oração contida no inciso I - 'nem sobre a transmissão de bens
ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa
jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a
compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento
mercantil' - revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de
compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil.
Isso fica muito claro quando se observa que a expressão 'nesses casos' não
alcança o 'outro caso' referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do
art. 156 da CF".
Ou seja, a segunda parte do inciso acima trata de uma imunidade
condicionada a não exploração pelo adquirente da atividade imobiliária de forma
preponderante, enquanto a primeira parte, trata-se de uma imunidade
incondicionada, desde que obedeça ao teto do valor do capital subscrito,
portanto, pouco implicando, neste último caso, o tipo de empresa e a
preponderância de sua atividade ser ou não imobiliária, uma vez que a exceção
do artigo 156, §2º, I, da CF, aplica-se somente à segunda parte da norma em
questão.
A decisão proferida pelo Supremo no RE nº 796.376 causa por um lado a derrota
do contribuinte no que toca a obrigatoriedade ao pagamento do ITBI da quantia
destinada à formação da reserva de capital (não isenta), nos casos de
integralização dos bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de
capital.
Por outro lado, abre a possibilidade para as empresas que mesmo exercendo a
atividade preponderantemente imobiliária possam se beneficiar do não recolhimento
do ITBI quando da integralização de seus imóveis, respeitando o limite da cota
a ser integralizada, portanto, mudando a tradição e indo de encontro ao
entendimento majoritário dos tribunais, dado que o parâmetro para fins de
cobrança do ITBI era a análise da existência ou não de atividade preponderante,
mesmo nos casos de integralização de capital.
Autor:
Eduardo Rodrigues Brito é advogado do
escritório Monteiro e Monteiro Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de novembro de 2022, 21h38