A legislação de regência da Contribuição ao PIS e da Cofins permite a
apuração de créditos (como nos demais casos, mediante aplicação,
respectivamente, das alíquotas de 1,65% e 7,6% Cofins) em relação ao aluguel de
prédios, máquinas e equipamentos, conforme se depreende do inciso IV do artigo
3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Na apropriação de créditos nos termos do inciso IV, estes serão
calculados no momento do dispêndio sobre o valor da locação, sendo que o
montante estará contabilizado como custo da sociedade.
Pela leitura do dispositivo legal, percebemos que o requisito traçado
pelo legislador para fins de tomada do crédito em questão é que os gastos com
aluguel sejam direcionados à atividade da empresa. Dessarte, o aluguel não
precisa ser necessariamente ligado ao setor fabril ou a prestação de serviços
para ser legítimo. Nesse sentido, mesmo a despesa com aluguel relativo à área
administrativa da pessoa jurídica, ou aquele tido por sociedades comerciais,
pode gerar crédito da Contribuição ao PIS e da Cofins [1].
São esses os requisitos legais a serem observados para a tomada do
crédito, segundo o inciso IV do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Traçadas tais premissas, passamos então ao tema central da coluna de
hoje: a previsão legal do crédito em virtude do pagamento de aluguéis de
prédios, máquinas e equipamentos possui alguns pontos controversos na
jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que
merecem nossa atenção [2].
O primeiro deles consiste em saber se outro requisito que poderia ser
aventado como limitador do direito ao crédito em comento é a necessidade
de registro público do contrato de aluguel. Entretanto, como já visto, a
legislação afirma que é necessário que exista a contratação de aluguel de
prédios, máquinas e equipamentos, sem nada mencionar sobre a necessidade de
registro público. Disto, já constamos a injuridicidade da aventada restrição.
A principal finalidade dos registros públicos é garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (conforme artigo 1º da
Lei nº 6.015/73 - Lei dos Registros Públicos), na função de regulamentar o
artigo 236 da Constituição Federal [3], quando dispõe sobre serviços
notariais e de registro. Neste contexto normativo, o registro de documentos é
importante para que tenham oponibilidade a terceiros, mas não consiste em
requisito de validade dos documentos. Essa é a inteligência do artigo 221 do
Código Civil.
Corroborando tal normativa de direito material, na Seção VII do Código
de Processo Civil (CPC) encontramos os dispositivos que confirmam a validade e
os efeitos dos instrumentos particulares, em termos probatórios/processuais.
O artigo 408 do CPC atesta que "as declarações constantes do documento
particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em
relação ao signatário". Ainda, conforme estabelece o artigo
412, "o documento particular de cuja autenticidade não se duvida prova
que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída".
Assim, a menos que a autoridade fiscal, no ínterim do procedimento de
fiscalização, entenda que os atos praticados pelo contribuinte não são
merecedores de fé, demonstrando eventual abuso na composição em documentos, que
não corresponderiam a realidade (cf. artigos 428 e 429 do CPC), não se pode
glosar o crédito decorrente de gastos com o pagamento de aluguel sob o
argumento de ausência de seu registro público. Assim já se manifestou o Carf,
na ocasião do julgamento do Processo nº 13227.900123/2012-81 (Acórdão nº 3402-006.650).
O segundo ponto de debate é entender se arrendamento de imóvel rural está
amparado pelo artigo IV dos artigos 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003,
garantindo o crédito das contribuições. Ou seja, deve-se aferir se a expressão
"aluguel de prédio" compreende o contrato de arrendamento rural.
A resposta é afirmativa.
Não existe no ordenamento jurídico brasileiro um conceito expresso e
próprio de "prédio". Podemos encontrar, todavia, a conceituação legal
de "prédio rural" no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964.), que em
seu artigo 4º, define "imóvel rural" como prédio rústico, de área
contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração
extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos
de valorização, quer através de iniciativa privada.
Disto percebe-se que o conceito de "prédio" se relaciona ao de
"imóvel", e não necessariamente a edificação, o edifício de múltiplas
unidades verticalizadas.
A Solução de Consulta Cosit nº 331, de 21 de junho de 2017, consolida o
ponto, bem como o entendimento de que o "arrendamento" deve ser
entendido como "locação" para fins de aplicação do artigo 3º. Inciso
IV das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003.
Adotando tal entendimento, é tranquila atualmente a jurisprudência do
Carf no sentido de afastar glosas de crédito sob o argumento de que
arrendamentos rurais não estariam englobados pelo dispositivo em comento (e.g. Acórdão
nº 9303-007.535 e 9303-011.464).
Raciocínio semelhante foi utilizado para reverter glosas: 1) de
gastos com aluguéis áreas docas, citando a Solução de Consulta 331/2007, para
concluir que "a sólida fundamentação doutrinária é bastante
para demonstrar que o conceito de prédio albergado pela legislação tributária
vai muito além do edifício, abrangendo tudo aquilo que, por natureza ou por
acessão, seja bem imóvel destinado às atividades do locatário" (Acórdão nº
3201-005.321); 2) de custos com aluguel de dutos
e terminais, que por acessão ao solo, incorporarem-se a ele para sua utilização,
tendo natureza de prédio para fins de inclusão na sistemática de creditamento
das contribuições não-cumulativas (Acórdão nº 3402-002.923 e Acórdão nº
3301-010.373).
Temos também significativa controvérsia sobre a viabilidade de crédito
para os casos de aluguel de veículos (automóveis, caminhões, entre outros).
Em regra, a Receita Federal veda o direito ao crédito para a hipótese de
aluguel de veículos [4]. O órgão afirma que os veículos não se enquadram
na noção básica de máquinas e equipamentos.
Por outro lado, o Carf, embora criterioso e restritivo[5], já permitiu o
crédito a título de aluguéis de veículos, desde que tenham relação com a
atividade da empresa e que se demonstre a sua relevância para o seu processo
produtivo [6]. Nota-se, portanto, que o Carf, embora por vezes se atenha à
análise do inciso IV das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 [7], em
determinadas situações avalia, no caso concreto, mediante as provas produzidas,
a própria relevância ou essencialidade [8] do aluguel dos veículos
para o processo produtivo empresarial, pautando-se, de certo modo, pela noção
de insumo prevista no inciso II das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Contudo, deve-se destacar que, estando adstritos ao crédito com fulcro
no inciso IV (afora do tratamento do aluguel de veículos como insumo do
processo produtivo ou prestação de serviço), a equiparação entre veículo e
máquina foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.818.422,
ao tratar do cálculo de amortização a ser utilizado para fins de creditamento.
Outro ponto relevante se refere à extensão da base de cálculo do
crédito.
Como consabido, normalmente os locatários arcam com o adimplemento, por
estipulação contratual com seus locadores, de outras parcelas que, embora
relacionadas, não se confundem com o aluguel propriamente dito. É o caso de
impostos (e.g. IPTU), taxas e de despesas condominiais. A dúvida que
exsurge, então, é se tais parcelas compõem o crédito de PIS/Cofins tomado pelo
locatário.
Não se olvida que existe discussão sobre eventual necessidade ampliação
dos dizeres legais, em razão das disposições da Constituição Federal acerca da
não cumulatividade da Contribuição ao PIS e da Cofins (artigo 195, §12º),
aparentemente resolvida recentemente pelo STF ao fixar o tema 756 de
repercussão geral. De toda forma, na seara do contencioso administrativo,
impelido a aplicação da lei sem análises de cunho constitucional (Súmula Carf
nº 2), a atividade fica restrita à averiguação dos dizeres da lei, entendendo
seu conteúdo, mas sem criar hipótese de direito ao crédito à margem da
legislação que regula o tema (artigo 26-A do Decreto 70.235/72).
Justamente no sentido de se manter fiel à escolha estrita do legislador
de conferir o crédito tão somente aos valores dispendidos a título de aluguel,
e não outros montantes, a Receita Federal já se manifestou em diversas
oportunidades afirmando que as demais obrigações decorrentes do contrato de
locação, como tributos (taxas e impostos, em especial, IPTU [9] e ITR),
despesas condominiais [10] e taxa de ocupação do solo [11],
juros e multa pelo pagamento a destempo do aluguel [12] não estão
inseridos no valor a título de aluguel, impedindo então o respectivo crédito.
Esse posicionamento é em larga medida corroborado pelo Carf, ao afirmar
que "o termo 'aluguel' contempla tão somente a remuneração pela locação
de coisa não fungível, no sentido definido pela legislação civil. Despesas
condominiais têm natureza distinta de pagamento de aluguel, de forma que seu
creditamento não encontra amparo no inciso IV do art. 3º das Leis n.
10.637/2002 e 10.833/2003, por serem regras de exceção que não comportam
interpretação extensiva" (Acórdão nº 3401-008.826) [13].
Mas o tema encontra divergência no contencioso administrativo.
Entendimento oposto foi esposado nos Acórdãos 3301-007.117 e
3301-003.874 que, lembrando a jurisprudência do STJ a respeito da situação do
locatário no âmbito do IPTU (AgRg no REsp 836.089/SP; AgRg no AREsp
259.738/MA), conclui que "o locatário não integra a relação
jurídico-tributária relativa do IPTU e, consequentemente, tanto o crédito
fiscal não lhe pode ser exigido quanto ele prescinde do direito de solicitar
repetição de indébito ou de impugnar o lançamento fiscal. O entendimento é que
o fundamento jurídico do dever de o locatário pagar o valor relativo ao IPTU
não é de natureza tributária, mas civil, especificamente, a cláusula do
contrato de aluguel que contempla essa obrigação". Por essa
razão, afastou-se a glosa de despesa de IPTU, uma vez que o crédito deveria ser
outorgado com base no artigo 3º, inciso IV das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
No mesmo sentido foi proferido o Acórdão nº 3402-008.251, sob o
argumento de que as despesas periféricas relacionadas aos contratos de aluguel,
quais sejam, IPTU, taxas condominiais e outras despesas contratualmente
estabelecidas, integram o custo de locação nos termos do artigo 22 da Lei nº
8.245/91 - que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos
a elas pertinentes - e devem ser consideradas para fins de apropriação de
crédito das contribuição ao PIS e da Cofins.
De todos esses exemplos que causam discussão a respeito da exegese do
inciso IV do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, percebemos que de
fato é impossível esperar que a legislação tributária elenque, um a um, todos
os tipos de negócios jurídicos que possuem proximidade quanto a sua natureza
jurídica, para fins de regulação do sistema da não cumulatividade da
Contribuição ao PIS e da Cofins e do respectivo direito ao crédito.
Firme sobre a impossibilidade de se estender os dizeres da lei criando
hipótese de direito ao crédito à margem da vontade de quem, com legitimidade
democrática, o assegurou, fica ao Carf a função assumir tal incapacidade do direito
de regular todos os eventos sociais ao estabelecer as hipóteses normativas,
averiguando se os casos concretos a elas se amoldam. Assim tem feito o Tribunal
Administrativo, engrandecendo seu papel de intérprete competente da intrincada
não cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins.
[4] Cf. Solução de Consulta nº 18/2012.
Esse entendimento foi ratificado pela Solução de consulta Cosit nº 99110, de 12
de setembro de 2017 e pela Solução de consulta Disit/SRRF06 nº 6004, de 08 de
abril de 2020.
[5] Acórdão nº 9303-011.943 e Acórdão nº
3201-007.344.
[6] Acórdão nº 9303008.575.
[8] Acórdão 3401-00.618 e Acórdão n.
3402-003.064.
[10] Solução de Consulta Cosit Nº 248, de 20
de agosto de 2019.
[11] Solução de Consulta nº 115/2012.
Autora: Thais de
Laurentiis é conselheira titular do Carf, vice-presidente da Turma 1.201,
árbitra no CBMA, doutora e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de
Direito da USP - com período na Sciences Po/Paris -, especialista pelo Ibet, graduada
pela Faculdade de Direito da USP, associada do IBDT e professora de Direito
Tributário e Direito Aduaneiro em cursos de pós-graduação e extensão
universitária.
Fonte: Revista Consultor Jurídico