A sociedade limitada é o tipo societário
mais popular no país, isto é fato. Sob este formato, vemos desde grandes
indústrias até um simples mercado. Dentre cerca de 6 milhões de sociedades
empresárias ativas no Brasil[1], pelo menos 5,9 milhões
são Limitadas. A grande maioria, em torno de 85%, são formadas por dois sócios,
dentre as quais 53,20% não têm um controlador[2].
Outra realidade conhecida é que grande
parte dessas empresas possuem um contrato social com cláusulas simplórias e
muitas das vezes mal redigidas. Até as empresas de grande porte vivem essa
realidade. Esse cenário existe, pois, muitas vezes o empresário está, naquele
momento, mais preocupado com o negócio em si, dando prioridade em criar renda
ou faturar mais. Ou ainda, pelo custo mais elevado de se elaborar um bom
contrato social, vez que, abrir uma empresa é oneroso e muitas vezes não sobra
capital para investir em um contrato social completo.
Entretanto, nota-se com frequência que, não
se preocupar que o documento mais importante da sua empresa (contrato social)
seja bem redigido e elaborado representando a realidade e circunstâncias do
negócio pode acarretar em eventual custo infinitamente superior, podendo causar
inclusive o encerramento de empresas ou sua insolvência.
Possuir um documento que abarque as
deliberações entre os sócios e de forma[3] personalizada
disponha as intenções de cada um, em conjunto com os objetivos da sociedade e
como ela será regida é indispensável para a perenidade das empresas, não apenas
no surgimento delas, como também no decorrer de sua trajetória, visto que
empresas e relações societárias inevitavelmente sofrem transformações, sejam
elas alterações de objetos sociais, quadro societário, objetivos, entre outras,
todas essas possibilidades devem estar contempladas no contrato social.
O verdadeiro inconveniente ocorre
principalmente quando as cláusulas do contrato social atendem apenas a
interesses particulares dos sócios ou não são redigidas levando em consideração
as especificidades da sociedade e do negócio em si.
Em razão disso, é amplamente comum nos
depararmos com contratos sociais que possuem cláusulas genéricas dispondo,
dentre outros assuntos, sobre quóruns para deliberações sociais. Na maioria das
vezes as regras são criadas apenas para cumprimento de protocolo, sem a devida
reflexão dos motivos para tanto, e tampouco nos reflexos caso ocorra um fato
concreto.
Portanto, um contrato social mal redigido
ou que não tenha sido elaborado considerando a realidade da empresa gera enorme
risco à existência da sociedade. Tais riscos são consequências de quando não há
regras suficientes para lidar com situações diversas, as quais já estão
previstas no Código Civil, como por exemplo, a destituição de um administrador
ou a venda de parte do capital.
Recentemente, fomos surpreendidos com um
grande imbróglio ocasionado por uma cláusula contratual mal redigida e
completamente sem nexo com a realidade da sociedade. A matéria detinha cunho
extremamente complexo e ocasionava em diferentes versões interpretativas.
O caso citado ocorreu a partir de uma
sociedade limitada com dois sócios, cujo capital social é de R$ 1 milhão a qual
possuía um contrato social de apenas três páginas, com uma cláusula de
caráter genérico determinando que "qualquer alteração do contrato
social" dependia, para sua validade, da assinatura e aprovação
unânime dos sócios e justamente em razão disso, o sócio majoritário, que
detinha 70% do capital, não era controlador efetivo.
Eventualmente, a relação societária se
tornou conflituosa em razão de determinadas condutas por parte do sócio
minoritário e para solucionar parte da questão, seria necessário destituí-lo
como administrador. E então, deparou-se com evidente obstáculo para sanar a
referida questão, pois ambos os sócios eram nomeados administradores no
contrato social, e logicamente o sócio minoritário não votaria contra si pela
respectiva destituição.
E mesmo após a realização de reunião de
sócios, devidamente realizada seguindo os termos do contrato social e do Código
Civil, a qual deliberou pela destituição do administrador e sócio minoritário,
a situação não se tornou pacificada.
Sendo assim, face ao cenário relatado foram
provocadas as seguintes reflexões: cláusulas genéricas com quórum de
unanimidade de sócios para alteração do contrato social incidem sobre os
quóruns de matérias específicas, tal qual a destituição do administrador? E se
explorado a fundo, há ainda outra questão de maior complexidade a ser apurada:
quais matérias requerem alteração de contrato social? Para destituição de
administrador, é suficiente o registro da ata de deliberação de sócios?
Inicialmente, cabe elucidar que existem
dois tipos de alterações no que tange ao registro público de empresas,
são elas, a alteração simples, a qual basta incluir as modificações em um
documento que servirá como um anexo ao contrato social original e, portanto,
deve ser averbado às margens do contrato social; e a alteração consolidada,
ocasião na qual o contrato social utilizado até então é substituído por outro
atualizado, onde reúnem-se todas as mudanças e todas as cláusulas em um único
documento com a respectiva consolidação, cumulando na efetiva validade do
documento como contrato social da empresa.
Diante do referido cenário, o melhor
raciocínio para solucionar o entrave ocasionado na sociedade citada seria
verificar em qual tipo de alteração do contrato social a destituição do
administrador se encaixava, pois foi constatado que a alteração simples não
dependeria de aprovação unânime.
Em pesquisa junto aos Tribunais de Justiça
e Cortes Superiores, observou-se que estes determinam que a unanimidade
prevista para alterações no contrato social dizia respeito apenas às alterações
genéricas. Em caso análogo, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou que
cláusula contratual que prevê a anuência da unanimidade dos sócios para
modificações no contrato social se dirige apenas para alterações no contrato
social em geral, não sendo aplicável à quóruns específicos, como a de
destituição do cargo de administrador, por exemplo. Vejamos:
"A cláusula
contratual prevista no contrato social que prevê a anuência da unanimidade dos
sócios para modificações no contrato social se dirige para alterações no
referido contratual social em geral, não tratando de destituição do cargo de
administrador." (STJ - AgRg no REsp 1.537.682 - 4ª Turma - j.
15/12/2015 - julgado por Luis Felipe Salomão)
A referida cláusula sob julgamento no STJ
tratava genericamente de modificações contratuais e não especificamente da
destituição de administradores, assim como ocorreu no caso citado.
Por essa razão, julgou-se obrigatória a
previsão de cláusula expressa de deliberação unânime para a destituição de
sócio nomeado administrador no contrato, visto que "a destituição de sócio
nomeado administrador no contrato e alteração social são temas distintos na
legislação vigente e exigem, pra fins de deliberação quóruns específicos",
conforme trecho do acórdão de caso análogo citado acima, julgado no STJ.
Importante ressaltar que, a respeito da
destituição de administrador, nos termos do artigo 1.063 §1º do Código Civil, é
necessária a aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade
do capital social. A exceção, para disposição contratual diversa, exige que
haja previsão expressa de quórum específico para a matéria.
Há também a incidência de outros julgados
no mesmo sentido, veja-se:
"Para a
destituição de um sócio da administração da empresa, a exigência de unanimidade
afrontaria a interpretação integrativa ou sistemática dos dispositivos que
disciplinam a sociedade limitada", evidenciando a interpretação
sistemática do artigo 1.063, § 1° do Código Civil." (TJ-SP -
Acórdão 9215399-88.2007.8.26.0000/50000 - j. 8/11/2011 - julgado por Viviani
Nicolau)
De forma complementar, a Instrução
Normativa nº 81 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração
(Drei) é clara ao dispor que a destituição de administrador pode ser feita em
ato separado, ou seja, independe de alteração consolidada do contrato social:
4.8. ADMINISTRADOR -
DESIGNAÇÃO/DESTITUIÇÃO E RENÚNCIA[4]
A designação e
destituição de administrador dependerão da observância do quórum de
deliberação. [...]
[...] Nota: A
designação/destituição do administrador pode ser feita em ato separado e
independente de alteração do contrato social, com a devida repercussão no
cadastro, nos termos do art. 1.071, II e III, do Código Civil.
Isto posto, voltando ao caso em análise,
concluiu-se que para a destituição de sócio administrador deve haver cláusula
específica no contrato social da empresa que preveja a necessidade de quórum
superior ao que está disposto no Código Civil e a partir disso, foi admissível
a destituição do sócio minoritário do cargo de administrador vez que, era de
vontade expressa do sócio majoritário, o qual detinha 70% das quotas, a efetiva
destituição.
Entretanto, a tarefa de promover a
averbação da ata de deliberação que culminou com a destituição do administrador
em questão foi árdua, com diversas notas de devolução e inúmeros
esclarecimentos para comprovar à Junta Comercial competente a distinção aqui
tratada.
Diante do caso prático exemplificado acima,
nota-se que o contrato social é bastante relevante para o sucesso da empresa e
a garantia dos sócios entre si e para com a sociedade, vez que, se houvesse
regulamentação expressa acerca do quórum para destituição de administrador ou
ainda a inexistência de cláusula de unanimidade genérica, não seriam
necessárias as diversas medidas e análises burocráticas que foram realizadas em
razão da generalidade das cláusulas do contrato social, o que certamente gera
insegurança nos sócios e pode significar sérios prejuízos à empresa.
Portanto, a destituição de administrador
por deliberação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do
capital social é regular, possível e não representa alteração do contrato
social da sociedade, havendo tanto embasamento legal quanto jurisprudencial
acerca da questão.
Conclui-se, a partir da análise do caso
prático relatado que, o contrato social deve conter todos os elementos
necessários para dispor acerca das particularidades de cada empresa e seus
respectivos sócios a partir de uma elaboração mais cautelosa e detalhista do
documento, visando que a sociedade esteja resguardada em eventuais
intercorrências, evitando contratempos.
[4] 4.8.
ADMINISTRADOR - DESIGNAÇÃO/DESTITUIÇÃO E RENÚNCIA
A designação e destituição de administrador
dependerão da observância do quórum de deliberação. A renúncia de administrador
torna-se eficaz, em relação à sociedade, desde o momento em que esta toma
conhecimento da comunicação escrita do renunciante; e, em relação a terceiros,
após o registro. Para o arquivamento da renúncia, é indispensável a comprovação
da ciência da sociedade, por qualquer meio admitido em direito.
A comunicação
escrita poderá ser recebida por qualquer pessoa (exceto o próprio renunciante),
no endereço da sede. Nota: A designação/destituição do administrador pode ser
feita em ato separado e independente de alteração do contrato social, com a
devida repercussão no cadastro, nos termos do art. 1.071, II e III, do Código
Civil.
Autores:
Antônio
de Pádua Faria Júnior é advogado no escritório Pádua Faria Advogados.
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduado em
Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Direito Tributário). LLC em
Direito Empresarial pelo Insper. Mestre em Direito pela Unesp (Universidade
Estadual Paulista).
Maria Eduarda Romeiro é estagiária no escritório Pádua Faria Advogados.
Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico