Ferramentas
baseadas no uso de inteligência artificial (IA) têm sido cada vez mais adotadas
para facilitar e otimizar as mais variadas atividades humanas. No âmbito da
jurisdição tributária, não é diferente. Nas últimas décadas, a IA tem sido
diretamente utilizada pela administração tributária em sua missão de arrecadar
tributos, tendo em vista as vantagens proporcionadas por sistemas eletrônicos.
Concentrando fatores como uma alta capacidade de identificação de padrões e uma
maior praticidade de aproveitamento dos dados coletados, as tecnologias
baseadas em IA têm capacidade para aperfeiçoar as cobranças realizadas pelo
Fisco, promovendo-lhe diversos benefícios.
Um benefício imediato
da utilização da inteligência de máquina é a maior eficiência na fiscalização e
percepção de tributos. O computador, alheio aos sentimentos e subjetividades
inerentes ao ser humano (ao menos, em tese [1]), tem
o potencial de agir de maneira lógica, seguindo fórmulas matemáticas
padronizadas. Dessa forma, além de reduzir a ocorrência de falhas humanas, seu
uso permite sistematizar as operações de fiscalização dos contribuintes e de
cobrança dos valores devidos, colaborando com celeridade, economia e
produtividade para consecução dos objetivos da administração.
As melhorias com
a eficiência são incrementadas pela maior facilidade no acesso e na compreensão
dos dados por parte do Fisco. E isso se dá, em adição à disposição de
mecanismos capazes de propor inferências antes despercebidas pelo ser humano,
pela maior possibilidade de troca de informações entre jurisdições e pela
capacidade de aproveitamento de dados provenientes de diferentes fontes no meio
digital.
Nesse sentido,
outro benefício resultante da adoção de tais tecnologias é a possibilidade de
mapeamento de inadimplentes e potenciais inadimplentes. A partir do momento em
que se torna exequível a apuração sistematizada de informações dos
contribuintes, com acesso a ampla base de dados, facilita-se a identificação de
padrões com relação às particularidades dos maus pagadores. Informações como
estas auxiliam, por sua vez, no entendimento acerca da realidade, permitindo
uma tomada de decisões mais consciente por parte de autoridades do setor.
Por todos os
fatores aqui elencados, vê-se que a utilização de IA proporciona avanços à
Administração no sentido de reduzir a sonegação, o que a faz despontar como
ferramenta importante na busca por uma distribuição mais equânime da carga
tributária.
É necessário
observar, contudo, que o uso de tal tecnologia sem os devidos cuidados traz
consigo relevantes riscos ao cumprimento das garantias e direitos fundamentais
dos contribuintes por parte do Estado.
Podem-se citar,
nesse sentido, as ameaças ao direito à intimidade e ao sigilo fiscal
decorrentes do uso e do armazenamento de dados por parte da Administração. Se,
por um lado, a mera utilização e retenção de dados dos contribuintes
configuram, nos termos do artigo 145, § 1º, da Constituição [2], recursos
para execução das atividades designadas ao Fisco, a concentração e a
estruturação de tais informações, ligadas ao processo de utilização da IA,
mostram-se elementos valiosos para compreender a realidade íntima dos pagadores
de impostos. Justamente por esse motivo e considerando o grande número de
contribuintes que têm suas informações gravadas pela Administração, vê-se se
tratar de base de dados que confere amplo poder a quem a ela tem acesso, seja
do poder público, seja do setor privado.
Em primeiro
lugar, é possível constatar que a posse de tamanha amplitude de informações
ordenadas, nas mãos do Estado, gera risco de vigilância indevida dos cidadãos
por parte de autoridades. A disponibilidade desses elementos em repertórios da
Receita abre caminho para sua aplicação ilegítima em outros campos de atuação
do Estado, podendo se tornar uma ferramenta para o autoritarismo e para a
arbitrariedade para com os administrados. Em segundo lugar, deve-se notar que a
existência de um amplo conjunto de dados em meio digital faz com que os
sistemas de armazenamento sejam visados por hackers, que
podem copiar e utilizar as informações coletadas a partir de acessos indevidos.
A utilização de
IA pela administração tributária traz também riscos comuns ao uso da tecnologia
em outras áreas, principalmente no que se refere à possibilidade de produção de
resultados incorretos e enviesados. Embora os computadores possam ser vistos
como máquinas que agem de maneira lógica, não se pode esquecer que são
construídos por seres humanos. As informações que baseiam as conclusões
proferidas por seus programas, outrossim, são muitas vezes fornecidas pelo
homem, assim como os algoritmos que os ordenam, os quais muitas vezes são
incapazes de diferenciar situações de correlação e causalidade. Dessa maneira,
se, por um lado, têm-se ganhos com a sistematização e padronização da arrecadação
de tributos, por outro, há a possibilidade de ocorrência de falhas em maiores
proporções e de maneira automática, fundadas em inferências equivocadas de
causalidade produzidas pela máquina.
Um exemplo disso
é o caso descrito por Rita de la Feria [3]. A autora aponta que, na última
década, mais de 26 mil famílias neerlandesas (a maioria de origem imigrante ou
vulnerável) foram erroneamente acusadas de fraude após serem assinaladas por
ferramenta de IA.
No caso de
procedimentos que se utilizam da automatização para o fim de contribuir com a
arrecadação de tributos, é possível que a Administração realize revisões
periódicas para apurar a adequação dos resultados gerados pelo programa. A
compreensão de eventuais erros, todavia, mostra-se dificultada nas situações em
que o algoritmo final é produzido pela própria máquina [4].
Em meio a
benefícios e riscos relativos ao uso de IA no âmbito da jurisdição tributária,
é cabível observar, ademais, que a aplicação de tecnologias do tipo encontra-se
marcada por certas limitações. Ainda há, por exemplo, dependência de
inteligência humana em casos que exigem maior complexidade de interpretação,
não obstante o imenso potencial de evolução dos meios eletrônicos com o passar
dos anos. Além disso, cumpre lembrar que a automação e fiscalização contra a
sonegação devem ser entendidas em um contexto que engloba regulamentações e
escolhas de autoridades, constituindo apenas mecanismos para fazer cumprir os
objetivos do Fisco.
Por todo o exposto,
é possível notar que a utilização da inteligência de máquina na jurisdição
tributária traz vantagens à arrecadação de tributos por parte da administração.
A análise de tais benefícios deve ser realizada levando-se em conta suas
limitações, devendo-se observar, ademais, os possíveis riscos decorrentes do
uso da tecnologia para com os direitos fundamentais dos contribuintes, tais
como o direito à privacidade e à intimidade.
A análise dos
benefícios, limites e riscos da utilização de IA pela Administração Tributária,
bem como outros assuntos relacionados à tributação da sociedade em rede, será
um dos temas debatidos no II Congresso Internacional de Direito Tributário do
IAT, a ser realizado em Trancoso (BA) e na modalidade online nos dias 3, 4 e 5
de maio de 2023.
Autor:
Gustavo Guerreiro Martinho da Cunha Sales é
graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
pesquisador do Instituto de Aplicação do Tributo (IAT).
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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