Publicada no último dia 30 de abril, a
Medida Provisória 1.171 institui a mais recente alteração do Imposto de Renda
das Pessoas Físicas e promete protagonismo nas pautas de discussões tributárias
dos próximos meses. Referida MP trata da tributação da renda auferida pelos
contribuintes pessoas físicas proveniente de entidades controladas no exterior
(offshores).
De acordo com a norma, a partir de 1º de
janeiro de 2024, tais rendimentos serão apurados de forma apartada na
Declaração de Ajuste Anual da Pessoa Física residente no Brasil. A medida
provisória isenta a tributação dos investimentos até R$ 6 mil, ao passo que a
parcela que ultrapassar essa meta e que seja inferior a R$ 50 mil, sofrerá
incidência de alíquota de 15%. Já o valor que exceder R$ 50 mil deve ser tributado
em 22,5%.
Além disso, o ato normativo prevê que a
pessoa física será considerada sua controladora quando ela obtiver "direitos que lhe assegurem
preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a
maioria dos seus administradores ou mais de 50% de participação no capital
social, ou equivalente, ou nos direitos à percepção de seus lucros, ou ao
recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação".
Tal rubrica, assinala a Medida, aplica-se
não apenas isoladamente ao contribuinte, mas também quando, em conjunto com
pessoas vinculadas, ele ostente esse grau de poder sobre a entidade. Por
pessoas vinculadas, entende-se o companheiro ou parente, consanguíneo ou afim,
até o terceiro grau; as pessoas jurídicas que possuam tais partes em sua
administração ou quadro societário; a pessoa jurídica de que o contribuinte
seja titular e seus sócios.
Essa regulamentação, porém, tem destino a
controladas que estejam situadas em paraísos fiscais (países com tributação
favorecida nos termos da lei), ou caso a entidade possua renda ativa própria
inferior a 80% do faturamento - sendo essa renda aquela proveniente
de exploração de "atividade
econômica própria, excluindo, por exemplo, os royalties, juros, dividendos,
participações societárias, aluguéis, aplicações financeiras, intermediação
financeira e ganhos de capital, exceto na alienação de participações
societárias ou ativos de caráter permanente adquiridos há mais de dois
anos".
Tais critérios de incidência das regras já
suscita debates. Especificamente em relação ao primeiro deles, apesar de se
poder criticar o tratamento genérico dado ao investimento estabelecido nos
países com tributação favorecida (independentemente da efetiva alíquota que se
pratica no país no caso concreto), a MP parece ser coerente com o tratamento
legislativo dado às operações que envolvem essas jurisdições, que também as
trata genericamente quando as submete às regras de preço de transferência
(artigo 24, Lei 9.430).
No que toca a estipulação do critério da
"renda ativa própria", igualmente se vê um tratamento coerente com o
ordenamento jurídico nacional, na medida em que o artigo 21 da Instrução
Normativa FRB 1.520/2014 já trazia a noção de "renda ativa", a qual é
utilizada como critério para fixação de regras na tributação de pessoas
jurídicas estabelecidas no Brasil por rendimentos havidos por suas controladas
no exterior.
Um ponto fulcral é alteração de método de
apuração. A MP pretende criar uma regra impeditiva do diferimento tributário, e
isso ocorre na medida em que a nova regulamentação transmuta seu regime
contábil para o de "competência". Ou seja, se antes os rendimentos
das controladas no exterior somente autorizavam que as pessoas físicas
controladoras fossem tributadas quando da efetiva distribuição do lucro ("regime
de caixa"), a regra passará a ser a tributação no momento de sua apuração,
ainda que não se tenha deliberado sobre a distribuição.
Essa modificação faz cair por terra um dos
benefícios da constituição de entidades controladas em outros países (offshore), justamente o
diferimento do tributo. Referida "postergação" do pagamento
significaria, de acordo com a exposição de motivos da MP, tratar o controlador
residente no Brasil - cuja controlada pode passar anos auferindo
rendimento sem distribuir lucros (tributáveis aos cofres públicos
brasileiros) - da mesma forma do contribuinte que tem investimentos
financeiros no país, criando-se uma vantagem na remessa de valores ao exterior
(invertendo-se a lógica alocativa).
Em suma, a MP editada induz alteração legislativa
que certamente impactará os contribuintes brasileiros do IRPF, cujas regras,
que nos parecem ser em grande medida consonante com Ordenamento pátrio, devem
ser cuidadosamente analisadas na formalização do planejamento patrimonial e
sucessório.
Por fim, ressalta-se que, apesar de a
eficácia da MP ter início apenas em 1º de janeiro de 2024, ela ainda precisará
passar pelo crivo do Congresso, em até 120 dias da publicação, oportunidade em
que se poderá modificar o seu conteúdo e transformá-la em lei, se aprovada
(artigo 62 da Constituição).
Autor: Pedro Tavoni Céglio é advogado no GBA
Advogados Associados e pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie (Campus Campinas).
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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