Como forma de
materialização da manifestação de vontade, a assinatura digital é uma
ferramenta essencial para assegurar a validade dos contratos eletrônicos
As transformações tecnológicas e digitais
alteraram profundamente as relações negociais e os procedimentos jurídicos.
Dentro desse "novo" contexto jurídico-social, nos últimos anos, os
contratos eletrônicos ganharam cada vez mais espaço em nossa rotina e,
consequentemente, atraem cada vez mais a atuação do direito para ocupar o
fundamental papel de dirimir os conflitos advindos do seu estabelecimento.
Seja para aderir a um simples plano de
serviço de telecomunicação, otimizar uma agenda atribulada de compromissos ou
simplesmente reduzir a burocracia e os custos de um negócio, os contratos
eletrônicos surgem como uma ferramenta para assegurar a facilidade e agilidade.
Em suma, esses contratos permanecem sob o prisma de um negócio jurídico
bilateral e recebem essa denominação especial tão somente pela forma de
contratação, que tem o computador e uma rede de comunicação como suportes
básicos para sua celebração1.
Justamente por isso, devem atender os
requisitos básicos de validade de um contrato:
a) a capacidades das partes;
b) licitude do objeto;
c) legitimação para sua realização;
d) o consentimento;
e) a causa;
f) o objeto e, por fim,
g) a forma.
Dentre os pressupostos elencados, a
materialização do consentimento por meio eletrônico é certamente um dos pontos
que demandam maior atenção sobre o tema. Para a formalização dos instrumentos
contratuais, as partes deverão utilizar-se da assinatura digital, regulamentada
pela Medida Provisória 2.2002/01, que instituiu a Infraestrutura de Chaves
Públicas Brasileira (ICP-Brasil) para garantir a validade jurídica de
documentos em forma eletrônica. No âmbito da administração pública, as regras
são ditadas também pela lei 14.063/20 e decreto 10.543/20.
Não obstante, vislumbra-se que a Medida
Provisória não impede a utilização de outros meios de comprovação da autoria e
integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive aqueles que utilizem
certificados não emitidos pela ICP-Brasil2. Nessa mesma toada, em virtude das
possibilidades de expressão do consentimento, a lei 14.063/20 instituiu três
classificações de assinatura eletrônica: simples, avançada e qualificada (art.
4º), as quais caracterizarão o nível de confiança sobre a identidade e a
manifestação de vontade de seu titular no negócio jurídico (art. 4º, § 1º).
A assinatura simples é realizada de modo
bastante simplificado, por meio do preenchimento de dados básicos de
identificação do signatário (tais como: RG; CPF; endereço eletrônico etc.).
Por certo, utilizando-se de um meio um
pouco mais seguro (validação biométrica; biográfica; documental etc.), porém, a
partir de certificados não emitidos pela ICP-Brasil, as assinaturas avançadas
associam ao signatário de maneira unívoca. Trocando em miúdos, o documento tem
a mesma validade de um documento com assinatura física e, no âmbito da
administração pública, passa a ser regulamentado pelo decreto 10.543, de 13 de
novembro de 2020.
Ambas podem ser utilizadas para assinar
qualquer documento ou contrato em que não se exija forma prescrita em lei e a
sua validade independe da chancela de qualquer Autoridade Certificadora, nem
possui relação com a Autoridade Certificadora Raiz (ITI). Noutra senda, em face
da validação simples da identificação, a validade jurídica depende do
consentimento entre as partes envolvidas na transação (art. 10, § 2º da Medida
Provisória 2.200-2/01)3.
A propósito, à título de complemento, muito
embora enquadrada em um nível intermediário de confiança, convém ressaltar que
os tribunais pátrios seguem o entendimento de que "o grau de confiança de
identidade dado à assinatura eletrônica de documento que não utilizem
certificado digital emitido por autoridade certificadora ICP-Brasil permite
prosseguir com a ação de busca e apreensão de rito especial do DL 911/69"
(Vide: AC: 07017065820218070005, Relatora: Leila Arlanch, Data de Publicação:
02/08/2021 - Destacamos).
Por fim, a assinatura eletrônica
qualificada é aquela que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de
suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos4,
utilizando-se de um certificado digital feito por uma terceira parte (entidade
certificadora), que confirma a identidade do autor e funciona de modo similar
aos cartórios de nota. Nos termos da Medida Provisória 2.200-2/2001, as
declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a
utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil
presumem-se verdadeiros em relação aos signatários (art. 10, § 1º c/c art. 219
do Código Civil).
Nesses termos, um certificado digital nada
mais é do que "uma estrutura de dados sob a forma eletrônica, assinada
digitalmente por uma terceira parte confiável que associa o nome e atributos de
uma pessoa a uma chave pública". Nesse sentido, o fornecimento de um
certificado digital é um serviço semelhante ao de identificação para a
expedição de carteiras de identidade, que possui um prazo de validade
determinado. O interessado é identificado mediante a sua presença física pelo
terceiro de confiança - com a apresentação dos documentos necessários - e este
lhe emite o certificado digital5.
Em arremate, no que tange os contratos
eletrônicos per si, à luz da jurisprudência moderna, compreende-se em face de
suas particularidades, por regra, tendo em conta a sua celebração à distância e
eletronicamente, não trará a indicação de testemunhas, o que, por sua vez, não
afastaria a sua executividade6.
Portanto, é notório que os contratos
eletrônicos fazem parte da prática comercial brasileira, sendo dotados
principalmente de integridade, autenticidade e segurança, além de validade
jurídica. Não obstante, a análise do negócio jurídico entabulado e sobretudo da
interação eletrônica imposta ao ato são fundamentais para a escolha adequada do
nível de assinatura digital a ser invocada no caso concreto.
1 LUCCA, Newton. Aspectos Jurídicos da
Contratação Informática e Telemática. São Paulo: Saraiva, 2003.
2 Nesse sentido, vide redação do art. 10, §
2º da Medida Provisória nº 2.200-2/2001: Consideram-se documentos públicos ou
particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata
esta Medida Provisória. [...] O disposto nesta Medida Provisória não obsta a
utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos
em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela
ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a
quem for oposto o documento.
3 Esse é o entendimento dos Tribunais
pátrios no enfrentamento das celeumas: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSINATURA
ELETRÔNICA. VALIDADE DO DOCUMENTO. Os executados impugnaram a assinatura
presente no Contrato de Confissão de Dívida. Porém, apesar do alcance distinto,
a assinatura eletrônica também garante segurança e autenticidade. Diferente da
assinatura digitalizada, a assinatura digital/eletrônica tem o mesmo valor de
uma realizada a próprio punho. A agravante não negou a contratação da confissão
de dívida, o que fazia presumir sua validade. Isto é, em nenhum momento no
recurso a parte negou que seu representante fosse o autor daquela assinatura
digital. Incidência do o § 2o do artigo 10º da Medida Provisória 2.200-2/2001.
Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Turma julgadora. DECISÃO
MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. (TJ-SP - AI: 20314981720228260000 SP
2031498-17.2022.8.26.0000, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de
Julgamento: 07/04/2022, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação:
07/04/2022).
4 Nesse sentido, colhe-se o Informativo nº
541 de 11 de junho de 2014 do Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.442.887-BA,
Relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 06/05/2014, bem como Resp
1.495.920-DF, relator o Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, julgado
em 15/05/2018, destacando-se a ementa: "[...] A assinatura digital de
contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro
desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa
assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento
eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que
estão a ser sigilosamente enviados. 6. Em face destes novos instrumentos de
verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o
reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos".
5 MENKE, Fabiano. Assinatura Eletrônica no
Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
6 Sobre a questão, cita-se: [...] A
assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através
de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário
de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o
documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado
que estão a ser sigilosamente enviados. 6. Em face destes novos instrumentos de
verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o
reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. 7. Caso concreto em
que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em
que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da
regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de
pré-executividade, seja em sede de embargos à execução. 8. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO. (STJ - REsp: 1495920 DF 2014/0295300-9, Relator: Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 15/05/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de
Publicação: DJe 07/06/2018)
Autora: Letícia Marina da S. Moura.
Advogada e jornalista. Especialista em Direito Empresarial e Falência e
Recuperação de Empresas. Membro do Grupo de Estudos Avançados em Processo
Recuperacional e Falimentar da Fundação Arcadas/USP.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/388115/assinatura-digital-e-sua-essencialidade-para-os-contratos-eletronicos