Para
especialistas ouvidos pelo g1, a nova legislação pode ajudar a evitar golpes como
o caso do ex-jogador do Palmeiras Gustavo Scarpa, que teve prejuízo milionário
ao investir em uma empresa que dizia operar com esse tipo de ativo
O marco legal dos
criptoativos, sancionado em dezembro de 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), passa a valer nesta
semana. Entre os principais pontos, o texto inclui no Código Penal a
punição contra fraudes e define regras para as exchanges (casas
de negociação de criptomoedas).
A nova legislação,
recebida com bons olhos pelo setor, complementa as leis que regem o sistema
financeiro e abre espaço para uma regulamentação mais detalhada sobre operações
com criptoativos. Até então, as regras não eram
adaptadas para as operações que envolvem serviços de ativos virtuais.
Para especialistas
ouvidos pelo g1, o novo marco pode ajudar a evitar golpes como o caso do ex-jogador do Palmeiras Gustavo Scarpa, que
teve um prejuízo de R$ 6,3 milhões ao investir em uma empresa que
operava com criptomoedas, indicada pelo seu ex-colega de equipe, Willian
Bigode (leia mais abaixo).
Apesar de aprovada
no fim do ano passado, a legislação tinha 180 dias para entrar em vigor -
período para adaptação das corretoras que atuam no mercado. A partir de agora, os operadores são obrigados a cumprir com as normas
estabelecidas.
Em decreto publicado
no último 14/06/02023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ficou estabelecido que o Banco
Central do Brasil (BC) será a autarquia responsável por regulamentar e
monitorar esse mercado.
O que são
criptoativos
Criptoativos são bens virtuais, protegidos por criptografia, com registros
exclusivamente digitais - ou seja, não são ativos físicos. As
operações podem ser feitas entre pessoas físicas ou empresas, sem a necessidade
de passar por uma instituição financeira.
Entre os
criptoativos, estão, por exemplo, as criptomoedas, como o Bitcoin. A categoria também envolve outros produtos, como
tokens (contratos que representam a custódia de algum ativo) e stablecoins
(moedas vinculadas a outros ativos, como o dólar, por exemplo).
Ainda fazem parte
desse mercado as moedas-meme, que têm chamado atenção após valorizações
expressivas - mesmo sendo baseadas apenas em especulação. É o caso da Pepecoin,
que avançou quase 7.000% em valor de mercado em menos de 20 dias de existência.
O que muda
com a nova legislação?
Na prática, o texto
estabelece uma estrutura jurídica, considerada por especialistas um primeiro
passo para regulamentação desse mercado.
"Um
dos pontos mais importantes é que agora vamos começar a tratar o tema dentro de
uma lei específica e que vai trazer inspiração para novas regulações",
explica Renato Opice Blum, advogado especialista em direito digital.
O novo marco legal
inclui no artigo 171 do Código Penal (que trata de estelionato) um trecho
específico que torna crime irregularidades envolvendo criptoativos. O crime de fraude com a utilização de ativos virtuais ficou
definido como:organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras
ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou
quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou
qualquer outro meio fraudulento.
A
pena, para esses casos, é de quatro a oito anos de reclusão, além de multa.
Outro destaque é que as prestadoras de serviços de
ativos virtuais, as exchanges, agora só poderão funcionar no Brasil após autorização prévia do
Banco Central.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de
Criptoeconomia (ABCripto), Bernardo Srur, o mercado de criptomoedas vinha, até
então, operando com supervisão limitada.
"Estivemos
concentrados em iniciativas antilavagem de dinheiro, mas sem uma linha condutora
do ponto de vista legal. Agora, com o marco, temos esse primeiro norte, que
deve criar um cenário regulatório menos fragmentado", diz.
Para ele, a garantia de segurança jurídica com a nova
legislação deve alavancar investimentos no mercado de criptoeconomia
brasileiro.
"Dados da Receita Federal dão conta de que, em
2022, o mercado encerrou com um montante total de R$ 195,5 bilhões em transações declaradas por
investidores, contra pouco mais de R$ 206,6 bilhões em
2021", lembra.
A função do
Banco Central
Conforme decreto o Banco Central será responsável por regular a prestação de
serviços de criptoativos, além de autorizar e supervisionar as operadoras do
setor. A escolha do Banco Central já era esperada pelos
especialistas da área.
"É
uma ótima notícia para o mercado. Confio que teremos mais clareza para poder
alavancar as boas empresas nacionais e trazer mais investimento para cá",
diz Henrique Conte, sócio da Insignia Digital Assets.
O decreto
presidencial distingue os criptoativos (digitais) dos valores mobiliários, como
ações, debêntures, bônus e contratos futuros.
Felipe Brasileiro,
COO da LoopiPay, ressalta que o Banco Central
será responsável pela regulação do setor exceto quando o ativo for enquadrado
como valor mobiliário. Nesse caso, a competência será da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), órgão ligado ao Ministério da Fazenda.
"Isso mostra
que o Brasil está caminhando para formalização do setor e que há interesse dos
reguladores em encontrar, através do diálogo, as melhores formas de implementar
essa inovação", diz.
O advogado Renato
Opice Blum lembra, no entanto, que ainda serão necessárias regras mais
detalhadas do Banco Central,
que devem ser feitas por meio de uma resolução.
"O
Banco Central terá que regular toda a estrutura que não envolva valores
mobiliários: quais serão as operações permitidas, as regras, o que as exchanges
deverão ter, se deverão se credenciar ou garantir algum seguro, qual vai ser o
capital social. Aí, sim, teremos uma disrupção na estrutura da negociação das
criptomoedas", explica.
Questionada
pelo g1 sobre
quando uma nova regulamentação deve ser publicada, a autoridade monetária não
se pronunciou até a última atualização desta reportagem.
Segurança e reflexos para os investidores
Isac Honorato,
presidente do Cointimes e especialista parceiro da Foxbit, afirma que a função
do Banco Central de liberar licenças para empresas do setor vai garantir mais
segurança para as pessoas que estão iniciando nesse mercado.
"O
marco legal deve ajudar a evitar principalmente as práticas de golpe, já que a
legislação tende a ser mais rigorosa. Essa é uma forma de diminuir as ações
fraudulentas utilizando criptomoedas", diz.
Para ele, há relação
direta com casos como o do ex-jogador do Palmeiras Gustavo Scarpa, que teve
prejuízo milionário ao investir em uma consultoria que dizia fazer operações
com criptomoedas.
Conforme revelou
o g1, a empresa indicada pelo ex-colega de clube Willian
Bigode não tinha autorização para operar no mercado.
Isac explica que o
foco, agora, é justamente aumentar essa fiscalização e evitar que pessoas ou
empresas consigam atuar de maneira independente no setor de criptoativos.
"Com
a regulação do Banco Central, você terá que, no mínimo, pedir licença para
participar do jogo. Fazendo um comparativo: não é qualquer pessoa que consegue
abrir um banco. Isso vale para o setor. Agora, vamos começar a dificultar a
entrada de quem quer aplicar golpes, e ter penas mais duras", conclui.
O advogado Opice
Blum afirma que a nova legislação deve melhorar esse cenário, especialmente,
por dois motivos:
-haverá um filtro
mais apurado, com exigência de um número maior de documentações, junto à
definição de obrigações estabelecidas pelo Banco Central para operação das
exchanges; e, por fim,
-a
inclusão do crime de fraude com criptomoedas no Código Penal brasileiro.
Fonte:
G1, com edição do texto pela M&M
Assessoria Contábil