Ex-empregado de uma
construtora que residia em imóvel situado dentro do pátio da empresa teve
reconhecido pela Justiça do Trabalho mineira o caráter remuneratório, ou de
salário-utilidade da moradia. Concluiu-se que a habitação tem natureza
salarial, porque não era fornecida para viabilizar a execução do trabalho, mas
em razão dele.
A decisão é dos julgadores da Primeira
Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que, acolhendo o voto
da relatora, desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, deram provimento ao
recurso do trabalhador, para modificar sentença do juízo da 5ª Vara do Trabalho
de Betim, que havia negado a incorporação pretendida. A empresa foi condenada a
pagar ao ex-empregado os reflexos do salário-habitação, fixado em R$ 500,00
mensais, no aviso-prévio indenizado, horas extras, férias + 1/3, 13º
Salário e FGTS + 40%.
Entretanto, o pedido do trabalhador para
que o valor do "aluguel" fosse acrescido à sua remuneração não foi acolhido, ao
fundamento de que ele efetivamente residia no imóvel e não sofreu descontos
financeiros por esse motivo. "Entendimento contrário, representaria
enriquecimento sem causa do autor, o que é vedado pelo ordenamento jurídico",
destacou a relatora na decisão.
O entendimento adotado se baseou no artigo
458 da CLT. Segundo
a regra, além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os
efeitos legais, a habitação, o vestuário ou outras utilidades
(prestações in natura) que a empresa, por força do contrato ou do costume,
forneça habitualmente ao empregado, por representarem um "plus" ou acréscimo
remuneratório. O parágrafo segundo da norma legal, por sua vez, ressalva que as
utilidades concedidas "para a prestação do serviço" não possuem caráter
salarial.
Na decisão, também houve referência à
Súmula 367 do Tribunal Superior do Trabalho, que, em harmonia com a norma
celetista mencionada, estabelece que a habitação fornecida pelo empregador não
tem natureza salarial, se for indispensável para a realização do trabalho. É
que, neste caso, a moradia seria concedida "para o trabalho" e não "pelo
trabalho" ou em razão dele, ou seja, a concessão da moradia não seria forma de
remuneração do serviço prestado.
No caso, ficou demonstrado que a
empregadora fornecia moradia ao trabalhador e, dessa forma, segundo pontuou a
relatora, cabia à empresa provar a necessidade do imóvel para a viabilização da
prestação de serviços, nos termos do artigo 373, II, do Código de Processo
Civil, o que, entretanto, não ocorreu.
Prova oral
Em depoimento, o trabalhador disse que o
imóvel ficava dentro do canteiro de obras da construtora e que este era seu
local de trabalho, o que foi confirmado por testemunha, que afirmou que
"o autor morava dentro do setor de trabalho". Outra testemunha,
esta ouvida a pedido da empresa, quando perguntada sobre o motivo de o
reclamante residir no pátio da empresa, respondeu que "acho que era para
facilitar o serviço".
Mas, na análise da relatora, a prova oral
produzida não indicou que havia necessidade de o autor residir no pátio da
empresa para facilitar a prestação de serviços, tendo sido impreciso, quanto a
isso, o depoimento da testemunha da empresa. "Ora, não há provas de que a
concessão da habitação teve por objetivo atender à necessidade do serviço,
sendo perfeitamente possível ao reclamante morar em qualquer outra residência
existente na cidade", destacou a julgadora.
A inexistência de prova esclarecedora em
sentido contrário levou à conclusão de que a habitação tinha natureza salarial,
ou seja, que não era fornecida para a execução do trabalho, mas em razão dele.
Conforme ressaltado na decisão, a concessão da moradia configura
salário-utilidade, porque tinha caráter retributivo, assumindo a feição de
salário "in natura", incorporando-se ao salário do empregado.
Valor da moradia
Para efeito de incorporação ao salário e de
pagamento dos reflexos nas demais verbas salariais, o autor pretendeu que o
valor da moradia, ou do "aluguel" do imóvel em que residia no pátio da empresa,
fosse fixado em R$ 700,00 mensais. Mas o valor do salário-utilidade acabou
sendo arbitrado em R$ 500,00 mensais, com fundamento nos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, assim como nas regras da experiência
comum, aplicadas pela observação do que ordinariamente acontece, nos termos do
artigo 375 do Código de Processo Civil. O trabalhador já recebeu os créditos
trabalhistas e o processo foi arquivado definitivamente.
Nota M&M: Destacamos que esta
decisão foi aplicada neste processo específico, e pode servir como um norteador
para futuras sentenças. Porém, situações semelhantes poderão ter decisões
diferentes, especialmente nas esferas de primeiro e segundo graus.
Fonte: TRT 3º Região (MG), Processo PJe:
0011246-14.2021.5.03.0142 (ROT), com edição do texto e "nota" da M&M
Assessoria Contábil.
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