Quando vemos que o tema do momento é a
reforma tributária e os tributos sobre o consumo, deixamos de pensar nos
reflexos sobre outros impostos, que certamente sofrerão uma revisão com
voracidade incomparável.
Nas PECs principais (45 e 110), Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços
(ISS) saem do controle dos estados e municípios. Isso muda toda a
estrutura organizacional e operacional dos fiscais e procuradores destes entes.
Sem o que hoje é seu principal âmbito de
atuação, será necessário focar nos impostos remanescentes sob seu controle. Os
municípios olharão para o IPTU, que não têm muito o que mudar, e para o ITBI,
que foi tema recente de recursos relevantes no Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Já os estados podem mirar no IPVA, que
também é excessivamente travado, ou no ITCMD que, em verdade, consolida todo
acúmulo patrimonial da vida de absolutamente todos os contribuintes.
Certamente, não serão os impostos sobre
propriedade que entrarão na pauta fiscal, mas os impostos sobre transferências
patrimoniais. Nada faz mais sentido do que isso!
Tentar aumentar um pouco o quanto o
cidadão, inclusive o de mais baixa renda, paga para manter sua casa e seu carro
é muito mais limitado do que olhar com mais atenção sobre os incontáveis
negócios patrimoniais que são realizados a cada dia e que, atualmente, não se
mostram relevantes quando comparados aos resultados financeiros da tributação
de serviços ou da circulação de mercadoria.
Será que os imóveis estão realmente mudando
de mãos? Pelo preço que as partes livremente dizem? Será que os pais só
transferem bens a seus filhos no fim da vida? E pelo valor usado para a
construção do patrimônio?
Ou, sem ter que olhar para o ISS e ICMS, é
possível achar caroços nesses angus?
Já é possível notar movimentação relevante
ocorrendo exatamente nessa linha. Se é difícil aumentar impostos (pela
capacidade econômica dos contribuintes ou pelo capital político necessário à
mudança impopular); se é ainda mais difícil torná-los progressivos, o mesmo não
se pode dizer de estar mais atento ao que já acontece.
Os municípios vêm se valendo dos
precedentes judiciais para exigir tributos em negócios antes ignorados, em
especial na incorporação de bens em holdings. Os estados, por sua vez, além de
terem - em muitos casos - aumentado a alíquota do Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos
(ITCMD), vêm buscando reavaliar as bases de cálculo do tributo; mais uma
vez, especialmente em Holdings e na transferência de suas quotas.
Isso coincide com uma perspectiva adicional
de aumento do teto do imposto sobre heranças de 8% para 20%, com declarações
públicas favoráveis expressas, tanto do presidente quanto do ministro da
Fazenda. Para isso, basta dar continuidade à PEC 96/15 (criada justamente no
último governo petista, com apoio unânime do Confaz). A medida tem uma lógica
econômica muito palatável e razoável, pois é realmente apta a reduzir a
concentração de renda, sem ser tão polêmica quanto a tributação de grandes
fortunas.
Por outro lado, o movimento acaba
coincidindo com um movimento derivado da pandemia e do caos tributário em que o
uso de holdings familiares aumentou exponencialmente - algumas das quais
com exclusiva finalidade de evitar Imposto de Transmissão de Bens Imóveis
(ITBI) e ITCMD, usando valores históricos dos bens que não correspondem a
seu valor de mercado.
Mesmo no âmbito federal, as holdings
costumam minimizar impactos de Imposto de Renda sobre aluguéis e sobre o ganho
de capital imobiliário, principalmente considerando a isenção sobre a
distribuição de dividendos; outro assunto que marginalizado nos projetos de
reforma tributária priorizados e que, para ser modificado, não depende de uma
coordenação política tão intensa assim.
Em outras palavras, nota-se a possibilidade
de criação de uma tempestade perfeita para o planejamento patrimonial por meio
de holdings. Todos os tributos envolvidos nesse instrumento jurídico estão fora
do âmbito da reforma tributária e dentro de um novo e necessário
redirecionamento do contingente de pessoal dedicado à administração tributária
pré-reforma.
Nessa linha, é uma ilusão acreditar que a
movimentação política dos financistas e tributaristas deve limitar-se aos
tributos da reforma (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS). É imperativo que os
assessores tributários de grandes empresários e proprietários de bens
considerem também os reflexos em outros tributos e se antecipem às prováveis
mudanças. A crença de que discutimos uma reforma limitada é uma visão
incompleta, com sérios riscos.
Autor: Daniel Bijos Faidiga é sócio da LBZ
Advocacia.