O STF decidiu, em sessão virtual, em
7/11/2023, no RE 704.815, Tema 633, a matéria relacionada à pretensão do
contribuinte de aproveitamento do crédito de ICMS decorrente das aquisições de
materiais destinadas ao uso e consumo no estabelecimento industrial que exporta
seus produtos com imunidade tributária, fixando a seguinte tese: "A imunidade a
que se refere o artigo 155, § 2º, X, 'a', CF, não alcança, nas operações de
exportação, o aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes de aquisições de
bens destinados ao ativo fixo e uso e consumo da empresa, que depende de lei
complementar para sua efetivação".
A decisão firmou-se na lei complementar
como marco divisório do direito ao crédito, seguindo as orientações de um
sistema de compensação constitucionalizado, no entanto, no nosso entender,
revogou parte de disposições desta lei, conforme pretendemos demonstrar nestas
reflexões, quando incluiu na vedação o crédito relativo ao ativo fixo.
Para melhor contextualizar a matéria e
torná-la mais compreensiva, preferimos revisitar toda a normatização a ela
pertinente.
Pela regra geral, o contribuinte, ao promover operações ou prestações isentas
ou não tributadas pelo ICMS, não poderá se apropriar do crédito relativo às
operações ou prestações anteriores, salvo disposições contrárias, nos termos da
alínea "b", do inciso II, do § 2º, do artigo155, da Constituição Federal.
Por esta disposição, a imunidade tributária nas exportações determinaria o
estorno do crédito relacionado às operações antecedentes, como por exemplo, as
aquisições de matéria-prima para a produção dos produtos industrializados.
Contudo, adotando uma política fiscal de estímulo à exportação, o constituinte,
utilizando-se da ressalva do dispositivo de vedação do crédito, permitiu que
nas operações de exportação, com imunidade tributária, se preservasse o direito
ao crédito do montante do imposto cobrado nas operações ou prestações
anteriores, regra estabelecida pela alínea "a", do inciso X, do §2º, do artigo
155, da Constituição.
Este é o ponto nuclear da judicialização que resultou na decisão em foco. Como
identificar estas operações e prestações sobre as quais é permitida a
manutenção do crédito? Seria somente sobre a matéria-prima, ou também
abrangeria as aquisições do altivo imobilizado e material de uso e consumo?
Pelas informações que se pode extrair do material divulgado, o contribuinte
requerente pretendia estender este direito às operações de aquisição de
material destinado ao uso e consumo no estabelecimento, direito este postergado
por legislação complementar até 2033 [1].
Neste aspecto a decisão nos parece irretocável; quando a Constituição assegura
o direito ao crédito relativo às operações e prestações anteriores, refere-se
ao crédito autorizado pela lei complementar, crédito que deveria ser estornado
não houvesse esta autorização expressa de seu aproveitamento. Ora, o estorno
somente abrangeria as operações e prestações antecedentes cujo crédito está
autorizado pela legislação, mas vedado em razão das operações subsequentes não
serem tributadas, e, portanto, não alcançaria as operações de aquisição de
material de uso e consumo, em razão da sua vedação expressa em norma
complementar. Para ser mais preciso na reflexão, o direito ao crédito
autorizado na exportação se restringe ao crédito passível de estorno, caso não
houvesse esta autorização constitucional pela manutenção.
O problema é que a tese incluiu o crédito relativo ao ativo permanente, ou
ativo fixo, na linguagem da decisão, como desautorizado na exportação, quando
na verdade, a LC nº 87/96, prevê o direito a este crédito, ao definir a forma
de cálculo proporcional na relação entre operações tributadas ou não
tributadas, para efeito da definição do montante do crédito apropriável, considerando
as saídas com destino ao exterior (exportação) como tributadas, conforme segue
a legislação transcrita.
"Artigo 20. [.]
§5o Para efeito do disposto no caput
deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no
estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado:
[.]
III - para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante
do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do
respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação
entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das
operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para
fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas
de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos;."
Por esta norma, o crédito referente ao ativo permanente vinculado às operações
de exportação é permitido. Na prática equivale dizer que o crédito relativo ao
ativo permanente, calculado pela forma estabelecida, não deve ser estornado em
razão das operações de exportação com imunidade.
Se por exemplo, um
contribuinte operar exclusivamente com produtos para exportação, o crédito
relativo à aquisição de ativo permanente é autorizado de forma integral,
observando apenas a absorção parcelada em 1/48 (um quarenta e oito avos), isto
porque as operações de exportação devem ser consideradas como tributadas para a
finalidade do cálculo desta proporção.
A despeito dessa clareza legislativa, a decisão do STF, ao fixar a tese,
estendeu a vedação do crédito às operações de aquisição do ativo fixo, gerando
um ponto de tensão entre a norma e o julgado, criando mais um foco de
insegurança jurídica já tão precarizada em nosso Direito Tributário.
Para agravar a situação, o julgamento extrapolou o objeto da discussão, que se
restringia ao crédito relacionado às aquisições de material destinado ao uso e
consumo no estabelecimento, regido sob regra diversa daquela que regulamenta o
crédito decorrente da aquisição de ativo imobilizado.
Por fim, a prevalecer os termos da decisão, os contribuintes exportadores terão
vedado créditos do imposto autorizados expressamente na legislação.
[1] "Artigo 33. Na aplicação do artigo
20 observar-se-á o seguinte:
[.]
I - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou
consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de
2033; (Redação dada pela Lei Complementar nº 171, de 2019)".
Autor: Deonísio Koch é advogado
tributarista, professor de Direito Tributário, ex-conselheiro do Tribunal
Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.