Motivado pelas ADPFs n°488
e n°951, o recente Tema n° 1.232 do STF (Supremo Tribunal Federal), que
atualmente se encontra suspenso por pedido de vistas do ministro Alexandre de
Moraes, desenha-se como ensejador de novas complexidades no processo do
trabalho.
"Novas" complexidades
porque, como se sabe, a execução trabalhista por si só já é assunto por demais
complexo no campo processual, posto que, apesar do comando legal que determina
ao julgador a aplicação subsidiária da Lei n° 6.830/80 (execuções fiscais) à
CLT (v. artigo 889), o crescente evoluir das legislações alienígenas que
permeiam tal fase talvez não corresponda à realidade em que se insere.
A contextualização prévia
temporal que aqui se faz ao enfrentamento do mérito é para demonstrar que não
se trata o novo verbete apenas de um corolário lógico das ADPFs em questão, mas
de decisão que afetará milhares de processos que estão hoje em fase de execução,
seja porque se encaixam nas razões que deram estofo à ADPF 488 (e o
reconhecimento de grupo econômico na fase de execução), seja pelos motivos que
conectam a ADPF 951 e os casos de sucessão trabalhista.
O Tema n° 1.232 possui o
seguinte verbete: "possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase
de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não
participou do processo de conhecimento" e, caso tenha a sua tese confirmada,
será gatilho de inserção das empresas que não participaram do processo de
instrução ao polo passivo da demanda trabalhista já na adiantada fase de
execução.
O assunto leva ao
necessário manuseio de um emaranhado de dispositivos legais, o que torna o
momento processual ainda mais difícil pois, como lecionam grandes autores
trabalhistas, este é o grande "calcanhar de Aquiles do processo do
trabalho".[1]
Certo ou errado, o modus
operandi da execução trabalhista apresenta um desenrolar ímpar, tanto porque o
magistrado pode inclusive impulsioná-la de ofício - ressalvadas as alterações
da Reforma de 2017 -, quanto porque seus principais prazos se contam em horas,
o que, não raras vezes, por lapso ou desconhecimento, leva ao esvaziamento
patrimonial ou à vinculação indevida e irreversível de outra pessoa física ou
jurídica.
Nem sempre a identificação
de um grupo econômico é clarividente, quanto mais a ponto de autorizar a
vinculação de empresa presumidamente integrante de um conglomerado empresarial
em fase processual na qual a tramitação levará, certamente, à constrição
patrimonial e prejuízos quiçá irreversíveis.
Evidentemente, os créditos
pleiteados na Justiça do Trabalho têm natureza de alimentar e merecem atenção,
sobretudo porque na relação pretérita talvez não tenham sido correta ou
tempestivamente adimplidos. Mas entende-se que mesmo tal fato não pode servir
de justificativa para todos os casos de avanço sobre o patrimônio de outra
pessoa jurídica.
É preciso ter cautela e
recordar que a empresa executada, especialmente quando abruptamente vinculada a
um processo judicial, possui direitos fundamentais de cunho processual,
notoriamente o direito ao devido processo legal e à ampla defesa. Neste espaço,
impossível desassociar que na Constituição de 1988, à luz dos princípios que o
constituinte traçou como balizas aos demais dispositivos que apareceriam na
sequência, dispôs o valor social do trabalho e a livre iniciativa em igual
linha dispositiva, ou seja, em perspectiva de equilíbrio. Salutar sempre o
recordatório de que
sem atividade econômica não há trabalho. A execução
trabalhista desconectada de tal base principiológica tende a exterminar a
atividade que
garante a subsistência daquele que precisa de renda.
O assunto é complexo e
possui diversas correntes, mas não se pode olvidar que a execução desmedida,
isto é, a caça de um devedor que satisfaça o crédito, seja este quem for e sem
proporcionar-lhe as garantias processuais fundamentais, semeia insegurança
jurídica, natural deflagradora de retração e fuga do capital. É importante
recordar que na execução já não se permite mais o revolvimento de fatos e
provas acerca dos direitos trabalhistas discutidos no feito, pois o objetivo
desta etapa processual é fazer cumprir um comando judicial, permitindo-se
discussão apenas sobre os valores a serem satisfeitos e a forma como isso se
sucederá, o que denota possibilidade de injustiças irreversíveis a
concretizar-se o esboçado no verbete.
Ora, a não participação do
executado ao longo do processo lhe retira o direito de provar que talvez ali
nem devesse estar, por exemplo, haja vista que ao longo da fase de instrução
teria tido a oportunidade de comprovar não apenas se devido ou indevido o
direito postulado mas também sua (i)legitimidade e sua (não)vinculação como
devedor da relação subjacente e tantas outras coisas que de certa forma lhe
retirariam do encargo de satisfação daquele crédito.
Paradoxalmente ou não, a
Justiça do Trabalho precisa fazer valer seus comandos, de forma enérgica e
célere, pois alimentares os créditos que busca realizar. Mas a execução não
pode rodar sem atenção aos princípios processuais e à margem da realidade
econômica, do mundo e das relações, sob pena de escorchar e desestimular o
investimento, ou seja, de impossibilitar a geração do trabalho em que se
produzirá a renda que garantirá o sustento dos empregados e de suas famílias,
fazendo girar a economia como um todo.
Embora por vezes
desconsiderado sob esta ótica, a livre iniciativa é um princípio constitucional
brasileiro assegurado pela Constituição cidadã desde a sua promulgação, ainda
nos idos do ano de 1988. Não se pode negar, portanto, que o constituinte ciente
estava de que se a iniciativa privada não fosse livre, muito menos capaz esta
seria de possibilitar a liberdade que advém de uma economia saudável, que se
desenvolve num cenário de previsibilidade.
Às vésperas de se firmar a
tese que permitirá, em sistema de repercussão geral, que empresas e pessoas não
participantes das fases iniciais do processo sejam inseridas na avançada fase
da execução (ou seja, no momento de "pagar a conta"), é preciso voltar os olhos
para as bases constitucionais que obrigam a observância da paridade de armas
entre os litigantes e demais participantes da demanda, bem como da observância
incondicionada da ampla defesa e do devido processo legal. Embora a Justiça do
Trabalho seja célere por história e natureza, o momento clama por prudência e
bom senso. O atropelo e a avidez executória, por vezes, atingem a quem não se
deveria atingir que, pego diante do inesperado, não logra desvencilhar-se,
gerando como efeitos, para além do prejuízo particular do atingido, a sensação
coletiva de insegurança jurídica e a retração da iniciativa privada, o que em
nada contribui para o desenvolvimento
sustentável do estado democrático de direito.
[1] MARTINS, Sérgio Pinto.
Direito Processual do Trabalho. 45ª ed. São Paulo : Saraivajur. [e-book] p.159.
Autoras:
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Denise Pires Fincato é pós-doutora em Direito do Trabalho pela Universidad
Complutense de Madrid (Espanha), doutora em Direito pela Universidad de Burgos
(Espanha), professora pesquisadora do PPGD da PUC-RS, advogada, consultora
trabalhista e CEO do Instituto Workab.
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Andressa Munaro Alves é Doutoranda e Mestre em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - Bolsista CAPES.
Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo
Jurídico Educacional. Professora no Programa de Graduação em Direito nas
Faculdades Integradas São Judas Tadeu. Pesquisadora e Líder de eixo do Grupo de
Pesquisas "Novas Tecnologias, Processo e Relações de Trabalho" (PUCRS).
Advogada. andressa.castroalvesadv@gmail.com. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4221813695037911.