A polêmica Lei Federal 14.689/2023 revive
as disposições contidas no § 9º, do artigo 25 do Decreto Federal 70.235/1972
que trata sobre o processo administrativo tributário, reinstituindo o voto de
qualidade na hipótese de empate na votação dos julgamentos realizados pelo Carf
(Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Aparentemente para amenizar o impacto negativo da reinserção do voto de
minerva [1], e também evitar a judicialização da questão tributária
definida pelo voto de qualidade, a referida Lei 14.689/2023 inseriu novidades
na transação do contencioso administrativo e na cobrança, sendo o objetivo do
presente artigo apontar as vantagens e desvantagens de suas condições em
relação à transação tributária "original" instituída pela referida Lei Federal
13.988 fruto da conversão da medida provisória 899/2019.
Havendo decisão desfavorável pelo voto de qualidade, caso o contribuinte
manifeste seu interesse em transacionar no prazo de noventa dias do
encerramento do processo administrativo, terá ele assegurado o direito:
a) à exclusão das multas e ao cancelamento da representação fiscal para fins
penais de que trata o artigo 83 da lei federal 9.430/1996
Nesse tocante a lei traz inquestionável
benefício ao contribuinte, uma vez que a modalidade de transação tributaria
"original", apesar de prever descontos atrativos não exclui por completo a
incidência de multas, e nem afasta a instauração de representação fiscal para
apurar a materialidade e autoria de eventual crime contra a ordem tributária.
b) à exclusão, até a data do acordo para pagamento à vista ou parcelado, dos
juros de mora
Nas outras modalidades de transação por
adesão da lei federal 13.988/2020 o desconto se limita a de 65% dos juros, de
maneira que ao excluir o montante integral dos juros de mora, a lei federal
14.689/2023 mostra-se excelente estímulo ao adimplemento.
c) O pagamento do montante principal em até
12 parcelas, mensais e sucessivas, corrigidas
Há nesse ponto desvantagem em relação à
transação "original" por adesão, que possibilitavam o parcelamento em até 145
parcelas consecutivas.
d) a utilização de créditos de prejuízo fiscal para amortização da dívida
transacionada
A transação do "voto de qualidade" tem como
outro estímulo a possibilidade de utilização de crédito de prejuízo fiscal do
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e de base de cálculo negativa da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido para abatimento do valor da dívida
transacionada.
Tais créditos podem ser de titularidade de pessoa jurídica controladora ou controlada,
de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou
indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, independentemente do ramo de
atividade de forma ilimitada. Na transação original, da Lei federal
13.988/2020, permite-se o uso de até 70% (setenta por cento) do saldo após a
incidência dos descontos.
e) utilização de créditos decorrentes de precatório para pagamento do
montante principal
Nesse aspecto, a lei federal do voto de
qualidade segue as previsões da transação tributária lei federal 13.988/2020 na
parte em que autoriza o uso de créditos de precatórios de
particulares para pagamento ou amortização das dívidas tributárias [2].
f) a dispensa de garantia como condição para negociação
Outra vantagem da transação do "voto de
qualidade" é a dispensa de garantia como condição para transacional, mas, para
tanto, o contribuinte deve comprovar a sua capacidade de pagamento,
considerando seu patrimônio líquido, mediante 1) apresentação de relatório de
auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa
jurídica, 2) de relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do
crédito tributário, 3) comunicação de eventual interesse na alienação ou na
oneração dos bens conjugada à apresentação de outros bens livres e desimpedidos
para substituição, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal e 4) que
não possui outros créditos exigíveis pela Fazenda Pública, presentes e futuros.
Vislumbramos importante avanço na mensuração da capacidade econômica ao
beneficiar aqueles contribuintes adimplentes com regular saúde econômica e
financeira, contrapondo às demais transações tributárias que concedem descontos
com base na capacidade de pagamento do devedor que deve ser avaliada em relação
ao grau de recuperabilidade do crédito tributário, podendo os contribuintes com
menor capacidade de adimplência obterem descontos maiores do que os bons
pagadores.
Aos créditos inscritos em dívida ativa que foram resolvidos pelo voto de
qualidade objeto de discussão judicial, aplicam-se os mesmos benefícios, mas a
modalidade de transação aplicável é a proposta individual de iniciativa do
contribuinte.
Importante destacar que o contribuinte não ficará impedido de celebrar negócio
jurídico ou qualquer outra via de solução consensual com a Fazenda Pública que
verse sobre a aceitação, a avaliação, o modo de constrição e a substituição de
garantias.
Firmado o termo de transação nesses moldes, o crédito negociado não será
impeditivo à emissão da certidão de regularidade fiscal.
Não temos dúvida em afirmar que as novidades na transação tributária instituída
pela Lei 14.689/2023 apresenta-se como um estímulo positivo à satisfação do
crédito tributário ao atender o princípio da eficiência administrativa
(artigo 37, caput, Constituição de 1988), eis que apta a reduzir
iniquidades de nosso sistema jurídico especialmente a dos lançamentos
confirmados pelo voto de qualidade, concretizando a pretendida celeridade na
resolução da crise de inadimplência.
[1] Voto de Minerva é o que decide uma votação que de outra forma
estaria empatada. O termo se refere ao episódio da mitologia grega em que a
deusa Palas Atena (que corresponde à deusa romana Minerva)
preside o julgamento de Orestes, um reles mortal. Como na mitologia
romana Minerva era a deusa da sabedoria, o voto de Minerva corresponde à
escolha sábia ou certa de alguma coisa. - https://pt.wikipedia.org/wiki/Voto_de_Minerva -
acesso em 22/10/2023, 14:41.
[2] No artigo Precatórios para
pagamento ou amortização das dívidas tributárias, disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-01/processo-tributario-precatorios-transacao-tributaria/,
encontramos as orientações acerca da utilização dos precatórios na transação
tributária.
Autoras:
Íris
Vânia Santos Rosa é advogada, doutora e mestre em Direito Tributário pela
PUC-SP, pesquisadora do Grupo de Estudos em Processo Tributário Analítico do
Ibet-SP, professora do mestrado do Ibet-SP, professora de Direito Tributário e
Processo Tributário do curso de graduação da Fundação Santo André (FSA) e
professora do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-SP e do
Ibet.
Mariane
Targa de Moraes Tenório é advogada do escritório Saad, Santos Rosa, Behling e
Munhoz; mestre e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.