Impactos do novo sistema variam conforme setor
da economia
Aprovada na sexta-feira (15/12/2023) após 30 anos de discussão, a
reforma tributária simplificará a tributação sobre o consumo e provocará
mudança na vida dos brasileiros na hora de comprar produtos e serviços.
Cesta básica, medicamentos,
combustíveis, serviços de internet em streaming, os produtos são diversos. Com
uma longa lista de exceções e de alíquotas especiais, o novo sistema tributário
terá impactos variados conforme o setor da economia. Paralelamente, pela
primeira vez na história, haverá medidas que garantam a progressividade na
tributação de alguns tipos de patrimônio, como veículos, e na transmissão de
heranças.
Ao longo do próximo ano, o
Congresso terá de votar leis complementares para regulamentar a reforma
tributária. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os projetos serão
enviados nas primeiras semanas de 2024.
Também no próximo ano, o
governo poderá dar início à reforma do Imposto de Renda, com mudanças como a
taxação de dividendos (parcela de lucros das empresas distribuídos aos
acionistas). Nesse caso, porém, as mudanças ocorrerão por meio de projeto de
lei, com quórum menor de votação.
Confira como a reforma
tributária mudará o dia a dia do consumidor:
Cesta básica
Um dos itens que mais gerou
polêmica na reforma foi a tributação da cesta básica. O Senado havia criado
duas listas de produtos. A primeira com a cesta básica nacional, destinada ao
enfrentamento da fome. Essa cesta terá alíquota zero e poderá ter os itens
regionalizados por lei complementar.
Os senadores haviam criado uma
segunda lista, chamada de cesta básica estendida, com alíquota reduzida para
40% da alíquota-padrão e mecanismo de cashback (devolução parcial de tributos)
a famílias de baixa renda. O relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo
Ribeiro (PP-PB), no entanto, retirou essa lista, sob o argumento de que boa
parte dos alimentos é beneficiada pela alíquota reduzida para insumos
agropecuários.
O impacto final sobre os
preços, no entanto, ainda é desconhecido. No fim de junho, a Associação
Brasileira de Supermercados (Abras) apresentou um relatório segundo o qual
a cesta básica poderia subir 59,83% em média com a redação anterior
da reforma tributária, que reduzia pela metade a alíquota do Imposto sobre
Valor Adicionado (IVA) dual.
O estudo, no entanto, foi
contestado por economistas, parlamentares e membros do próprio governo. Na
época, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da
Fazenda, Bernard Appy, disse que o novo sistema baratearia a cesta básica.
O relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB),
apresentou um estudo do Banco Mundial, segundo o qual a carga tributária sobre
a cesta básica cairia 1,7%, em média, com a alíquota de IVA dual reduzida em
50%.
A disparidade nas
estimativas ocorre porque atualmente muitos produtos da cesta básica são
tributados em cascata, com os tributos incidindo sobre o preço na etapa
anterior da cadeia, antes de chegarem aos supermercados. A isenção atual de
tributos federais sobre os produtos da cesta barateia os produtos por um lado,
mas por outro lado impede o aproveitamento de créditos tributários, devoluções
de tributos pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva.
No sistema de IVA dual, a
devolução dos créditos tributários, segundo o governo, compensaria a cobrança
de impostos. A alíquota do IVA dual só será definida após a reforma tributária.
O relatório da Abras usou uma alíquota de IVA de 12,5%, pouco menos da metade
da provável alíquota cheia de 27,5% estimada por economistas, para justificar
um eventual encarecimento da cesta básica.
O novo redutor de 60% e a
futura alíquota zero deverão baratear os produtos da cesta básica, mas o
cálculo sobre o impacto final só poderá ser feito quando a reforma tributária
entrar em vigor. Itens mais industrializados, com cadeia produtiva mais longa,
deverão ter redução maior de preços. Alimentos in natura ou pouco processados
deverão ter leve redução ou até leve aumento porque terão poucos créditos
tributários.
Medicamentos
O texto aprovado prevê a
alíquota reduzida em 60% para medicamentos e produtos de cuidados básicos à
saúde menstrual. O Senado incluiu na lista de alíquota reduzida produtos de
nutrição enteral e parenteral, que previnem ou tratam complicações da
desnutrição.
Segundo especialistas, a
reforma não deverá trazer grandes impactos sobre o preço dos medicamentos. Isso
ocorre por dois motivos.
Primeiramente, os medicamentos genéricos estão
submetidos a uma legislação específica. Além disso, a Lei 10.047, de 2000,
estabelece um regime tributário especial a medicamentos listados pelo
Ministério da Saúde.
O Senado também incluiu na
isenção de IVA a compra de medicamentos e dispositivos médicos pela administração
pública e por entidades de assistência social sem fins lucrativos. A Câmara dos
Deputados tinha zerado a alíquota para medicamentos usados para o tratamento de
doenças graves, como câncer.
Combustíveis
A reforma tributária
estabelece um regime de tratamento diferenciado para combustíveis e
lubrificantes. O IVA dual, com alíquota única em todo o território nacional e
variando conforme o tipo de produto, será cobrado apenas uma vez na cadeia
produtiva, no refino ou na importação. A mudança segue uma reforma proposta em
1992.
Durante a tramitação no
Senado, no entanto, foi incluída a possibilidade de cobrança do Imposto
Seletivo, tributo sobre produtos que gerem danos à saúde e ao meio ambiente,
sobre combustíveis e petróleo (para a extração de petróleo e de minérios,
haveria alíquota de 1%). Durante a votação na Câmara nesta sexta-feira, o PSOL
tentou elevar essa alíquota, mas os deputados derrubaram o destaque.
Segundo o Centro Brasileiro
de Infraestrutura (CBIE), o imposto seletivo deve gerar R$ 9 bilhões em
arrecadação, considerando apenas a exploração de petróleo, sem os demais
minérios.
Segundo o Instituto
Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), o regime diferenciado levará a uma forte
alta do preço final aos consumidores.
Especialistas, no entanto, afirmam que o
impacto é incerto porque muitos pontos do regime diferenciado para os
combustíveis serão definidos por lei complementar e a reforma prevê a
possibilidade de concessão de créditos tributários. Além disso, o impacto só
será conhecido após a definição da alíquota cheia do IVA dual.
Veículos
A cobrança de Imposto sobre
a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) passará a incidir sobre veículos
aquáticos e aéreos, como jatos, helicópteros, iates e jet ski. A reforma também
estabelece que o imposto passará a ser progressivo conforme o impacto ambiental
do veículo. Veículos movidos a combustíveis fósseis pagam mais. Veículos
movidos a etanol, biodiesel e biogás e os carros elétricos pagarão menos IPVA.
O Senado acatou uma emenda
da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) e incluiu a compra de automóveis por
taxistas e pessoas com deficiência e autismo entre os itens com alíquota zero.
O benefício existe atualmente e seria extinto com a reforma tributária.
Em julho/2023, durante a
primeira votação na Câmara, os deputados criaram uma lista de exceção para
evitar a cobrança sobre veículos usados para a agricultura e para serviços. A
relação abrange os seguintes tipos de veículos: aeronaves agrícolas e
certificadas para prestar serviços aéreos
a terceiros; embarcações de pessoa
jurídica com outorga de serviços de transporte aquaviário; embarcações de
pessoa física ou jurídica que
pratique pesca industrial, artesanal, científica
ou de subsistência; plataformas que se locomovam na água sem reboques (como
navio-sonda ou navio-plataforma); e tratores e máquinas agrícolas.
No Senado, a prorrogação,
até 2032, de um incentivo para montadoras das regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste elevou as tensões. Na primeira votação, em julho, a Câmara havia
derrubado a prorrogação desse incentivo. Na primeira versão do relatório no
Senado, o incentivo foi prorrogado apenas para a produção de carros elétricos,
mas a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa estendeu o benefício a
montadoras de veículos movidos a biodiesel e a veículos híbridos movidos a
biodiesel e a gasolina.
Isso gerou mal-estar entre
os governadores do Sul e do Sudeste, que alegaram desigualdade de condições com
as montadoras instaladas nas duas regiões. Na sexta-feira, o relator Aguinaldo
Ribeiro concordou em manter o benefício no texto-base, mas destacar esse ponto.
Diferentemente da primeira votação na Câmara, onde o incentivo obteve 307
votos, um a menos que os 308 necessários, os deputados mantiveram o benefício
por 341 votos a favor, 153 contra e quatro abstenções.
Fonte:
Fenacon/ Agência Brasil