A instrução adequada dos processos de
licitação e contratos é um pilar fundamental para assegurar legalidade,
transparência e segurança jurídica, sendo importante zelar pela documentação
completa nos autos, em face de exigências legais e constitucionais e
implicações, inclusive, para eventuais procedimentos de controle interno ou
externo e na via judicial, nas diversas esferas.
A base normativa para a documentação nos
autos processuais
Considerando que "o devido processo legal"
é uma garantia fundamental do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição, não se
pode admitir tramitação de requerimentos avulsos, como os contidos em e-mails,
mensagens de celular e outra extra autos, porque ainda que existam documentos
dessa natureza, as informações precisam, efetivamente, ser juntadas aos autos
processuais.
Cabe lembrar que a autoridade com
competência para decisão considerará o que está nos autos, o que também servirá
de base para revisão pela autoridade superior.
Para contraditório e ampla defesa,
garantias fundamentais do artigo 5º, inciso, LV, também da Constituição
Federal, tudo deve estar documentado, incluindo ofícios enviados, comprovantes
de intimações para contagens de prazos, e-mails enviados e recebidos e tudo
mais.
O artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99
(Processo Administrativo Federal), estabelece segurança jurídica como
princípio, sendo que o parágrafo único, incisos VIII, e IX, respectivamente,
constam os pressupostos de observância das formalidades essenciais à garantia
dos direitos dos administrados e adoção de formas simples, suficientes para
propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos
administrados. Aliás, o artigo 3º, inciso II, da mesma lei, já ressalta que o
interessado tem direito a vista dos autos, ou seja, de processo.
Vários outros dispositivos da citada lei se
reportam a "processo administrativo", como se tem, por exemplo, nos artigos 5º,
9º, 10, 18, entre outros.
Mas o artigo 22 da lei merece destaque:
"Art. 22. Os atos do processo
administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei
expressamente a exigir.
§1º Os atos do processo devem ser
produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e
a assinatura da autoridade responsável.
(.)
§4º O processo deverá ter suas páginas
numeradas sequencialmente e rubricadas."
Logo, jamais se pode ter requerimentos
apenas por e-mails, por exemplo, sem que eles entrem para os autos do processo.
Da mesma forma, intimações formais são
essenciais, por força do artigo 26 da lei.
O dever de instrução processual, de outro
lado, é enfatizado no artigo 29, § 1º, da lei: "O órgão competente para a
instrução fará constar dos autos os dados necessários à decisão do processo".
E o interessado poderá, na fase instrutória
e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer
diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto
do processo, e "os elementos probatórios deverão ser considerados na
motivação do relatório e da decisão", a teor do artigo 38, § 1º, da mesma lei.
Já a Lei nº 14.133/21, a nova Lei de
Licitações e Contratos Administrativo, estabelece uma série de formalidades,
como a gravação de sessões licitatórias presenciais, com inclusão dos registros
nos autos (artigo 17, § 5º), o mesmo valendo para registros em diálogo
competitivo (artigo 32, § 1º, inciso VIII), negociação (artigo 61, § 2º),
saneamento de falhas (artigo 71, inciso I), documentação em subcontratação
(artigo 122, § 1º), extinção de contrato (artigo 137), apuração de infrações
(artigo 159), vista de autos para elementos de defesa e análise de recursos
(artigos 165, § 2º e § 5º, e artigo 166, parágrafo único), fiscalização por
órgãos de controle (artigo 170, § 1º), comprovação de recebimento de intimações
(artigo 183, § 1º, inciso II), entre outros.
Enfim, na legislação há sempre a
necessidade de documentação detalhada nos autos dos processos. Esta
obrigatoriedade se alinha com os princípios constitucionais de ampla defesa,
contraditório, e transparência, garantindo que todas as etapas e decisões sejam
devidamente registradas e acessíveis, isso valendo para segurança de todos os
interessados.
A essencialidade da instrução completa dos
autos
Uma instrução detalhada dos autos não é
apenas uma exigência legal, mas uma prática essencial para a integridade dos
processos de licitação e contratação. Isso inclui a documentação de todas as
fases do processo, desde o planejamento até a execução do contrato, incluindo
qualquer tipo de alteração ou decisão tomada. Essa prática assegura a lisura
dos processos, permitindo a qualquer momento a análise e a fiscalização por
órgãos de controle interno e externo.
Pontuando as ideias, há que se considerar,
ainda, o seguinte resumo:
1) Legalidade e transparência: a
documentação integral nos autos demonstra a observância das leis e regulamentos
aplicáveis, contribuindo para a transparência e a confiança pública nos
processos de contratação;
2) Defesa de direitos e garantias: em
situações de questionamento ou disputa, a documentação completa é essencial
para assegurar os direitos de defesa e o exercício do contraditório;
3) Auditoria e controle: documentos
detalhados e organizados facilitam e são essenciais ao trabalho de auditoria
por órgãos de controle, que podem verificar a conformidade dos processos com a
legislação vigente; e
4) Segurança para gestores públicos e
empresas privadas: gestores que mantêm uma documentação adequada dos processos
licitatórios e contratuais protegem-se contra futuras responsabilizações,
inclusive após o término de seu mandato, ao mesmo tempo que isso resguarda
direitos das empresas interessadas.
Conclusão
A máxima "o que não está nos autos do
processo não está no mundo" reflete a importância crítica da documentação
completa em processos de licitação e contratação. Garantir que todos os
detalhes e decisões estejam registrados nos autos não é apenas uma obrigação
legal, mas uma prática que fortalece a integridade, a transparência e a
segurança jurídica das contratações públicas. A aderência a esses princípios é
indispensável para a boa governança e para a eficácia da administração pública.
Autor:
Jonas Lima, é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em
Direito Público e Compliance Regulatório e sócio do escritório Jonas
Lima Sociedade de Advocacia.