Da
compra da Kopenhagen pela Nestlé ao 'imbróglio' da SouthRock, processo exige
transparência para o pequeno investidor não ficar pelo caminho. Mas também é
preciso atenção às cláusulas do contrato de franquias
Como ficam os franqueados quando a rede muda
de mãos? A mudança, que tanto pode causar receio como animar os empreendedores
do setor, teve dois exemplos recentes em 2023 que fazem refletir.
De um lado, a compra da Kopenhagen e Brasil
Cacau pela gigante Nestlé em setembro, que envolveu cerca de R$ 4,5 bilhões e o
controle de mais de 800 lojas franqueadas das duas marcas no país.
Do outro, o pedido de recuperação judicial,
em outubro, da SouthRock, máster franqueada da Subway e operadora exclusiva no
Brasil de redes como Starbucks, TGI Friday's, Eataly e Brazil Airport
Restaurants (BRA), que tenta renegociar R$ 1,8 bilhão em dívidas
- imbróglio que parece estar longe da solução.
A penhora de bens com arresto de até R$
5,36 milhões do CEO e do CFO do grupo, autorizada pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJ-SP) no início deste mês, coloca mais lenha nessa fogueira.
São dois casos extremos, mas levam ao mesmo
ponto: o que acontece com o pequeno investidor, a parte mais frágil da relação,
em situações desse tipo?
O contrato de franquias é determinante no
processo, que exige transparência do franqueador.
Mas também requer um franqueado atento às
suas cláusulas para não ter prejuízo, nem ficar pelo caminho.
Em primeiro lugar, quando uma empresa
compra uma marca ou os direitos de uso desta mesma marca, ela tem que respeitar
os contratos de franquia, explica Melitha Novoa Prado, advogada especialista em
franchising há 35 anos e sócia-fundadora do escritório Novoa Prado & Kurita
Advogados.
"Não tem sentido você comprar uma
marca que tem uma infinidade de lojas e não absorver esses franqueados. Então,
na verdade, você compra também os direitos dos pontos de venda",
explica.
Se em algum momento o franqueador quiser
vender o negócio, seja por "cansaço" ou por um grande aporte de
capital, é preciso ficar atento às regras previstas no contrato sobre cessão e
transferência. "Isso é para ver se o franqueado quer sair e pode repassar,
ou saber o que a franqueadora dispõe quanto à venda."
Algumas redes colocam no documento que,
caso seja vendida, o franqueado tem que continuar. Ou, ao contrário, terá de
pagar multa pela rescisão antecipada do contrato, explica a advogada
especializada em franquias Marina Nascimbem Bechtejew Richter, sócia do NB
Advogados.
Porém, é preciso analisar a questão de
ambos os lados: quem compra, ou pretende comprar uma rede, avalia o quanto ela
gera de arrecadação de royalties em relação ao número de lojas franqueadas,
quanto é a média de compra de produtos e se tem fornecedor homologado, por
exemplo.
"De repente adquiro uma rede que tem mil
lojas, com faturamento mensal de royalties de R$ 1 milhão e compra prevista de
R$ 5 milhões em produtos. Mas, se os royalties vão cair pela metade (porque há
franqueados que preferem não continuar), minha arrecadação vai reduzir",
afirma.
Ou seja: o negócio pode ter uma queda
potencial na operação e em valor de mercado como um todo - o que não costuma
gerar vantagem para nenhum lado. Portanto, por questões estratégicas, a rede
analisa suas lojas, para ver quem fatura ou está patinando, pois tudo influencia
no preço do negócio.
Já quem quer comprar faz uma due diligence, ou uma
espécie de pente fino, para medir os riscos de investir nesse mesmo negócio.
"O bolo de franqueados é que mostra o potencial da rede",
completa.
CUIDADO COM DECISÕES PRECIPITADAS
Quando o franqueado entra no processo de
seleção para operar uma franquia e recebe a documentação jurídica, deve
verificar atentamente as cláusulas, com apoio de um advogado especializado,
para analisar todos os pontos sobre o que está previsto e o que pode acontecer,
explica Melitha Novoa Prado.
"Se o franqueador tiver oportunidade
de vender a empresa e no contrato diz não precisar de autorização, ele só vai
comunicar o franqueado. Existe até uma cláusula padrão dizendo que ele pode
ceder o contrato."
Mas, se a operação, a princípio, é coisa de
"peixe grande", há como o franqueado não sair perdendo nesse
processo, segundo Marina Richter. Desde que analise o passo que pretende dar
antes de decidir.
Quem implanta um negócio e investe R$ 300
mil para montar uma loja, mas desiste da operação, seja por motivo de saúde ou
porque mudou de franqueadora, por exemplo, vai sair perdendo na certa.
"Se por alguma circunstância esse
franqueado não vai dar conta, é melhor tentar o repasse da unidade, para pelo
menos conseguir parte do dinheiro de volta", orienta a advogada da
NB.
E a troca de dono, é motivo para o
franqueado rescindir? Não, segundo Melitha, pois quem está comprando vai exigir
que o fundador fique um tempo para fazer a transição. Porém, a nova
controladora sempre sabe que corre o risco de perder franqueados,
reforça.
Caso não saiba fazer a transição de
acordo, dando segurança e estabilidade para esse franqueado, provavelmente terá
problemas de relacionamento. E tudo o que trouxer insegurança ou
desconfiança nessa relação será prejudicial à sustentabilidade do
negócio.
Também é importante alertar o franqueador:
escutar seu franqueado, praticar a comunicação empática para que possa entender
seus medos, inseguranças e frustrações, e dar tempo ao tempo são ações
necessárias para que ele não tome nenhuma decisão precipitada, afirma a
advogada da Novoa Prado.
"O franqueado precisa se aprofundar
para ver se a nova gestão trará benefícios para o seu negócio. Não é porque a
empresa foi vendida que tudo vai virar uma porcaria: às vezes pode
melhorar."
Dar um crédito também conta, pois tudo pode
ficar igual, já que, em muitos casos, novos franqueadores tomam o cuidado de
tentar manter o padrão da rede, destaca Marina Richter.
"Falou-se muito que, com a venda, a
qualidade da Kopenhagen ia cair, mas a Nestlé comprou a marca justamente por
isso."
Outra questão a ser avaliada é que o novo
dono também pode trazer mais investimentos e inovações para beneficiar e
aumentar os lucros de toda a rede.
"Mas já vi acontecer em várias redes:
o franqueado fala 'não vou me dar bem', 'não vai funcionar', 'prefiro sair'...
Por isso, a melhor alternativa é vender ou repassar. Se simplesmente encerrar,
além de ter que pagar a multa, não vai ganhar nada."
Melitha Novoa Prado reforça que, sair logo
de cara não será bom por não ser algo previsto: tomar uma decisão unilateral
aumenta o risco de se deparar com uma multa - esta sim, já estipulada em
contrato.
"De novo: seja assistido por um
advogado. E, importante, não seja influenciado por outros franqueados com
situação mais confortável que você. Qualquer atitude impensada coloca o seu
dinheiro na reta."
FALIU. E AGORA?
Enquanto a Nestlé aguarda a decisão do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a compra do Grupo CRM
(dono da Kopenhagem e Brasil Cacau), que entrou em análise no último dia 22 de
novembro de 2023, o caso da SouthRock é mais complexo e com
"novidades" nada animadoras a cada momento.
Do pedido de recuperação judicial de 31 de
outubro de 2023 por uma dívida na casa do bilhão que, segundo o grupo, foi
iniciada por problemas na pandemia, à descoberta de uma mansão no Guarujá não
inclusa no processo, passando por dívidas trabalhistas na casa dos R$ 10,447
milhões, a perda da licença de exclusividade da marca Starbucks e a recente
autorização de penhora de bens dos executivos, muita água ainda deve rolar
nesse caso.
A pergunta vem de novo, mas vai além: como
ficam os franqueados de uma rede que mudou de dono/controlador e pede
recuperação judicial? Ou pior, que pode estar em vias de falir?
Segundo Melitha Novoa Prado,
no contrato de franquias há possibilidade tanto do franqueado quanto do
franqueador rescindirem o contrato caso qualquer uma das partes entre com
os pedidos.
"O que podemos prever é que, a
recuperação judicial sendo deferida, os franqueados podem decidir rescindir o
contrato e querer discutir isso judicialmente."
No caso da Starbucks, por exemplo,
controlada pela matriz americana e só com lojas próprias, a questão é
diferente. Mas há o caso específico da Subway, com quase 2 mil unidades
franqueadas em todo o país, que a princípio foi poupada da recuperação
judicial.
Em novembro de 2023, a rede de fast food
foi avaliada para compra pela Cacau Show, do empresário Alexandre Costa,
segundo informações da revista Exame na época. Apesar da dívida alta, que
brecou o avanço da conversa, a marca ainda é um ativo no páreo para eles.
Porém, em 30 de novembro de 2023, a 1ª Vara
de Falências e Recuperação Judicial determinou também que tanto Subway como
Eataly devem entrar no processo a pedido dos credores.
Segundo a advogada da Novoa Prado, a Subway
tem relacionamento direto com a franqueadora americana (Doctors Associates
LLC), que reassumiu a operação em novembro de 2023. Já a SouthRock, sofrendo
seguidas derrotas na Justiça, era só a responsável pela gestão da marca por
aqui.
"Provavelmente, vão ter que achar um
outro gestor no Brasil para poder continuar a operar.
Agora vai ser uma questão de negociação:
quem assumir a gestão da franqueadora da Subway vai ter que assumir os
contratos de franquia. Então, contratualmente não muda nada."
E nesse caso de recuperação judicial, é
motivo para o franqueado pedir rescisão contratual?
Depende do que está escrito no contrato, e
vai depender das negociações que serão feitas.
Mas como a recuperação judicial não foi
aceita ainda pelo Judiciário, que ainda está discutindo com as partes alguns
débitos que não são legais, que foram criados, não se sabe nem o que vai
acontecer com a recuperação, muito menos com os franqueados, lembra
Melitha.
Caso a recuperação seja deferida, os
franqueados da Subway têm a prerrogativa de rescindir o contrato, confirma. Mas
por enquanto, o que se ouve falar é da insegurança na rede, mesmo que o
franqueador lá fora tenha rescindido com a ex-máster franqueada
SouthRock.
"Provavelmente o contrato deles tem
uma cláusula, quase que padrão, de que estão assumindo a gestão", explica.
"Mas sabemos que é uma situação muito delicada, muito complexa, porque há
toda uma gestão que fica meio conturbada. E os franqueados precisam ter uma
referência, precisam ter uma ajuda, uma assistência, um suporte. Tudo ainda
está muito temeroso."
Ao ser perguntada se a Lei de Franquias
prevê alguma proteção nesse sentido, a advogada diz que não há nada específico,
por ter mais a ver com Direito Civil do que esse tipo de contrato.
Porém, o futuro dos franqueados depende de
diversos fatores, que vão além do contrato e da posição de cada um. Pode ser
que algum deles prefira, para não perder dinheiro, continuar com a nova gestão.
Ou pode ser que decida: "não vou esperar a recuperação judicial ser definida
e vou entregar tudo", explica. Vai depender do investimento de cada um
deles.
Ou, quanto tempo está na rede, se já
retornou o investimento ou não, se tem mais de uma loja... pode ser que esse
seja o único patrimônio, o ganha-pão dele, diz.
"Cabe a cada franqueado analisar sua
situação pessoal, com ajuda de advogados, e entender qual será a melhor atitude
caso realmente seja deferida essa recuperação judicial", finaliza.
Fonte: Diário do Comércio