formulário PPP deveria ser impugnado na
esfera trabalhista, o TRF-4 - também conhecido como "tribunal de vanguarda" -
já possuía entendimento no sentido de que a atividade especial deveria ser
demonstrada nos autos do processo previdenciário, com a realização de prova
pericial.
Na memória deste causídico, que começou a atuar junto ao tribunal em meados de
2010, uma vez oferecido o PPP, uma prova produzida fora do processo, o segurado
tinha condições de explicá-lo, impugná-lo e, por meio da prova pericial,
demonstrar a real situação do labor (in loco ou estabelecimento similar). Por
outras palavras, ao autor era possível participar do procedimento em
contraditório. Mais do que isso, os julgadores tinham consciência do papel da
prova pericial. Vale dizer: para verificar a ocorrência (ou não) dos fatos
alegados.
Dito isto, não sabemos em que momento se perdeu de vista o direito processual à
prova pericial, para fins de reconhecimento do tempo de serviço especial.
Você percebe que o processo vem perdendo de vista - até mesmo - o direito
material quando a preliminar de cerceamento de defesa é afastada sob o pretexto
desta se confundir com o mérito. O que se busca, aqui, é uma resposta racional
e superlativa na construção e justificação dos novos fundamentos que embasam
essa mudança jurisprudencial.
Antes de qualquer outra análise, cumpre observar que as questões preliminares e
de mérito, na apelação, devem ser votadas em separado (CPC, artigo 938). No
mérito, o juiz deve analisar a (im)possibilidade de reconhecimento do tempo de
serviço com especial, considerando a prova expedida na forma exigida pela
legislação previdenciária; a preliminar, por outro lado, diz respeito ao
procedimento e, consequentemente, aos meios de prova admitidos em direito.
A jurisprudência e doutrina - que fazem uma declaração, por escrito, no
presente - confirmam que a comprovação do tempo de serviço especial deve ser
feita por meio de formulário-padrão embasado em laudo técnico ou perícia
técnica.
Entre os deveres ligados à função jurisdicional está assegurar o devido
processo legal e a ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV). O processo é considerado
um procedimento que se desenvolve em contraditório, logo, o processo deve
assegurar tudo aquilo que lhe é de direito, como é o caso da prova pericial.
Sendo assim, uma vez justificada a necessidade-utilidade da prova pericial, a
partir de um padrão de dúvida relevante (já escrevi centenas de páginas sobre a
dúvida como elemento metodológico), o juiz não pode simplesmente indeferi-la.
Isso porque a falta de tal providência poderá prejudicar o autor no mérito, com
o não reconhecimento do benefício postulado. As consequências práticas de uma
orientação que nega o "máximo de realidade" - ou que se contenta com o "mínimo
de realidade" do PPP - são catastróficas, impossibilitando, em última análise,
uma nova ação devido à coisa julgada.
Em matéria previdenciária, existe uma
espécie de sanção ao descumprimento do ônus de alegar todos os fatos
constitutivos (todas as causas de pedir) em uma só demanda, com a aplicação da
eficácia preclusiva da coisa julgada. É como dizer: cabe ao autor alegar todos
os agentes nocivos inerentes à função ou meio ambiente de trabalho. Isso se
transformou num pesadelo para o segurado, já que, uma vez deduzidos todos os
agentes nocivos, o autor não tem conseguido estabelecer o contraditório sobre
as informações estampadas no PPP, sendo a prova pericial indispensável para
demonstrar o labor especial. Assim, portanto, a coisa julgada atinge questões
sobre os quais o juiz não teve condições de declarar, de forma definitiva e/ou
minimamente segura, a existência (ou não) do direito, enterrando vivo o direito
do segurado.
A manipulação irrefletida de expressões
como "o formulário preenchido sem inconsistências", "a prova dos autos se
mostra suficiente (para negar)", etc., transformou o "cerceamento de defesa"
num conceito sem coisa. Se o juiz é livre para dizer se a prova pericial é
(ir)relevante, a decisão pelo indeferimento se torna irrecorrível e tudo fica
como está - a extinção do feito, sem resolução de mérito, com fundamento no
Tema Repetitivo costuma ser um "prêmio de consolação" para a negativa de
jurisdição constitucional. Essa fundamentação tornou-se dominante nas turmas -
naturalizada pela repetição e usada como solução fácil para se colocar fim ao
processo, mesmo quando a dúvida poderia ser solvida - exatamente
- pela prova pericial.
O formulário PPP sem inconsistência tem
valor? Ora, claro que tem. Não está incorreto dizer que o formulário "não
apresenta inconsistências". O problema é que, no caso concreto, pode ser
absolutamente falsa a presunção de que o formulário reproduz com exatidão a
realidade laboral vivenciada pelo trabalhador. A propósito, aquilo que o
formulário PPP beneficia o segurado numa coisa não exclui outra. O nível de
ruído acima de 80 decibéis, na vigência do Decreto 53.831/64, pode garantir o
enquadramento de alguns períodos, mas é direito do autor impugnar as
informações fornecidas pela empresa, como quando esta omite outros agentes
nocivos ou, até mesmo, registra um nível de ruído abaixo daquele esperado para
o maquinário utilizado e/ou local de trabalho. Este, portanto, não pode ser o
argumento jurídico para afastar a preliminar de cerceamento de defesa.
Concordar com isso significa dizer que o segurado não conseguirá provar a
exposição a agentes nocivos, quer dizer: na contramão do formulário preenchido
"sem inconsistências".
É preciso entender que não podemos levar às
últimas consequências as informações estampadas no formulário PPP, com a
impossibilidade de se instaurar o contraditório sobre elas. Tomar o formulário
PPP como prova suficiente para negar o direito à aposentadoria especial nos
leva a uma dimensão em que os problemas da realidade são resolvidos por
mimetismo, ou seja, basta a empresa disponibilizar as melhores informações
sobre o meio ambiente de trabalho - mundo este em que a justiça não se faz
necessária.
Ora, o mero esforço já mostra a eficácia do
novo entendimento, permitindo a prova pericial tão-somente para os motoristas
de ônibus ou de caminhão. Sim, a depender da turma, somente os motoristas de
ônibus e de caminhão têm garantida a prova pericial, por força do IAC
5033888-90.2018.4.04.0000, no qual o TRF-4 fixou a seguinte tese: "deve ser
admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades
de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a
atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de
enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal
circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada,
possuindo o interessado direito de produzir tal prova".
Deve ter ficado claro, mas o problema não é
a tese fixada no IAC. Todos têm direito a uma prova pericial individualizada,
quando presentes evidências sérias do labor especial. Somente haverá coerência
se a prova pericial for autorizada sempre que houver uma dúvida relevante, seja
o segurado motorista de ônibus ou mecânico. O reconhecimento da penosidade de
uma atividade depende exclusivamente da prova pericial, sendo que o mesmo vale para
todos os agentes nocivos não mais previstos no RPS, conforme Tema Repetitivo
534/STJ. É impensável se negar a prova pericial para trabalhadores de fábricas
de calçados, em que presumido o contato indissociável com colas e solvente, por
exemplo.
É fácil perceber como tal orientação - de
somente autorizar a prova pericial para quem seja motorista - cria uma
singularidade excludente e perversa. A aplicação por exclusão demonstra a
irracionalidade positivista do sistema jurídico. Reconhecer a necessidade de prova
pericial para o reconhecimento da penosidade deveria, pelo contrário, reforçar
a importância da prova pericial para a demonstração do labor especial em geral.
De novo, aqui não importa o que o tribunal decidiu, mas, sim, por qual razão o
tribunal assim decidiu. O princípio constitucional da isonomia supõe o
tratamento igual de casos, mas não se limita a isso.
Do ponto de vista processual, o espaço da
igualdade deve possibilitar o acesso equânime a direitos, devendo o Direito
estabilizar e conferir coerência e integridade a essas e outras diferenciações.
O acolhimento da preliminar de defesa, acima de tudo e sobretudo (e quase
exclusivamente), para situações envolvendo o IAC 5 conduz à reflexão, ou
melhor, provoca questionamentos profundos. Na comparação com situações já
experimentas (entre colegas de trabalho), uma vez demonstrado que a prova
pericial só é irrelevante até que seja feita, o que mais se reclama é
igual consideração por parte dos julgadores. É impensável que melhor sorte
assista ao segurado em cujo processo são observadas as garantias processuais,
com especial atenção para o direito de prova.
É necessário ganhar distância em relação
àquilo que, precisamente, é percebido como óbvio e evidente por todos. No
Direito Trabalhista, a prova pericial é condição de possibilidade para se
atestar a insalubridade, ou não, das condições de trabalho. No direito
ambiental, o direito analisa juridicamente as observações técnicas descritas
nos laudos periciais, a fim de estabelecer a configuração do risco ou dano
ambiental, que não está adstrito ao respeito aos limites fixados para a emissão
de materiais ou substâncias. No direito previdenciário, alguns juízes entendem
que um documento produzido fora do processo, pela própria empresa, é suficiente
para declarar, de forma definitiva, a inexistência do direito.
A credibilidade do formulário sequer pode
ser verificada, pois a presunção - a priori - de que o documento é
suficiente vem antecipar a valoração do resultado de qualquer prova em sentido
contrário.
A presunção - em desfavor do destinatário
das normas previdenciárias - ignora qualquer dúvida acerca das repercussões que
determinado agente nocivo pode causar à saúde do trabalhador. O devido processo
científico deve ser adotado sempre com o escopo de obtenção das melhores
informações científicas sobre o meio ambiente de trabalho. No entanto, o
direito previdenciário praticado no dia-a-dia ignora a ciência e suas
discussões sobre os riscos abstratos, os limites de tolerância/letalidade, os
efeitos sinergéticos dos agentes nocivos, enfim, fica evidente o nosso
amadorismo. Dentro disso a complexidade é reduzida a quase zero, por amor à
harmonia plástica da composição. Nesse ponto, a doutrina ambiental nos deixa
com muita inveja: "Assim, a atribuição de sentido a um evento como dano
(ou risco ambiental) dependerá, por evidente, de um processo de integração de
informações multidisciplinares que, por sua vez, atuarão como condição de
possibilidade probatório para a formação da convicção judicial" [1].
Em muitos casos, a demonstração do labor
especial depende quase que de forma exclusiva das informações trazidas pelo
perito judicial. No entanto, há uma nítida orientação limitando a realização da
prova pericial.
Na impugnação do formulário PPP, atacam-se
questões (informações) não jurídicas, sobre as quais se tenta estabelecer o
contraditório, em razão da omissão a agentes nocivos, a ineficácia do EPI etc.
Nesse nível, a prova pericial é condição para a decodificação e construção
técnica do sentido jurídico de risco, ou melhor, para a declaração do labor
especial pelo magistrado. A discussão vai muito além da visão solipsista de
alguns juízes, que acreditam serem os únicos destinatários da prova - aqui se
poderia falar do juiz (im)parcial que só indefere a prova pericial. É claro que
não podemos tergiversar para os problemas de ordem prática (e.g.: elevado
número de processos, baixo número de juízes, cobrança e metas do CNJ); mas
eles, nem de longe, justificam a supressão de garantias processuais.
Enquanto advogado e professor, preocupado
com os direitos fundamentais-sociais, defendo critérios procedimentais mais
equilibrados e sensíveis, com respeito ao devido processo legal, que, em
matéria previdenciária, consiste na necessidade de se assegurar a qualquer
processo ou procedimento o direito de produção ou instrução probatória -
observado, como já se viu, um padrão de dúvida relevante. Trata-se de uma
orientação garantidora de um rito com a função de ser adequada para se
verificar a real situação do labor - permitindo a ponderação mais atenta sobre
a credibilidade das informações fornecidas pela empresa, em face do conflito de
interesses em jogo.
Por outro lado, a doutrina se tornou
caudatária. Continuamos presos ao CPC de 1973, com a defesa de teses como a
discricionariedade judicial, o livre convencimento, a livre apreciação da prova
e jargões como "juiz decide conforme sua consciência" - uma linguagem privada
que se sobrepõe à lei. Por óbvio, o CPC 2015, que alterou profundamente a
legislação processual, instituindo um modelo cooperativo, fundado no diálogo,
não encontra receptividade, como sugere Hans-Georg Gadamer: "Quem quer
compreender um texto, em princípio, deve estar disposto a deixar que ele diga
alguma coisa. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente tem que se
mostrar receptiva, desde o princípio, para a alteridade do texto" [2].
Talvez esteja exagerando, mas não me lembro
de momento igual. As decepções que se somam e geram um estado de descrença, de
impotência, enfim, de insegurança jurídica, colocam em xeque o papel do
judiciário e, sobretudo, da advocacia previdenciária, este último considerando
o direito do autor de influir ativamente na construção da decisão. Prejudicar
os segurados com o indeferimento da prova pericial é um dano a toda uma visão
social que merece o direito previdenciário.
Mas por que falar, no mesmo texto, em
devido processo legal, prova pericial, segurança jurídica e coisa julgada?
Porque está tudo entrelaçado e por um fio. A coisa julgada depende de um
processo democrático. Por outras palavras, só podemos ter segurança jurídica à
medida que for garantido o contraditório e a ampla defesa no processo. Nas
palavras de Carlos Henrique Soares, a "busca pela democracia no processo
jurisdicional é que vai permitir a formação da coisa julgada constitucional". O
jurista conclui: "a coisa julgada não tem a função de garantir a segurança
jurídica. A segurança jurídica é que permite a formação da coisa julgada" [3].
O nosso CPC encampou o paradigma do
processo democrático, isto é, uma decisão que não for gerada democraticamente,
com a efetiva participação das partes, nunca ficará sob o manto da coisa
julgada. A rigor, a coisa julgada "não se aplica se no processo houver
restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da
análise da questão prejudicial" (CPC, artigo 503, § 2º).
Também o artigo 123 prevê a possibilidade
de discussão da coisa julgada quando, pelo estado em que aderiu ao processo, o
assistente ficou impedido de produzir provas capazes de defender seus interesses.
As decisões que não obedecem ao princípio
da democracia - e são muitas - não são capazes de fazer coisa julgada. Eu sei,
tudo isso é polêmico e merece um outro artigo! Nota mental para 2024: um
ano com mais diálogo, para debatermos seriamente estas e outras questões.
O verdadeiro diálogo judicial ocorre quando atendidas as necessidades de
sinceridade e respeito mútuo!
Este artigo é resultado de um diálogo com a
doutrina: CARVALHO, Délton Winter de. Gestão jurídica ambiental. São Paulo:
Editora dos Tribunais, 2017. p. 443-452.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: traços
fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 405.
SOARES, Carlos Henrique. Coisa julgada
constitucional: teoria tridimensional da coisa julgada: justiça, segurança
jurídica e verdade. Coimbra: Edições Almedina, 2009. p. 21.
Autor:
Diego Henrique Schuster
Advogado,
professor, doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de
Direito Previdenciário (IBDP).