É necessário um diálogo
intenso para semear soluções criativas para esses problemas da sociedade em
rede e hiperconectada em que vivemos
"Você é um nomofóbico?".
Essa foi a pergunta de partida de minha fala no Congresso da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho, em outubro de 2023, na cidade de São Paulo.
A pergunta até parece aquelas pegadinhas de programas de humor, quando se
perguntam, para pessoas humildes e sem escolaridade, o que elas fariam se
soubessem que seus filhos são heterossexuais!
Deixando de lado as
brincadeiras, o assunto aqui é sério, relevante, o uso dos smartphones no
ambiente de trabalho, possuindo impacto na vida profissional e pessoal de
todos, e sobretudo impacto na produtividade das empresas.
A "nomofobia" é um
neologismo de "no mobile phobia", o medo de ficar sem o aparelho celular, sem
acesso à tecnologia, de não estar conectado, o que pode ser considerado,
inclusive, um transtorno psicológico, segundo a OMS - Organização Mundial da
Saúde, em razão de a adicção ser considerada uma doença.
Assim, essa dependência
digital, o medo de ficar desconectado, é algo novo e desperta muita atenção dos
estudiosos da área. Mas essa questão médica propriamente, ou psicológica,
deixa-se para os profissionais competentes.
O que se pretende
abordar, aqui, é o impacto do (ab)uso do smartphone no ambiente de trabalho,
saber quais as consequências jurídicas.
Veja-se o que aconteceu
no aeroporto de Guarulhos, em outubro de 2023: uma greve, uma paralisação, no
setor de cargas do aeroporto, pois os trabalhadores estavam questionando a
proibição do uso de celulares no ambiente de trabalho!
Essa proibição decorreu
em razão do caso de duas brasileiras que foram presas na Europa, e tanto a
Receita Federal quanto a concessionária do aeroporto determinaram a proibição
do uso de smartphones no setor, evitando trocas de bagagens e garantindo uma
segurança maior no manuseio das cargas.
Essa paralisação, no
mínimo curiosa, provoca algumas reflexões sobre a possível ascensão de um
"direito à conexão", como um corolário, um contraponto, ao "direito de
desconexão". Notem que o smartphone, definitivamente, leva o trabalho para o
espaço da casa e do lazer, por meio da leitura e escrita de e-mails, realização
de videoconferências, mensagens eletrônicas, acesso aos arquivos e sistemas nas
nuvens etc.
A sociedade hoje é tão
conectada, em rede, que o smartphone se configura uma espécie de longa manus,
uma extensão do nosso corpo, integrando (mas ainda não incorporando) a máquina
ao nosso corpo.
E, agora, em movimento
inverso (e de certa forma pendular) o espaço da casa e do lazer invade o
trabalho! A classe trabalhadora, ao que parece, clama por um "direito à
conexão", e a retirada ou a mitigação desse direito, como foi o caso de
Guarulhos, provoca a insurgência por meio da greve e de outras formas de
contestação, como o boicote.
Será que estamos todos
mesmo ficando nomofóbicos? Será que é possível (con)viver sem o acesso à rede?
Não se pretende aqui
abordar o legítimo interesse e poder do empregador de regular, por meio de
norma interna, o uso de celular no ambiente de trabalho. Mas, chama a atenção
que o assunto já é cláusula, por exemplo, de convenção coletiva de trabalho do
setor de construção civil em São Paulo, ressaltando a faculdade do empregador
de disciplinar o uso do smartphone no local e no horário de trabalho.
Notem: a solução, em vez
de ser unilateral pelo empregador, passa a ser autorizada, concertada,
negociada, por meio de convenção coletiva, tornando, em alguma medida, mais
legítima e democrática a medida proibitiva de conexão.
Para além da questão da
produtividade, isto é, o tempo do uso celular versus o tempo de efetiva
produção, há uma questão primordial no setor da construção civil para tal
proibição: evitar acidentes de trabalho, afastando a distração e o ato
inseguro. Da mesma forma, lá no aeroporto de Guarulhos, a proibição teve um fundamento
de segurança.
Há uma dissertação de
excelência, de um médico do trabalho cearense, um estudioso e talentoso
pesquisador, Pedro Fernandes Oliveira, a respeito das "repercussões do uso de
smartphones na saúde dos professores universitários". Os professores sabemos o
que passamos na pandemia.
O médico chama a
atenção, em resumo, para três grandes grupos de repercussões em razão do uso do
smartphone na saúde dos professores, o que pode, por simetria, ser levado para
toda a classe de trabalhadores:
Primeiro, as
consequências "físicas", o que se revela em questões ergonômicas, posturais, e
podem levar a lesões por esforço repetitivo (LER), cervicalgia e problemas de
visão, por conta da luminosidade das telas.
Segundo, as
consequências "mentais", sobretudo em relação ao distúrbio do sono, o que pode
provocar insônia, e, por sua vez, a insônia pode provocar a sonolência no
ambiente de trabalho, o que leva à irritabilidade, à distração, acidentes,
baixa produção, burn out, sentimento de culpa etc. Talvez este seja o impacto
na saúde mais significativo, pois ele é gatilho para vários outros distúrbios
físicos e mentais.
Terceiro, consequências
"sociais e familiares", chamado por ele de "conflito trabalho-família". Aqui,
envolvem-se os membros de uma família, sobretudo o cônjuge, nos aspectos do
trabalho, levando até sentimentos do cônjuge de engajamento ou, por outro lado,
de ressentimento, com o trabalho, ampliando a esfera de influência laboral na
vida pessoal, não só do trabalhador, mas de toda a sua família.
Enfim, somos, em alguma
medida, cobaias dessa nova forma de trabalhar, atuar e viver, em que o
smartphone é meio de comunicação, interação, conexão, no fluxo de dados e
vivência entre os espaços do trabalho e da casa. E, no meio do caminho, o corpo
e a mente interagem e reagem a esse movimento.
É necessário um diálogo
intenso do direito com a psicologia, com a medicina e com a engenharia, para
semear soluções criativas para esses problemas da sociedade em rede e
hiperconectada em que vivemos.
Autor: Eduardo Pragmácio
Filho. Doutor e mestre em direito do trabalho.