É notório que os acordos de sócios são
instrumentos societários amplamente utilizados no mercado acionário pelas
sociedades brasileiras e estrangeiras, com previsão legal expressa no artigo
118 da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.) e pacífica aceitação doutrinária, sendo
adotados tanto por companhias de capital aberto, como por companhias de capital
fechado e até mesmo por sociedades limitadas, desde que, neste último caso, o
contrato social de referida sociedade possua previsão expressa de aplicação
subsidiária, nos termos do artigo 1.053 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil).
Nesse cenário, observa-se que o mercado brasileiro adotou os acordos de
acionistas como forma de estabelecer regras e condições visando o controle
compartilhado de acionistas ou previsão de direitos diversos aos acionistas
estrangeiros ou minoritários, especialmente tratando-se de assuntos
institucionais e administrativos afeitos à própria administração e assembleia
geral das companhias. (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas, 2º Volume: artigos 75 a 137 - 5ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2011, pg.
658.)
Em razão da relevância que este instrumento passou a representar no cotidiano
das empresas, e para melhor compreensão da funcionalidade dos acordos de sócios
e de suas possíveis aplicações no contexto do direito societário, é essencial
proceder à análise conjunta dos contornos legais definidos pela legislação
societária vigente e das motivações e fundamentos econômicos que tornam os
acordos de sócios instrumentos atrativos para criação de mecanismos voltados a
mitigar conflitos entre sócios, estruturação de blocos de voto, regras e
restrições para transferência de participação societária, dentre outros.
Diante desse cenário, buscamos analisar no presente artigo em que medida os
acordos de acionistas poderão ser utilizados como instrumentos extra sociais
aptos à resolução de problemas de agência, redução de custos de transação a
longo prazo e assimetrias informacionais oriundas da relação entre sócios, com
mecanismos voltados à redução de risco moral (moral hazard) e condutas
oportunistas de sócios e administradores signatários de referidos contratos.
O acordo de acionistas pode ser definido como "um contrato celebrado entre
acionistas de determinada companhia, visando à composição de seus interesses
individuais e ao estabelecimento de normas de atuação na sociedade,
harmonizando seus interesses próprios ao interesse social". (EIZIRIK, Nelson. A
Lei das S/A Comentada. Volume II - 2ª Edição Revista e Ampliada - Artigos 80 a
137. São Paulo: Quartier Latin, 2015, pg. 263)
Com base nesta definição lecionada pelo professor Nelson Eizirik, é possível
depreender-se a função primordial dos acordos de acionistas, qual seja a de
alinhamento de interesses entre sócios, bem como a negociação e estabelecimento
dos termos e condições que nortearão a relação entre os sócios no exercício do
objeto social de uma determinada companhia, bem como em potenciais eventos
extraordinários que possam vir a ocorrer ao longo da vida da sociedade.
Verifica-se, portanto, que a relação entre sócios controladores e minoritários,
bem como as relações entre sócios e administradores compõe o que os economistas
denominam "problemas de agência", nos quais verifica-se a existência de uma
assimetria informacional entre as partes que propicia e incentiva condutas
oportunistas de administradores e sócios controladores, que os beneficiem em
detrimento dos demais sócios.
Referidos problemas de agência geram reflexos danosos à economia, posto que as
condutas oportunistas oriundas de tais conflitos de interesses resultam na
alocação de recursos de forma economicamente ineficiente e geram efeitos
indesejados ao mercado, que passa a precificar a incerteza jurídica e
desconfiança entre os agentes de mercado, mediante redução de remuneração a
administradores, aumento na taxa de juros para crédito, queda de preços das
ações, dentre outros.
Por este motivo, no intuito de maximizar a eficiência econômica das companhias
e o bem-estar social agregado, é desejável a regulamentação dos potenciais
conflitos de interesse resultantes dos problemas de agência, como forma de
mitigar os impactos negativos oriundos de tais relações societárias.
Nesse sentido, buscando reduzir os conflitos de agência, a legislação logrou
positivar normas cogentes voltadas a mitigar a assimetria informacional
naturalmente existente nas relações societárias (p. ex., os artigos 109, III, e
133 da Lei das S.A.), ao garantir a todos os sócios o amplo acesso,
disponibilização e direito de fiscalização das informações e documentos sociais
e contábeis relevantes da sociedade.
Nesse sentido, analisando as duas facetas mais comuns dos problemas de agência
e de suas resoluções práticas no mercado e no direito positivo, John Armour,
Henry Hansmann e Reinier Kraakman pontuaram que o mercado e a legislação
adotaram estratégias regulatórias e estratégias de governança.
As estratégias regulatórias são prescritivas: ditam termos substantivos que
regem o conteúdo da relação agente-representado, tendendo a restringir
diretamente o comportamento do agente. Por outro lado, as estratégias de
governança procuram facilitar o controle dos representados sobre o
comportamento da agente. (KRAAKMAN, Reinier et. al. A Anatomia do Direito
Societário: Uma Abordagem Comparada e Funcional / Reinier Kraakman et. al;
tradução: Mariana Pargendler. 3ª Ed., São Paulo: Singular, 2018, p. 83.)
Reduzir custos de transação
Dentre as estratégias de governança para minimizar os impactos dos problemas de
agências e, portanto, reduzir a assimetria informacional e os custos de
transação, o acordo de sócios se verifica como um instrumento societário
privado amplamente utilizado pelo mercado e eficaz neste propósito, como forma
de complementar ou mesmo melhor disciplinar as normas regulatórias de conduta
já previstas em lei.
Com isso, o acordo prevê formas adicionais de disciplinar a relação entre
sócios, muitas vezes pautadas em melhores práticas de mercado, visando a
equalizar a relação entre sócios.
Algumas cláusulas usuais de acordos de sócios, principalmente acordos de votos
e de controle tratam da estipulação de governança societária no estabelecimento
de quóruns de votação e direitos de veto na aprovação de determinadas materiais
de relevância nas sociedades, tais como aprovação de plano de negócios, eleição
de administradores, reestruturação societária, ingresso de novos sócios, dentre
outros. Tais tipos de cláusulas podem ter dupla finalidade, a depender
dos signatários do acordo.
Nos acordos de controle, os dispositivos em comento podem servir para alinhar
os interesses dos sócios formadores do bloco de controle, de modo a sedimentar
o exercício de seu controle em determinada sociedade.
Por sua vez, nos acordos de voto minoritário, objetivam garantir aos sócios
minoritários um maior nível de ingerência nos rumos da sociedade, de modo a
balancear os poderes entre sócios controladores e sócios minoritários e prever
maior transparência e disponibilização de informações do negócio, como forma de
reduzir a assimetria informacional entre acionistas e desincentivar
comportamentos oportunistas dos sócios controladores.
Por outro lado, um acordo de bloqueio possui cláusulas voltadas à restrição na
transferência de quotas, com regulamentação de direitos específicos como os de
preferência, venda conjunta (tag-along) ou direito de exigir a venda conjunta (drag-along),
dentre outras.
Nesse sentido, observa-se que a lógica econômica por trás de tais cláusulas é a
manutenção do controle da companhia e manutenção da valorização patrimonial da
participação societária, ainda no sentido de garantir a previsibilidade de
condutas entre sócios ao longo da vida da sociedade.
Além disso, tais cláusulas de restrição de participação societária, por muitas
vezes, servem também para garantir direitos adicionais aos previstos na
legislação para sócios minoritários, de forma a reduzir os potenciais danos
patrimoniais aos minoritários advindos de potenciais ofertas de aquisição de
participação societária recebidas pelos controladores.
Um exemplo de cláusulas nesse sentido é a de tag-along e a de tail,
que buscam reduzir os incentivos de os controladores exercerem seu poder de
controle apenas em seu interesse na alienação de participação societária, ao
prever-se que também se estenderá a oferta aos demais sócios, nas mesmas
condições.
Por fim, há que se fazer uma análise dos custos de transação gerados na
negociação e celebração de acordos de sócios. Com relação a este aspecto, a
economia dos custos de transação assume que os contratos são necessariamente
incompletos, no sentido de que é economicamente impossível que se redija um
contrato que contenha a previsão ex ante de todas as possíveis
contingências contratuais possíveis.
Por essa razão, a economia dos custos de transação é orientada a identificar os
distintos mecanismos ex post de solução de conflitos contratuais,
relacionando-os ao poder outorgado ao empresário para resolver o conflito.
(CAVALLI, Cassio. Empresa, Direito e Economia, 1ª Edição, Imprenta: Rio de
Janeiro,
Forense, 2013, pg. 181)
Inicialmente, cumpre ressaltar que, em que pese a negociação dos termos de um
acordo de sócios represente um aumento inicial nos custos de transação, dado
que a negociação de um acordo é dispendiosa e demanda tempo, a lógica econômica
por trás da celebração de um acordo de sócios é a redução nos custos de
transação a longo prazo.
Isto porque, ao previamente estabelecer ritos e condutas próprias das partes
previamente à ocorrência de determinados eventos sociais, tais como
deliberações em assembleias gerais ou alienação de participação societária, os
sócios reduzem também os custos de transação de negociar o procedimento a ser
realizado caso a caso. Com isso, há uma maior previsibilidade na conduta dos
sócios e nos resultados de tais eventos societários, o que evita ou, ao menos,
mitiga o risco de conflitos societários.
Solução de conflitos
Na mesma esteira da previsibilidade de conduta almejada pelas partes e redução
de conflitos societários, os acordos de sócios costumam conter regras
específicas voltadas à solução de conflitos de forma pacífica, seja mediante a
eleição de foro arbitral para tais decisões, seja mediante previsão de solução
alternativas (p. ex. opções de compra ou cláusulas de shotgun).
Com relação ao problema de agência relacionado aos administradores, a própria
Lei das S.A., nos parágrafos 8º e 9º do artigo 118, previu expressamente a
vinculação dos membros do conselho de administração e diretores eleitos aos
termos e condições acordos de sócios, em que pesem não sejam partes
expressamente signatárias de tais acordos.
Com isso, resta claro o reconhecimento da legislação de que os administradores
são figuras imprescindíveis à consecução dos objetivos da sociedade.
(CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, 2º Vol:
artigos 75 a 137, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 685)
Por este motivo, verifica-se que o acordo de sócios também é um eficiente
instrumento para mitigar os problemas de agência oriundos da relação sócios e
administradores das companhias, dado que também podem estabelecer procedimentos
específicos para e destituição de administradores, bem como requisitos mínimos
para a conduta de tais administradores no exercício de sua atividade.
Diante de todo o cenário exposto, é evidente que os acordos de sócios são
importante figura no direito societário brasileiro e mundial voltado ao
alinhamento de interesses entre os sócios de uma determinada sociedade e que
este instrumento pode adotar diversas facetas, a depender do seu propósito e
das características dos sócios signatários.
Em que pese suas diferenças substanciais, os acordos de acionistas têm o
propósito de reduzir os conflitos de agência entre sócios e administradores,
bem como reduzir os custos de transação entre sócios a longo prazo, previamente
à instauração de conflitos, de modo a regular a conduta dos sócios em
potenciais eventos relevantes da sociedade antes de sua ocorrência.
Também possuem a finalidade de mitigar condutas oportunistas de acionistas e
podem funcionar como importantes instrumentos redutores de assimetria
informacional entre sócios, principalmente entre sócios controladores e
minoritários
Portanto, verificamos que a utilização dos acordos de sócios como instrumentos
redutores de problemas de agência na relação entre sócios controladores e
minoritários e entre sócios e administradores, bem como para redução de custos
de transação a longo prazo, é eficiente do ponto de vista jurídico e econômico,
tendo sido, por esses motivos, prática corrente no mercado para estabelecer
maior segurança jurídica nas relações entre sócios e maior geração de valor do
negócio.
Bibliografia
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, 2º Vol: artigos
75 a 137, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015.
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada.
Volume II - 2ª Edição Revista e Ampliada - Artigos 80 a 137, São Paulo:
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José Luiz. Acordo de Acionistas sobre Exercício do Direito de Voto. In: Alfredo
Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (coord.). A Lei das S.A.:
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SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito
societário: eficácia e sustentabilidade, 5ª ed., São Paulo: Saraiva Educação,
2019.
KRAAKMAN, Reinier et. al. A Anatomia do
Direito Societário: Uma Abordagem Comparada e Funcional / Reinier Kraakman et.
al; tradução: Mariana Pargendler. 3ª Ed., São Paulo: Singular, 2018. Título
Original: "The Anatomy of Corporate Law, a Comparative and Functional Approach.
Third Edition".
CAVALLI, Cassio. Empresa, Direito e
Economia, 1ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2013, pg. 181.
Autor:
Guilherme Anderson Lomonico, é
advogado, mestrando em Direito dos Negócios, pós-graduado em Direito Societário
pela FGV-SP e graduado em Direito PUC-SP.