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Possibilidade de penhora de dinheiro ou ativos de cônjuge de devedor


Publicada em 25/03/2024 às 09:00h 



Recentemente, por meio do julgamento do Recurso Especial 1.830.735-RS, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze. a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu ser possível a constrição judicial de bens do cônjuge do devedor, casado sob o regime da comunhão universal de bens, inclusive de penhora de ativos e ainda que não tenha sido parte no processo, respeitada a sua meação.


Com este julgamento, a referida composição muda a posição que vinha adotando, se alinhando ao entendimento a casos análogos da 3ª Turma daquela corte.


No entanto, ainda há resistências na jurisprudência quanto a esse entendimento, especialmente no que tange à possibilidade de penhora via Sisbajud. Argumenta-se a necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa, pois o cônjuge não participou do processo de conhecimento ou execução.


O princípio da ampla defesa e do contraditório, que vem sendo adotado para negar a possibilidade de contrição de ativos de forma "on line" do cônjuge em comunhão parcial de bens em processos de execução, está previsto no artigo 5º, inciso LV da Carta Magna, dispondo que é resguardado aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.


Esse princípio se trata de uma garantia de que o cidadão terá assegurada a oportunidade de formular sua defesa ou seu recurso, de modo a trazer ao conhecimento do julgador a verdade dos fatos e demonstrar ofensa a direito ou ilegalidades que lhe prejudiquem, cerceiem sua liberdade ou privem seus bens. Pode se dizer que a garantia é de acesso e oportunidade de defesa, não nos parecendo adequado vincular sua oportunidade à razão ou procedência da defesa.


Até pelo fato de a garantia da ampla defesa e do contraditório ser um direito em si, de acesso a defesa e oportunidade da parte de levar suas razões ao julgador judicial ou administrativo, desvinculado do mérito sobre a razão do cidadão acerca da verdade dos fatos ou existência ou não de ilegalidade, não parece que ela possa servir para afastar uma possibilidade expressamente prevista no ordenamento jurídico em favor de outra parte.


Justamente seria o caso do direito do credor exequente que busca satisfazer o débito perante devedor casado em regime de comunhão parcial de bens.


O artigo 1.658 do Código Civil dispõe que compõem o patrimônio comum ou comunicam-se os bens que o casal adquirir ou sobrevierem na constância do casamento. As exceções estão arroladas no artigo 1.659. Relevante para a presente reflexão, que trata da possibilidade de penhora de ativos do cônjuge do executado, seria a hipótese de exclusão do inciso VI do artigo supracitado.


O dispositivo excepciona da comunhão os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge. Mas de qualquer forma, não é este o fundamento de parte da jurisprudência para o afastamento do pedido de penhora de ativos do cônjuge, mas sim a necessidade de garantia do contraditório e ampla defesa.


Ocorre que a lei processual prevê a possibilidade tanto da execução dos bens em sentido amplo dos cônjuges quanto também da defesa do cônjuge em relação à medida.


Neste sentido, não há sentido que a questão da penhora de ativos do cônjuge seja tratada como uma questão de suposta ausência de contraditório e ampla defesa. Quando muito, seria infringência ao princípio da legalidade, se não houvesse esta previsão no ordenamento. Mas também não é o caso.


Quanto à ordem de preferência de execução dos bens do devedor, a matéria é tratada no artigo 835 do Código de Processo Civil. O dispositivo é cogente, no sentido de que o primeiro bem na ordem de preferência é o dinheiro, seja em espécie ou depositado em instituição financeira.


O artigo 790 do CPC

Mas no que importa mais especificamente ao presente raciocínio, o Código de Processo Civil dispõe expressamente no artigo 790 quais seriam os bens sujeitos à execução para penhora e alienação para satisfação dos débitos. A hipótese do inciso IV do referido dispositivo se refere justamente aos bens do cônjuge ou do companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida:


"Art. 790. São sujeitos à execução os bens: (.) IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida;"


Pelo que se verifica, o referido dispositivo não excepciona o dinheiro como bem do cônjuge a ser objeto de execução, mas estabelece apenas que o critério é que responda pela dívida. Mas uma penhora de dinheiro do cônjuge, resguardada sua meação ou não, antes de aferição se ele responde pela dívida, seria propriamente uma ofensa à ampla defesa e contraditório? Nos parece que não.


Como referido antes, independente do acerto ou não das suas razões, o princípio da ampla defesa e contraditório é uma garantia de acesso ou oportunidade do levar ao julgador o conhecimento da verdade dos fatos ou de prejuízo em razão de ilegalidade ou ofensa a direito subjetivo previsto no ordenamento. E esta garantia é plenamente prevista ao cônjuge ou companheiro que tem sua conta penhorada em razão de dívida do outro.


Conclusão


O artigo 674 do Código de Processo Civil prevê àquele que, não sendo parte no processo, vier sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, a inibição ou desconstituição por meio dos embargos de terceiro.


Se há meio processual específico e definido para aquele que não é parte na execução, ou não fora também no processo de conhecimento, desfazer constrição no todo ou em parte de seu patrimônio, como é o caso do cônjuge que tem ativos constritos em razão da dívida do outro, o indeferimento do pedido do exequente desta penhora ou mesmo possibilidade desta penhora nos parece um julgamento de ofício adiantado do que deveria se realizado por meio deste instrumento pelo cônjuge.


E assim, havendo previsão no direito material e processual, tanto da possibilidade de atingir bens de um cônjuge por dívida do outro, nos regimes de comunhão parcial ou universal de bens, quanto da defesa do cônjuge por meio próprio e a adequado quanto à medida, não se cogita que possa haver ofensa ao contraditório ou ampla defesa, a não ser pela eventualidade daquele que sofreu a constrição ter suprimido o seu direito de utilizar o respectivo meio processual previsto para sua defesa.


Autor: Daniel de Pinho Argou, é advogado no escritório Hartwig Advocacia, em Pelotas (RS), graduado em Direito pela Universidade Federal de Pelotas e pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.






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