Recentemente, por meio do julgamento do
Recurso Especial 1.830.735-RS, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze.
a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu ser possível a constrição
judicial de bens do cônjuge do devedor, casado sob o regime da comunhão
universal de bens, inclusive de penhora de ativos e ainda que não tenha sido
parte no processo, respeitada a sua meação.
Com este julgamento, a referida composição
muda a posição que vinha adotando, se alinhando ao entendimento a casos
análogos da 3ª Turma daquela corte.
No entanto, ainda há resistências na
jurisprudência quanto a esse entendimento, especialmente no que tange à
possibilidade de penhora via Sisbajud. Argumenta-se a necessidade de
observância do contraditório e da ampla defesa, pois o cônjuge não participou
do processo de conhecimento ou execução.
O princípio da ampla defesa e do
contraditório, que vem sendo adotado para negar a possibilidade de contrição de
ativos de forma "on line" do cônjuge em comunhão parcial de bens em
processos de execução, está previsto no artigo 5º, inciso LV da Carta Magna,
dispondo que é resguardado aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo e aos acusados em geral, o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes.
Esse princípio se trata de uma garantia de
que o cidadão terá assegurada a oportunidade de formular sua defesa ou seu
recurso, de modo a trazer ao conhecimento do julgador a verdade dos fatos e
demonstrar ofensa a direito ou ilegalidades que lhe prejudiquem, cerceiem sua
liberdade ou privem seus bens. Pode se dizer que a garantia é de acesso e
oportunidade de defesa, não nos parecendo adequado vincular sua oportunidade à
razão ou procedência da defesa.
Até pelo fato de a garantia da ampla defesa
e do contraditório ser um direito em si, de acesso a defesa e oportunidade da
parte de levar suas razões ao julgador judicial ou administrativo, desvinculado
do mérito sobre a razão do cidadão acerca da verdade dos fatos ou existência ou
não de ilegalidade, não parece que ela possa servir para afastar uma
possibilidade expressamente prevista no ordenamento jurídico em favor de outra
parte.
Justamente seria o caso do direito do
credor exequente que busca satisfazer o débito perante devedor casado em regime
de comunhão parcial de bens.
O artigo 1.658 do Código Civil dispõe que
compõem o patrimônio comum ou comunicam-se os bens que o casal adquirir ou sobrevierem
na constância do casamento. As exceções estão arroladas no artigo 1.659.
Relevante para a presente reflexão, que trata da possibilidade de penhora de
ativos do cônjuge do executado, seria a hipótese de exclusão do inciso VI do
artigo supracitado.
O dispositivo excepciona da comunhão os
proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge. Mas de qualquer forma, não é
este o fundamento de parte da jurisprudência para o afastamento do pedido de
penhora de ativos do cônjuge, mas sim a necessidade de garantia do
contraditório e ampla defesa.
Ocorre que a lei processual prevê a
possibilidade tanto da execução dos bens em sentido amplo dos cônjuges quanto
também da defesa do cônjuge em relação à medida.
Neste sentido, não há sentido que a questão
da penhora de ativos do cônjuge seja tratada como uma questão de suposta
ausência de contraditório e ampla defesa. Quando muito, seria infringência ao
princípio da legalidade, se não houvesse esta previsão no ordenamento. Mas
também não é o caso.
Quanto à ordem de preferência de execução
dos bens do devedor, a matéria é tratada no artigo 835 do Código de Processo
Civil. O dispositivo é cogente, no sentido de que o primeiro bem na ordem de
preferência é o dinheiro, seja em espécie ou depositado em instituição
financeira.
O artigo 790 do CPC
Mas no que importa mais especificamente ao
presente raciocínio, o Código de Processo Civil dispõe expressamente no artigo
790 quais seriam os bens sujeitos à execução para penhora e alienação para
satisfação dos débitos. A hipótese do inciso IV do referido dispositivo se
refere justamente aos bens do cônjuge ou do companheiro, nos casos em que seus
bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida:
"Art. 790. São sujeitos à execução os bens:
(.) IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de
sua meação respondem pela dívida;"
Pelo que se verifica, o referido
dispositivo não excepciona o dinheiro como bem do cônjuge a ser objeto de
execução, mas estabelece apenas que o critério é que responda pela dívida. Mas
uma penhora de dinheiro do cônjuge, resguardada sua meação ou não, antes de
aferição se ele responde pela dívida, seria propriamente uma ofensa à ampla
defesa e contraditório? Nos parece que não.
Como referido antes, independente do acerto
ou não das suas razões, o princípio da ampla defesa e contraditório é uma
garantia de acesso ou oportunidade do levar ao julgador o conhecimento da
verdade dos fatos ou de prejuízo em razão de ilegalidade ou ofensa a direito
subjetivo previsto no ordenamento. E esta garantia é plenamente prevista ao
cônjuge ou companheiro que tem sua conta penhorada em razão de dívida do outro.
Conclusão
O artigo 674 do Código de Processo Civil
prevê àquele que, não sendo parte no processo, vier sofrer constrição ou ameaça
de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito
incompatível com o ato constritivo, a inibição ou desconstituição por meio dos
embargos de terceiro.
Se há meio processual específico e definido
para aquele que não é parte na execução, ou não fora também no processo de
conhecimento, desfazer constrição no todo ou em parte de seu patrimônio, como é
o caso do cônjuge que tem ativos constritos em razão da dívida do outro, o
indeferimento do pedido do exequente desta penhora ou mesmo possibilidade desta
penhora nos parece um julgamento de ofício adiantado do que deveria se
realizado por meio deste instrumento pelo cônjuge.
E assim, havendo previsão no direito
material e processual, tanto da possibilidade de atingir bens de um cônjuge por
dívida do outro, nos regimes de comunhão parcial ou universal de bens, quanto
da defesa do cônjuge por meio próprio e a adequado quanto à medida, não se
cogita que possa haver ofensa ao contraditório ou ampla defesa, a não ser pela
eventualidade daquele que sofreu a constrição ter suprimido o seu direito de
utilizar o respectivo meio processual previsto para sua defesa.
Autor:
Daniel de Pinho Argou, é advogado no escritório Hartwig Advocacia, em Pelotas
(RS), graduado em Direito pela Universidade Federal de Pelotas e pós-graduado
em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.
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