A busca por planejamentos sucessórios e
patrimoniais vem crescendo significativamente nos últimos anos, refletindo uma
preocupação das famílias em resguardar o futuro e o patrimônio conquistado ao
longo da vida. Contudo, em dezembro de 2023, essa discussão ganhou novos
contornos com a promulgação da reforma tributária.
Apesar do foco na tributação do consumo, a Emenda Constitucional (EC) nº
132/2023 também traz mudanças em relação a outros tributos, como o Imposto
sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), o que poderá impactar
significativamente a carga tributária na transmissão de heranças e doações.
Como funciona o ITCD na atualidade?
Atualmente, os estados e o Distrito Federal possuem autonomia para regularem a
forma de cálculo e cobrança do ITCD, desde que em observância aos limites
previstos pela Constituição. Dentre tais limites, destaca-se a restrição quanto
a alíquota máxima do imposto, que permanece sendo de 8%, mesmo após a reforma
tributária, conforme determina a resolução do Senado vigente desde 1992.
Como regra geral, o cálculo do ITCD sobre
herança e doações é feito pela aplicação da alíquota prevista (de até 8%) sobre
o valor venal (de mercado) do bem ou direito recebido.
E o que muda com relação ao ITCD?
Dentre as alterações trazidas pela reforma tributária, a principal mudança diz
respeito à obrigatoriedade de utilização de alíquotas progressivas em razão do
valor da transmissão ou doação. Portanto, com essa alteração, quanto maior o
valor dos bens objeto da herança ou doação, maior será a alíquota aplicável.
Apesar da novidade, alguns estados já previam a utilização de alíquotas
progressivas de acordo com o valor do bem, como é o caso de Santa Catarina e
Rio de Janeiro. Por outro lado, outros estados, como
São Paulo e Minas Gerais, aplicam as alíquotas de 4% e 5% (respectivamente)
para cálculo do imposto devido, independentemente do valor do bem ou direito
transferido.
Nos estados que ainda não preveem a adoção de alíquotas progressivas, a edição
de normas específicas sobre o tema deverá acontecer em breve. Em São Paulo, foi
apresentado projeto de lei (PL) que propõe a adoção de percentuais de 2% a 8%
sobre faixas que variam de 10.000 Ufesps (R$ 353.600) a 280.000 Ufesps (R$
9.900.800,01). O PL já teve a primeira análise pelo relator e continua em
trâmite na
Assembleia Legislativa de São Paulo.
Contudo, não se pode esquecer que a aprovação de projetos de lei que contemplem
a implementação de alíquotas progressivas pelos estados ainda em 2024 deve
observar determinados princípios constitucionais.
Ou seja, quaisquer alterações legislativas (como a implementação das alíquotas
progressivas) só surtirão efeito no ano subsequente à sua aprovação e após
transcorrido um período de 90 dias a partir da data de sua publicação. Este
ponto deve ser considerado especialmente para as implicações nas alternativas
de planejamento sucessório.
Quais as vantagens da doação como mecanismo de planejamento sucessório?
O contrato de doação é um dos mecanismos mais interessantes utilizados no
âmbito dos planejamentos sucessórios. Trata-se de um contrato que tem por
objeto a transferência de bens ou vantagens de uma pessoa para a outra, por
mera liberalidade. Os objetivos podem ser os mais diversos, podendo envolver a
destinação de uma parte do patrimônio do doador para um membro específico da
família ou a determinação de quais bens e vantagens serão destinados para cada membro
da família.
Além disso, a doação como instrumento de planejamento pode ser bastante
eficiente do ponto de vista tributário, especialmente no cenário de mudanças em
que estamos. Qualquer contrato de doação celebrado antes da entrada em vigor de
lei estadual que absorva a reforma tributária estará sujeito às regras atuais.
Essa situação permanecerá necessariamente durante todo o ano de 2024, em razão
dos princípios constitucionais mencionados anteriormente (ano seguinte +
noventa dias).
Mas as vantagens não se limitam apenas aos aspectos tributários. Isso porque o
contrato de doação também possibilita e antecipação da herança legítima (que se
refere a 50% do patrimônio) de pais aos seus filhos. Além disso, a doação
permite que uma pessoa disponha livremente da outra metade do seu patrimônio
(os outros 50%), possibilitando que o doador faça transferências livres para
pessoas determinadas, como por exemplo um filho específico, um sobrinho ou uma
associação.
Ainda, dois outros elementos negociais também ampliam o potencial da doação
como um excelente mecanismo de planejamento sucessório.
O primeiro deles é o usufruto do doador - situação em que o bem é transferido
do doador para o donatário, mas o doador permanece com o direito de uso e gozo
do bem. Em termos práticos, no caso de um imóvel alugado, por exemplo, os
aluguéis continuariam sendo pagos ao doador (usufrutuário).
O segundo deles é a utilização de cláusulas
restritivas do patrimônio, que podem gravar os bens ou vantagens doadas a
critério do doador. As principais cláusulas são:
Cláusula de incomunicabilidade: o bem doado não comunicará com o patrimônio
comum em caso de casamento. Assim, mesmo em caso de divórcio, o bem fica
resguardado com o doador, independentemente do regime;
Cláusula de inalienabilidade: o bem não pode ser alienado, ou seja, o doador
fica impedido de transferi-lo a outra pessoa;
Cláusula de impenhorabilidade: o bem doado se torna impenhorável,
impossibilitando uma eventual satisfação de dívida. Nesse caso, não é possível
constituir qualquer ônus ou gravame sobre o bem doado (como penhora, garantia,
indisponibilidade etc.); e
Cláusula de reversão: a propriedade do bem doado retorna ao doador caso o
donatário venha a falecer. Isso evita que o bem doado seja partilhado entre
cônjuges/netos, caso o doador ainda esteja vivo.
O que se pode concluir?
A implementação das medidas propostas pela reforma tributária deverá ser
acompanhada ao longo de 2024. No entanto, é inegável que esse ano se apresenta
como uma oportunidade ideal para avaliar estratégias de planejamento sucessório
e patrimonial, por conjugar o cenário atual (utilização do contrato de doação e
as cláusulas de proteção do patrimônio) com a garantia da aplicação das
alíquotas
de ITCD vigentes.
Autores:
Marcelo Matos, é associado na área Societária e de Fusões e Aquisições do
Freitas Ferraz Advogados.
Júlia
Barreto, é advogada associada no escritório Freitas Ferraz Advogados.
Ligia
Merlo, é associada da área tributária do Freitas Ferraz Advogados.
Nota
M&M: A M&M Assessoria Contábil tem expertise no planejamento e
constituições de holding familiar com objetivos de planejamento tributário,
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